Então como é que os EUA se vão entender com a Turquia, quando esta, ainda por cima, faz parte da NATO? A relação entre os EUA e a Turquia, ambos membros da NATO, é marcada por tensões, especialmente devido ao apoio americano às Forças Democráticas Sírias (FDS), que a Turquia considera aliadas do PKK, grupo que classifica como terrorista. Para equilibrar a situação, os EUA têm buscado diálogos bilaterais e medidas de contenção, como limitar o fornecimento de armas às FDS. No entanto, as divergências sobre a Síria continuam a dificultar um entendimento pleno, revelando as contradições dentro da aliança atlântica.
EUA possuem uma base no sul da Síria, em Al-Tanf, estrategicamente localizada próximo às fronteiras com a Jordânia e o Iraque. Essa base é usada para treinar forças locais e vigiar movimentos de milícias pró-Irão na região. Apesar disso, a presença americana no Sul é relativamente discreta em comparação com o Nordeste, onde o apoio às Forças Democráticas Sírias (FDS) é mais intenso. Essa dupla atuação reflete o esforço dos EUA em conter o Irão e o Estado Islâmico, enquanto gerem tensões com a Turquia.
A Rússia mantém bases estratégicas na Síria, incluindo a base aérea de Hmeymim, perto de Latakia, e o porto de Tartus, usado para operações navais. Essas instalações são cruciais para Moscovo projetar poder no Mediterrâneo Oriental e apoiar os seus aliados regionais. Apesar do envolvimento na guerra da Ucrânia ter reduzido a atenção russa, as bases continuam operacionais, demonstrando o interesse em manter influência no Oriente. No entanto, a instabilidade na Síria e as pressões internacionais podem desafiar essa presença a longo prazo.
O Irão enfrenta desafios estratégicos na Síria após a queda de Assad, pois a sua influência dependia em grande parte do regime deposto. Apesar disso, o Irão mantém milícias aliadas e redes de apoio no país, especialmente no sul e no oeste, visando proteger as rotas logísticas para o Líbano e fortalecer o Hezbollah. Com a Rússia menos engajada devido à guerra na Ucrânia, o Irão enfrenta resistência de atores como Israel, EUA e grupos locais, complicando a sua posição no pós-Assad.
Israel praticamente decapitou os proxies do Islão no Levante, tanto Hezbollah como Hamas. Israel tem intensificado operações contra proxies do Irã no Levante, como o Hezbollah no Líbano e o Hamas na Palestina, especialmente após a escalada recente em Gaza e no sul do Líbano. No caso do Hezbollah, o foco tem sido limitar o armamento e neutralizar ameaças diretas. Essa estratégia reflete o esforço de Israel para impedir o fortalecimento de milícias apoiadas pelo Irão na região, mesmo diante de tensões contínuas com atores internacionais e locais.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, demonstrou interesse em expandir a influência da Turquia na região, particularmente contra os curdos, além de consolidar o seu controle sobre partes da Síria através de aliados locais. Este movimento pode ser interpretado como uma tentativa de restaurar uma espécie de projeção imperial na linha do antigo Império Otomano. Já Vladimir Putin, embora distraído pelo conflito na Ucrânia, também parece estar apoiando esforços que fortalecem sua posição na Síria ao aceitar a presença de Assad em Moscovo. A queda de Assad e a participação de Erdoğan e Putin no processo podem ser vistas como exemplos de ambições regionais de poder que ecoam nostalgias imperiais. Contudo, o equilíbrio na região permanece incerto, com muitas forças locais e internacionais disputando poder e influência.
No Nordeste da Síria - as Forças Democráticas Sírias, e a milícia curda das Unidades de Proteção Popular (YPG) controlam a maior parte da região curda, conhecida como Rojava, e as cidades de Hasakah, Qamishli, e boa parte da região rica em petróleo no Nordeste, ao longo do rio Eufrates. Essas forças tiveram o apoio militar dos Estados Unidos na luta contra o Estado Islâmico (ISIS), mas estão sob pressão devido às operações militares da Turquia, que considera o YPG uma extensão do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), um grupo que luta pela autonomia curda na Turquia. Na guerra da Síria, o conflito provocou mais mortes e sofrimento do que qualquer outro em curso. E um dos seus efeitos secundários foi o surgimento da resistência jihadista sunita na província de Idlib, na Síria. A densidade populacional da província de Idlib é agora maior do que a densidade populacional da Faixa de Gaza, que historicamente tem sido vista como um dos territórios mais enclausurados do mundo.
No Noroeste da Síria - ao longo da fronteira com a Turquia, há territórios controlados por milícias rebeldes sírias apoiadas pela Turquia, incluindo o Exército Nacional Sírio (SNA). A Turquia controla partes de Idlib, Afrin, e áreas perto das cidades de Azaz e Jarabulus. As forças turcas lançaram várias operações militares para criar uma "zona de segurança" ao longo da sua fronteira, evitando a expansão das forças curdas e combatendo remanescentes do ISIS. A província de Idlib, no Noroeste, é o último grande bastião da oposição ao regime de Assad e é dominada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), uma fação jihadista com ligações anteriores à Al-Qaeda. Embora o Estado Islâmico (ISIS) tenha perdido quase todo o seu território em 2019, ele ainda mantém células ativas em áreas desérticas no Leste e Sul da Síria, especialmente nas regiões perto de Palmira e Deir ez-Zor. O grupo realiza ataques esporádicos contra forças do governo sírio e curdas.
Portanto, mais até do que a Rússia, o Irão perde em toda a linha, quer pelas ações de Israel, quer agora pela queda de Assad. O Irão é um dos maiores perdedores na atual conjuntura política da Síria. A queda de Assad enfraquece seu principal aliado no Levante e prejudica as redes logísticas e estratégicas, que conectam Teerã ao Hezbollah no Líbano. Além disso, as intensas operações de Israel têm desestabilizado suas milícias e proxies, limitando a capacidade de projetar poder na região. Com a Rússia menos ativa e um contexto mais fragmentado, o Irão enfrenta dificuldades crescentes para manter influência significativa no pós-Assad. E a religião alauita de Bashar Al-Assad, e do seu clã familiar, um islamismo heterodoxo muito próximo do xiismo iraniano, constitui uma tensão permanente com o islamismo dos seus cidadãos maioritariamente sunita. É observável no terreno que o conflito político-militar tem a ver com a divergência religiosa entre sunitas e xiitas, embora os conflitos étnicos entre árabes e curdos também demarquem uma fratura secular importante.
É possível que o denominado Estado Islâmico tenha esta oportunidade para voltar a concretizar as suas ambições desde a chamada Primavera Árabe. A queda de Assad e a fragmentação da Síria podem abrir oportunidades para o Estado Islâmico (EI) ressurgir, especialmente em áreas onde governa o caos. Historicamente, o EI explorou o caos gerado pela Primavera Árabe para se expandir, e um cenário semelhante pode repetir-se. As forças internacionais e locais podem não conseguir preencher o vazio de poder. No entanto, a presença militar de EUA e aliados, além da vigilância constante de outros atores, como a Rússia e o Irão, pode limitar significativamente as ambições dos radicais sunitas.
O líder do HTS, depois de conquistar Damasco, abandonou simbolicamente o nome de guerra,"Jolani", e voltou a responder por Ahmed Hussein al-Sharaa, anteriormente conhecido como Abu Mohammad al-Jolani, líder do grupo jihadista Hay'at Tahrir al-Sham (HTS). Este gesto simbólico parece sinalizar uma tentativa de se distanciar de seu passado mais radical e de reposicionar o HTS como um ator político e militar legítimo no cenário sírio. A mudança reflete uma estratégia para conquistar apoio interno e externo em um momento de transição crítica para o futuro da Síria. Ele começou a sua trajetória militante no Iraque e fundou a Frente Nusra, posteriormente transformada no HTS. Agora, ele emerge como uma figura central no novo cenário político da Síria, com promessas de mudança após 13 anos de guerra civil
A ascensão do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), com raízes em grupos jihadistas, indicam que a estabilidade na Síria continuará um desafio. O país enfrenta divisões internas profundas e interesses externos conflitantes, o que dificulta uma paz duradoura. Apesar da queda de Assad, é provável que novos conflitos surjam entre fações rivais e potências estrangeiras que continuam a influenciar a região. A história recente da Síria reforça essa perspectiva de instabilidade contínua. A instabilidade contínua na Síria pode levar Israel a reforçar as medidas preventivas nos Montes Golã. Essa área, estratégica tanto militar como geopolítica, tem sido uma zona de tensão histórica entre Israel e a Síria. Diante da possibilidade de grupos extremistas ganharem força ou utilizarem a região como plataforma para ataques, é natural que Israel adote uma postura de defesa robusta para garantir a segurança e estabilidade regional.
É amplamente relatado que o Hayat Tahrir al-Sham (HTS) e o Hamas possuem históricos de colaboração e alinhamento em certas questões, especialmente devido às suas origens ideológicas semelhantes no islamismo sunita militante. Essa relação pode incluir troca de informações, apoio logístico ou alinhamento estratégico, principalmente contra adversários comuns, como Israel. Isso reforça as preocupações de segurança de Israel, especialmente em áreas como os Montes Golã, onde uma escalada ou infiltração a partir da Síria poderia representar uma ameaça direta.
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