quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Frederico II e o Reino de Jerusalém



Frederico II [1194-1250] foi imperador do Sacro Império Romano; Rei de Jerusalém [1225-1228] depois de ter tomado parte na VI Cruzada; Rei da Sicília a partir de1198 e rei de Itália [1220-1250]. Frederico II esteve em luta quase constante com os Estados Papais.

O Reino de Jerusalém foi um Estado Cruzado a partir da Primeira Cruzada, em 1099, extinto em 1291, com a capital inicialmente em Jerusalém e mais tarde em Acre. O Rei de Jerusalém era o governador supremo, cuja história pode ser dividia em vários períodos: aqueles em que o título de Rei de Jerusalém estava associado à cidade em si [1099-1187 e 1229-1244] e aqueles em que o título representa o nível mais alto de soberania na Terra Santa, sem a cidade como parte do território cristão. Após a extinção dos Estados cruzados, o título foi disputado por vários monarcas e príncipes europeus.


Em 9 de novembro de 1225, na catedral de Brundísio, Frederico II, imperador do Sacro Império Romano e rei da Sicília, casou-se com Iolanda, a rainha de Jerusalém então com quinze anos. Terminada a cerimónia de casamento, Frederico assumiu o título de rei de Jerusalém, já pronto para partir em sua Cruzada. Os inimigos diziam que ele seduzia as damas de companhia da mulher, enquanto folgava com seu harém de odaliscas sarracenas. Isso horrorizou o sogro João de Brienne e ofendeu o Papa. Mas Frederico já era o monarca mais poderoso da Europa — ficaria conhecido como Stupor Mundi, a Maravilha do Mundo.

Frederico de Hohenstaufen, de olhos verdes e cabelo ruivo alaranjado, meio alemão, meio normando, fora criado na Sicília e nada havia na Europa de parecido com sua corte em Palermo, que combinava as culturas normanda, árabe e grega numa ímpar mistura cristã e muçulmana. Foi essa criação que tornou Frederico tão incomum, e ele gostava de ostentar as suas excentricidades. Incluía um harém sultanesco, um zoológico, cinquenta falcoeiros (escreveu um livro intitulado Da arte de caçar com aves), guarda-costas árabes, eruditos judeus e muçulmanos e quase sempre um mágico e hierofante escocês. Era certamente mais levantino em sua cultura do que qualquer outro rei da cristandade, mas isso não o impediu de eliminar implacavelmente rebeldes árabes na Sicília — usou a própria espora para abrir a barriga do líder capturado. Deportou os árabes da Sicília, embora tenha construído para eles uma nova cidade árabe em Lucera, com mesquitas e um palácio que se tornou sua residência favorita. De maneira similar, aplicou leis contra os praticantes do judaísmo, ao mesmo tempo que dava apoio a sábios judeus, acolhia colonos judeus e fazia questão de que fossem bem tratados.

Mas o que consumia Frederico era o poder, e não os objetos exóticos, e ele dedicou a vida para proteger sua vasta herança, que se estendia do Báltico ao Mediterrâneo, contra papas invejosos que o excomungaram duas vezes, denunciando-o como Anticristo e denegrindo-o com as mais absurdas calúnias. Diziam que ele era ateu ou muçulmano em segredo, e que considerava Moisés, Jesus e Maomé como fraudes. Selara um moribundo num barril para ver se a alma podia escapar; que desventrara um homem para estudar a digestão; e que confinava crianças em celas solitárias para ver como desenvolviam a linguagem. Frederico levava muito a sério os direitos de sua família e a si mesmo. Na verdade, era um cristão convencional certo de que, como imperador, deveria ser um monarca santo e universal, de modelo bizantino, e que, como descendente de gerações de cruzados e herdeiro de Carlos Magno, tinha obrigação de libertar Jerusalém. 

Iolanda, com dezesseis anos, morreu depois de dar à luz um filho. Como Frederico era rei de Jerusalém em virtude do casamento, o filho assumiu o título. Mas ele não ia permitir que esse detalhe interferisse em sua nova atitude para com as Cruzadas. O imperador esperava conquistar Jerusalém explorando as rivalidades da Casa de Saladino. De facto, o sultão Kamil ofereceu-lhe o lugar em troca de ajuda contra Muazzam, que mantinha a cidade. Frederico finalmente partiu em 1227, mas logo caiu doente e voltou — e por isso foi excomungado pelo papa Gregório IX, enorme inconveniência para um cruzado. Despachou na frente seus cavaleiros teutónicos e sua infantaria, e, quando os alcançou em Acre, em setembro de 1228, Muazzam estava morto e Kamil tinha ocupado a Palestina — e retirado a oferta.

Agora Kamil tinha que lutar contra os filhos de Muazzam e também contra Frederico e seu exército. Não era capaz de enfrentar as duas ameaças. O imperador e o sultão estavam fracos demais para disputar Jerusalém, e, sendo assim, iniciaram negociações secretas. Kamil era tão pouco convencional quanto Frederico. Quando menino, o filho de Saladino fora sagrado cavaleiro pelo próprio Coração de Leão. Enquanto negociavam a partilha de Jerusalém, imperador e sultão debatiam também filosofia aristotélica e geometria árabe. “Não tenho nenhuma ambição real de ficar com Jerusalém”, disse Frederico a um emissário de Kamil. “Tudo que quero é salvaguardar minha reputação perante os cristãos.” Os muçulmanos questionavam se o cristianismo não seria “um jogo para ele”. O sultão mandou “dançarinas” para o imperador, enquanto este entretinha seus hóspedes com dançarinas cristãs. O patriarca Gerold denunciou as cantoras e malabaristas de Frederico como “pessoas não apenas de má reputação, mas indignas de serem mencionadas por cristãos”. Entre sessões de negociação, Frederico caçava com seus falcões e seduzia novas amantes, bancando o trovador para escrever a uma delas: “Ai de mim, não achava que separar-me de minha dama fosse tão difícil, quando me recordo de sua doce companhia. Feliz canção, vá voando para a flor da Síria, para aquela que mantém preso meu coração. Peça à mais amável das damas que se lembre deste servo, que padecerá de amor por ela, até fazer tudo o que ela quiser que faça”.



Frederico II encontrando-se com Kamil. De Nuova Cronica c. 1348

Quando as negociações titubearam, Frederico marchou com suas tropas pela costa para Jaffa, seguindo os passos de Ricardo e ameaçando Jerusalém. O truque funcionou, e em 11 de fevereiro de 1229 ele conseguiu o insonhável: em troca de dez anos de paz, Kamil cedeu Jerusalém e Belém com um corredor para o mar. Em Jerusalém, os muçulmanos ficaram com o monte do Templo e a liberdade de entrar e adorar a Deus sob seu cádi. O acordo ignorou os judeus (cuja maior parte tinha fugido da cidade), mas esse tratado de soberania compartilhada continua a ser o acordo de paz mais ousado da história de Jerusalém. Em Damasco, o filho de Muazzam, Nasir Daud, decretou luto oficial. Kamil insistia em dizer que “concedemos apenas algumas igrejas e casas em ruínas. As zonas sagradas e a venerada Rocha continuam nossas”. Mas o acordo funcionou para ele — que conseguiu reunir o império de Saladino sob sua coroa. Quanto a Frederico, o patriarca Gerold proibiu o excomungado de visitar Jerusalém, e os templários o denunciaram por não ter conquistado o monte do Templo. No sábado, 17 de março, Frederico, escoltado por seus guarda-costas e pajens árabes, suas tropas alemãs e italianas, os cavaleiros teutônicos e dois bispos ingleses, foi recebido no portão de Jaffa pelo representante do sultão, Shams al-Din, o cádi de Nablus, que lhe entregou as chaves de Jerusalém. As ruas estavam desertas; muitos muçulmanos tinham ido embora; os ortodoxos sírios viam com tristeza o ressurgimento latino — e o tempo de que dispunha Frederico era escasso: o bispo de Cesareia estava a caminho para fazer cumprir a proibição do patriarca e colocar a cidade sob interdição.

Depois de passar a noite no palácio do senhor dos hospitalários, Frederico mandou celebrar uma missa especial no Santo Sepulcro, vazio de sacerdotes mas inteiramente tomado por seus soldados alemães. Repousou a coroa imperial no altar do Calvário e, em seguida, colocou-a em sua própria cabeça, numa cerimónia de coroação destinada a projetar-se a si mesmo como o monarca universal e supremo da cristandade. Conforme explicou a Henrique III da Inglaterra: “Sendo imperador católico, usamos a coroa que Deus Todo-Poderoso nos ofereceu do trono de Sua Majestade quando, por Sua graça especial, nos elevou às alturas entre os príncipes do mundo na casa de Seu servo David”. Depois disso, o imperador fez um passeio pelo monte do Templo, admirando o Domo e a al-Aqsa, louvando seu belo mihrab, subindo no minbar de Nur al-Din. 

Frederico não tinha ficado muito tempo e jamais voltou para Jerusalém, mas continuou sendo oficialmente o senhor da cidade durante dez anos. Ele deu a torre de David e o palácio real aos cavaleiros teutónicos. Ordenou a seu senhor, Hermann de Salza e bispo Pedro de Winchester, que reparassem a torre (parte dessa obra ainda sobrevive) e fortificassem o portão de Santo Estêvão (hoje portão de Damasco). Os francos reclamaram “suas igrejas, e suas antigas possessões lhes foram devolvidas”. Os judeus novamente foram banidos. Sem muralhas, Jerusalém era insegura: semanas depois, os imãs de Hebron e Nablus levaram 15 mil camponeses para dentro da cidade, enquanto os cristãos se acovardavam na torre. Acre enviou um exército para expulsar os invasores muçulmanos, e Jerusalém permaneceu cristã.

Em 1238, o sultão Kamil morreu, mergulhando a dinastia Saladino em mais guerras intestinas, exacerbadas por uma nova Cruzada sob o comando do conde Teobaldo de Champagne. Quando os cruzados foram derrotados, o filho de Muazzam, Nasir Daud, partiu a galope para Jerusalém e sitiou a torre de David por 21 dias, até sua rendição em 7 de dezembro de 1239. Em seguida, destruiu as novas fortificações, e os príncipes beligerantes da família Saladino fizeram um juramento de paz no monte do Templo. Mas a disputa de família e a chegada de uma Cruzada inglesa sob o comando do irmão de Henrique III, Ricardo, conde da Cornualha, forçou novamente a rendição de Jerusalém aos francos. Dessa vez os templários expulsaram os muçulmanos e retomaram o monte do Templo: o Domo e al-Aqsa voltaram a ser igrejas. “Vi monges encarregados da Rocha Sagrada”, disse Ibn Wasil. “Vi nela garrafas de vinho para a missa.” Os templários começaram a fortificar a Cidade Santa — mas não com a rapidez necessária: para combater seus rivais de família, o novo sultão Salih Ayyub contratara uma horda de aventureiros tártaros, cavaleiros nómadas da Ásia Central desalojados pelo novo império mongol. Mas ele pôde controlá-los. Para horror dos cristãos de Acre, 10 mil tártaros corasmianos rumaram para Jerusalém.



Torre de David, Jerusalém

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