quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

David Ben-Gurion e Wasif Jawhariyyeh




Ben-Gurion no kibbutz Sde Boker, 1953


Ben-Gurion nasceu com o nome de David Grün na Polónia, que era então parte do Império Russo. Seu pai, Avigdor Grün, foi um advogado e um líder no movimento Hovevei Zion. Quando estudava na Universidade de Varsóvia, ingressou no movimento marxista Poale Zion, em 1904. Foi preso duas vezes durante a Revolução Russa de 1905. Atormentado pelo antissemitismo do Leste Europeu, tornou-se socialista e emigrou para Palestina em 1906. Ali tornou-se um importante líder da Poale Zion (Trabalhadores de Sião).
Os pogroms estimularam David Grün a embarcar num dos navios de peregrinos que partia de Odessa e viajar para a Terra Santa. Em 1909, esses colonos fundaram Tel Aviv nas dunas de areia próximas ao antigo porto de Jaffa; em 1911, criaram no norte uma nova fazenda coletiva — o primeiro kibutz.

Após sua chegada, Grün levou muitos meses para visitar Jerusalém; em vez disso, trabalhou nos campos da Galileia, até que, em meados de 1910, o rapaz de 24 anos mudou-se para Jerusalém para escrever num jornal sionista. Magro e pequeno, cabelo crespo e sempre vestindo uma bata rubashka russa para enfatizar suas credenciais socialistas, adotou o pseudónimo “Ben-Gurion”, emprestado de um dos lugares-tenentes de Simão bar Kochba. A velha camisa e o novo nome revelavam os dois lados do emergente líder sionista.

Na Palestina, trabalhou pela primeira vez na agricultura, na colheita de laranja. Em 1909, passou a participar da Hashomer, uma força de voluntários que ajudavam a proteger as comunidades judaicas agrícolas isoladas. Em 7 de novembro de 1911, Ben Gurion chegou a Salonica, a fim de aprender turco para os seus estudos de Direito. A cidade, com uma grande comunidade judaica, impressionou Ben Gurion com o comentário de ser uma cidade judaica sem igual no mundo. Também percebeu ali que os judeus eram capazes de todos os tipos de trabalho, desde ricos empresários a comerciantes, artesãos e porteiros. Também trabalhou como jornalista, adotando o nome hebraico Ben-Gurion, quando iniciou a sua carreira política. Em 1915 ele e Ben-Zvi foram expulsos da Palestina, então ainda sob o domínio do Império Otomano. Passando a viver em Nova Iorque em 1915, conheceu Paula Munweis, nascida na Rússia, com quem viria a casar em 1917. Depois do fim da Primeira Guerra Mundial regressou então à Palestina, nesta altura já sob controlo da Grã-Bretanha.

O pai de David Grün já era um líder local dos Amigos de Sião, precursor do movimento sionista, e um aguçado hebraísta, de modo que David aprendeu hebraico desde tenra idade. Mas David, como muitos outros sionistas, ficou chocado quando leu que Herzl havia aceitado a oferta do Uganda, no Sexto Congresso Sionista. O plutocrata austríaco barão Maurice de Hirsch financiava colónias judaicas na Argentina, e o nova-iorquino Jacob Schiff promoveu o Plano Galveston, uma Estrela Solitária de Sião para judeus russos no Texas. No entanto, nenhum desses esquemas floresceu. Herzl, exausto de suas peripatéticas viagens, morreu logo depois, com apenas 44 anos. Ele obtivera êxito em estabelecer o sionismo como uma das soluções para a atribulação judaica, particularmente na Rússia. O jovem David Grün chorou a morte do herói Herzl. Mas cedo percebeu que o meio mais eficaz era o povo judeu estabelecer-se na terra de Israel. 

Ben-Gurion acreditava, como a maioria de seus colegas sionistas da época, que um Estado judeu socialista seria criado sem violência e sem dominar ou deslocar os árabes palestinos; ao contrário, tal Estado existiria lado a lado com eles. Estava seguro de que as classes operárias judaica e árabe cooperariam entre si. Afinal, as aldeias otomanas de Sídon e Damasco e a sanjaque de Jerusalém — como a Palestina era então conhecida — constituíam represas de miséria com 600 mil árabes. Havia muito espaço a ser desenvolvido. Os sionistas tinham esperança de que os árabes compartilhariam os benefícios económicos da imigração judaica. 

Mas havia pouca mistura entre os dois povos, e não ocorreu aos sionistas que a maioria desses árabes não desejava os benefícios do seu assentamento. Em Jerusalém, Ben-Gurion alugou uma cave sem janelas, mas passava o tempo nos cafés árabes na Cidade Velha, escutando as mais recentes canções árabes. Foi aí que conheceu o jovem árabe cristão - Wasif Jawhariyyeh - hierosolimita nativo, já conhecedor da beleza e do prazer, ouvia as mesmas canções nos mesmos cafés e aprendia a tocá-las no seu alaúde



Tradução dos Diários

Wasif Jawhariyyeh [1897 – 1972] foi um compositor, poeta e cronista palestino. Ele é conhecido por suas memórias "Os Diários de Diaries of Wasif Jawhariyyeh", que abrange mais de seis décadas, de 1904 a 1968, cobrindo a turbulenta história moderna de Jerusalém, incluindo quatro regimes e cinco guerras. Nascido em Jerusalém, era 
filho de Jiryis e Hilana Barakat. Os Jawhariyyeh praticavam o cristianismo ortodoxo oriental. Seu pai era um membro ativo de sua comunidade, como membro do conselho municipal de Jerusalém e serviu por um tempo como assessor fiscal. Mais tarde, ele seguiria uma carreira como produtor de seda, proprietário de café, habilidoso criador de ícones. Ele também era um músico amador.

Os Diários de Wasif Jawhariyyeh (1904-1968), são as memórias de Wasif Jawhariyyeh (1897-1972), um cidadão de Jerusalém e um conhecido compositor, tocador de Oud, poeta e cronista. As memórias de Jahwariyyeh narram um período marcado por uma extensa transformação política e socioeconómica dentro da cidade de Jerusalém. A passagem para o século XX inaugurou uma era de modernidade em Jerusalém, manifestada pelos avanços da tecnologia, da indústria, do governo, da infraestrutura, das artes e da educação. Os escritos de Jawhariyyeh servem como uma fonte primária inestimável que ajudou o estudo do período; principalmente sobre os efeitos da modernização e o papel das etnias e identidades sectárias durante o período.

Quando Wasif Jawhariyyeh iniciou o diário, seu pai ainda ia para o trabalho cavalgando um jumento branco, mas Wasif viu o primeiro transporte sem cavalos, um automóvel Ford dirigido por um dos colonistas americanos na estrada de Jaffa. Tendo se acostumado a uma vida sem eletricidade, logo ele passaria a gostar de assistir ao novo cinematógrafo no Complexo Russo (“a taxa de ingresso era um bishlik otomano pago na porta”). Wasif se regalava na mistura cultural. Cristão educado na escola pública inglesa de St. George, estudou o Alcorão e se divertia em piqueniques no monte do Templo. Encarando os judeus sefarditas como “Yahud, awlad Arab” (judeus, filhos de árabes), fantasiava-se para o Purim judaico e participava do Piquenique Judaico anual na tumba de Simão, o Justo, onde entoava cantigas andaluzes acompanhado de oud e pandeiro. Numa apresentação típica, tocou uma versão judaica de uma conhecida canção árabe para acompanhar o coro asquenaze na casa de um alfaiate judeu no Bairro Montefiore.

Os árabes acreditavam que finalmente seriam libertados do despotismo otomano. Os primeiros nacionalistas árabes estavam indecisos: não sabiam se queriam um reino centrado na Arábia ou na Síria Maior, mas o escritor libanês Najib Azouri já havia noticiado como as aspirações de judeus e árabes vinham se desenvolvendo simultaneamente — e tendiam a colidir. Jerusalém elegeu como membros do Parlamento Uthman al-Husseini e o sobrinho de Yusuf Khalidi, Ruhi, que era escritor, político e homem do mundo. Em Istambul, Ruhi Khalidi tornou-se vice-presidente do Parlamento, usando sua posição para fazer campanha contra o sionismo e a aquisição de terras por judeus.

As famílias, cada vez mais ricas, seguiam prosperando. Agora as mulheres trajavam tanto a moda árabe quanto a ocidental. A escola britânica levou o futebol a Jerusalém: todo sábado à tarde havia jogo numa várzea perto de Bab al-Sahra — os rapazes Husseini eram jogadores especialmente talentosos, e alguns jogavam com o fez na cabeça. Antes da Grande Guerra, Wasif ainda era um estudante, mas já levava uma vida boémia. Tocava seu oud e servia como intermediário de confiança e organizador de festas, talvez até mesmo um subtil cafetão para as famílias, que agora viviam fora das muralhas em novas mansões em Sheikh Jarrah. 

O filho do prefeito Hussein Effendi al-Husseini, mantinha a mais viva das concubinas, Persephone, uma costureira greco-albanesa, em seu odah na estrada de Jaffa, onde essa sedutora de espírito empreendedor negociava gado e vendia sua própria marca de óleo de timo medicinal. Persephone adorava cantar e era acompanhada pelo jovem Wasif no oud. Quando o próprio Husseini tornou-se prefeito em 1909, casou-se com Persephone.

As amantes eram tradicionalmente judias, arménias ou gregas, mas agora os milhares de peregrinos russos passavam a ser a fonte mais rica para os hedonistas de Jerusalém. Wasif registrou que, em companhia do futuro prefeito Ragheb al-Nashashibi e Ismail al-Husseini, arranjava festas secretas “para as senhoras russas”. E simplesmente aconteceu de, nessa época, um inusitado peregrino russo queixar-se da estarrecedora decadência e prostituição na cidade de seus compatriotas. Chegando em março de 1911, esse monge sibarita era o conselheiro espiritual e confortador do imperador e da imperatriz da Rússia, cujo filho hemofílico, Alexei, só ele era capaz de curar.


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