domingo, 11 de fevereiro de 2024

O assassinato de Abedalá ibne Hussein





Abedalá I ou Abdalá nascido Abedalá ibne Hussein [Meca 1882 - 1951] foi o Emir da Transjordânia de 1921 até sua elevação a reino em 1946, com ele continuando a reinar como Rei da Jordânia até seu assassinato. Era o segundo filho de Hussein ibne Ali, xarife de Meca, e sua primeira esposa Abedia binte Abedalá. Entre cerca de 1891 e 1908 viveu em Constantinopla. Em 1912 regressou a esta cidade quando foi eleito representante de Meca no parlamento, função que desempenhou até 1914. Junto com o seu pai e o seu irmão Faiçal participou na Revolta Árabe contra o domínio otomano. Com o fim do Império Otomano, os ingleses confiam a Abedalá a região da Transjordânia em 1921, tornando-o Emir da região. Por Transjordânia entendia-se toda a área a este do rio Jordão até ao Iraque, sendo este último território governado pelo seu irmão Faiçal. 
Em novembro, Abdullah foi bizarramente coroado rei de Jerusalém pelo bispo copta — o primeiro rei a controlar a cidade desde Frederico II. Ele próprio se declarara rei da Palestina em Jericó, rebatizando seu território de Reino Unido da Jordânia. Os Hussein e os nacionalistas árabes denunciaram Abdullah por seus compromissos e não conseguiriam perdoá-lo por ter sido o único árabe bem-sucedido na Catástrofe da Palestina.

Em 20 de julho de 1951, enquanto visitava a mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, Abdullah foi baleado por um palestino do clã Hussein, apesar da proteção de alta segurança. O assassinato foi perpetrado por uma ordem secreta baseada em Jerusalém conhecida apenas como "a Jihad", discutida no contexto da Irmandade Muçulmana. O atirador palestino disparou três balas fatais na cabeça e no peito do rei. O príncipe Hussein também foi atingido, mas uma medalha que havia sido fixada no peito de Hussein por insistência de seu avô desviou a bala e salvou sua vida. O assassinato de Abdullah teria influenciado Hussein, em 1967, a não entrar em negociações de paz com Israel após a Guerra dos Seis Dias, a fim de evitar um destino semelhante. O rei voltou-se para as famílias de Jerusalém, que agora gozavam uma estranha renascença. Ofereceu a Ragheb Nashashibi o posto de primeiro-ministro da Jordânia. Ele recusou, mas concordou em tornar-se ministro. O rei também o nomeou governador da Cisjordânia e Guardião dos Dois Harams (Jerusalém e Hebron), além de presenteá-lo com um carro Studebaker e com o título de “Ragheb Paxá”. Os jordanianos ainda concediam títulos otomanos na década de 1950. Nassereddin Nashashibi, tornou-se camareiro real. 

Abdullah foi advertido de planos de assassinato. Quaisquer que fossem os perigos, Abdullah, com 69 anos, estava orgulhoso de sua posse de Jerusalém. “Quando eu era menino”, recordava seu neto Hussein, “meu avô costumava me contar que Jerusalém era uma das mais belas cidades do mundo.” À medida que o tempo passava, ele notou que o rei “passou a amar Jerusalém mais e mais”. Abdullah vivia decepcionado com seu filho mais velho Talal, mas adorava seu neto, a quem educou para ser rei. Durante as férias escolares, tomavam café da manhã juntos. “Eu me tornei o filho que ele sempre quis”, escreveu Hussein. Na sexta-feira, 20 de julho de 1951, Abdullah foi de carro para Jerusalém com Hussein, aluno de Harrow de dezesseis anos, a quem ordenou vestir seu uniforme militar com medalhas. Antes de partirem, o rei disse: “Meu filho, um dia você terá de assumir a responsabilidade”, acrescentando: “Quando eu tiver que morrer, gostaria que fosse com um tiro na cabeça dado por um anónimo. É o modo mais simples”. 

Abdullah visitou o túmulo de seu pai, e então caminharam até al-Aqsa. Ali ele disse aos guardas que se afastassem, mas Musa Hussein permaneceu muito perto. Quando Abdullah passou pelo pórtico, o xeque da mesquita beijou a mão real, e simultaneamente surgiu um homem jovem detrás da porta. Erguendo uma pistola, o jovem pressionou o cano contra a orelha do rei e disparou, matando-o na hora. A bala saiu pelo olho, e Abdullah caiu, seu turbante branco desenrolando-se. Observou Hussein, “eu devo ter perdido a cabeça naquele momento e me precipitei em direção ao assassino. Eu vi seus dentes, seus olhos aturdidos. Ele estava com a arma e eu o vi apontando-a para mim, aí vi a fumaça, ouvi a explosão e senti o tiro no peito. É assim que é a morte? A bala atingiu o metal”. Abdullah salvara a vida do neto ordenando-lhe que usasse as medalhas. Os guarda-costas, atirando ao acaso, mataram o assassino. Segurando o rei morto nos braços enquanto o sangue jorrava do nariz, Nashashibi beijou repetidamente sua mão. Os legionários começaram a esbravejar pelas ruas, e Glubb teve de empenhar-se para contê-los. Ajoelhando-se junto ao rei, Hussein desfez seu manto e caminhou com o corpo enquanto era conduzido ao Sanatório Austríaco. Ali o próprio Hussein foi sedado antes de ser levado à pressa de volta para Amã. Dizia-se que o mufti e o rei Faruk do Egito estavam por trás do assassinato. Musa Hussein foi detido e torturado antes de ser executado com outros três. Essa morte foi apenas um dos assassinatos e golpes precipitados pela derrota árabe. Em 1952, o rei Faruk, último dos albaneses de Mehmet Ali, foi derrubado por uma junta de oficiais livres, liderada pelo general Muhammad Neguib e pelo coronel Gamal Abdul Nasser.

Abdullah da Jordânia foi sucedido por seu filho Talal, que sofria de esquizofrenia, o que o levaram a quase matar a esposa. Em 12 de agosto de 1952, o jovem Hussein estava passando férias num hotel em Genebra quando um garçom entrou com um envelope numa bandeja de prata: era endereçado a “Sua Majestade o rei Hussein”. Seu pai abdicara. Com apenas 17 anos, Hussein gostava de carros velozes e motociclos, aviões e helicópteros — que ele próprio pilotava — e belas mulheres. Casou-se com cinco. Enquanto seu avô jamais perdera o sonho de um grande reino hachemita, arriscando tudo para conquistar Jerusalém, Hussein percebeu que seria uma façanha até mesmo sobreviver como rei da Jordânia. Oficial treinado em Sandhurst, esse jovial monarca pró-ocidental teve seu regime financiado primeiro pela Grã-Bretanha e depois pelos Estados Unidos; no entanto, ele sobreviveu à custa de limar as arestas entre as forças em jogo no mundo árabe. Às vezes precisou suportar o sufocante abraço de tiranos radicais hostis, tais como Nasser do Egito e Saddam Hussein do Iraque. Como seu avô, foi capaz de trabalhar com os israelitas; muito mais tarde, passou a gostar especialmente de Isaac Rabin.

A cidade passou a ser atravessada por uma faixa fortificada de arame farpado, campos minados, posições de tiro e guaritas de sentinelas. Uma cortina de betão armado nos separava agora de Sheikh Jarrah e dos demais bairros árabes de Jerusalém.  Em 1950 a ONU mediou a alimentação de um tigre, um leão e dois ursos do Zoológico Bíblico no monte Scopus, controlado por Israel. Com frequência havia fogo de franco-atiradores. Em 1954, nove pessoas foram mortas dessa maneira, e outras 54 feridas. [Amós Oz]
Amós Oz, adolescente judeu, e a criança palestina Sari Nusseibeh, filho de Anwar, moravam perto um do outro. Mais tarde, Amós Oz e Nusseibeh, ambos grandes escritores e oponentes do fanatismo, ficaram amigos. “Para famílias como a nossa, o Islão não era diferente do que eu viria a saber que o judaísmo era para Amós Oz, a algumas dezenas de metros de distância, logo depois da Terra de Ninguém”, escreveu Nusseibeh. Os meninos assistiam a mais uma transformação de Jerusalém, resultado de um novo influxo de imigrantes. Os árabes, particularmente o Iraque, tinham-se vingado em suas próprias comunidades judaicas: 600 mil judeus agora migravam para Israel. Mas foram os sobreviventes das seitas ultraortodoxas conhecidas como haredim (devotos) que mudaram o aspecto da cidade, trazendo consigo a cultura e as roupas da Europa Central do século XVII e uma fé em preces místicas e jubilosas. “Dificilmente se passava um dia”, recorda Sari Nusseibeh, “em que eu não espiasse nas ruas para além da Terra de Ninguém”, e ali, em Mea Shearim, “eu via homens de preto. Às vezes as barbudas criaturas olhavam de volta para mim”. Quem eram eles, o menino se perguntava.

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