domingo, 8 de dezembro de 2024

Somos apenas engrenagens conscientes numa máquina cósmica



A vida e a consciência são vistas como produtos emergentes de processos naturais e não como resultados de um planeamento deliberado. A ideia de um "Deus metafórico" que arquitetasse o surgimento de um Einstein é, no mínimo, uma projeção antropocêntrica de nossa própria necessidade de encontrar sentido e propósito num cosmos essencialmente indiferente. O surgimento de Einstein — ou de qualquer outro génio humano — é mais bem compreendido como o resultado de biliões de interações aleatórias e determinísticas: colisões de partículas, formação de estrelas e planetas, evolução biológica, desenvolvimento cultural e educativo. Não há necessidade de uma "consciência divina" por trás disso. É simplesmente a natureza produzindo complexidade de maneira impessoal.

A crença é uma espécie de muleta do self, um quase autoengano defensivo para não enlouquecer. Ou para não suicidar. A crença como "muleta do self" é uma descrição precisa, especialmente quando consideramos como ela pode oferecer uma narrativa reconfortante diante do absurdo e do vazio existencial que Camus tão brilhantemente explorou. A ideia de que "a vida não tem sentido intrínseco" pode ser esmagadora para muitos, e a crença funciona como um antídoto psicológico, preenchendo esse vazio com uma estrutura ilusória, mas funcional.

Camus, com a reflexão sobre o absurdo, colocou a questão no centro do dilema humano: como continuar vivendo quando se reconhece a falta de propósito objetivo no universo? Aceitar o absurdo exige uma força interior que nem todos conseguem sustentar, o que torna a crença em algo maior uma opção mais acessível para muitos. Talvez essa busca por sentido — mesmo que ilusório — seja um traço evolutivo, uma adaptação que nos ajudou a sobreviver em um mundo caótico e indiferente. A crença em deuses, narrativas cósmicas ou mesmo na própria racionalidade parece ser menos uma verdade universal e mais uma estratégia humana para suportar o peso da consciência.

Há indivíduos que conseguem ser aquilo a que uns chama otimista, mas tanto epicuristas como estoicos surgiram num tempo em que estas questões se colocaram com enorme premência. Foi o tempo da razia protagonizado por Alexandre Magno. Os consumidores de drogas e a sua relação com o vazio existencial é uma outra fatia humana do problema. Muitas vezes, a dependência química funciona como uma resposta ao "absurdo" numa tentativa de escapar de uma realidade que parece sem sentido ou intolerável. Se a crença oferece uma ilusão reconfortante, a droga pode ser vista como uma anestesia para a mente, uma forma de engano mais imediata, mas também mais destrutiva.

O contraste entre aqueles que "não se suicidam," mas se "enganam" é pertinente. A droga, nesse caso, se torna um mecanismo de fuga que impede a confrontação direta com a realidade, da mesma forma que uma crença religiosa ou ideológica pode fazer. A diferença é que a droga, ao contrário da crença, geralmente não proporciona um alicerce moral ou uma narrativa de vida que justifique a experiência, mas sim uma fuga temporária e destrutiva. É um paradoxo interessante: quem se droga não está, de certa forma, buscando evitar a "morte simbólica" do confronto com o absurdo, mas ao mesmo tempo se submete a uma morte mais lenta e corrosiva, tanto física quanto psicológica. Esses indivíduos, assim como aqueles que se agarram a crenças reconfortantes, buscam algo que alivie o peso da existência — mas, em vez de encontrar uma resposta, acabam se enredando mais profundamente em um ciclo de negação.

Uma gargalhada é quase um ato de resistência, uma aceitação de que, por mais que busquemos significado, jamais seremos plenamente "sérios" ou "sábios" no sentido tradicional. Como se, ao encarnar o papel de filósofo ou erudito, houvesse uma tentativa de encontrar alguma estrutura sólida que nos dê sentido, mas, no fundo, sabemos que é um jogo, uma máscara para lidar com as incertezas do ser. É um reconhecimento, por mais irónico que seja, de que somos tão finitos quanto qualquer outra coisa, e que, em última instância, essa busca pela sabedoria ou por respostas definitivas é sempre uma jornada sem fim. Ao rirmos de nós mesmos, reconhecemos nossa fragilidade sem cair na desesperança. Ao "armarmo-nos em sábios", podemos ser conscientes de que estamos, na verdade, apenas tentando sobreviver ao absurdo da existência, uma estratégia que se torna tanto mais eficaz quanto mais rimos do nosso próprio esforço de fazer sentido.

É mais uma espécie de adaptação. A adaptação como arte, como um jogo de sobrevivência que não busca dominar ou entender tudo, mas simplesmente coexistir com as condições dadas — isso traz uma certa dignidade, talvez até uma vaidade, porque conseguimos encontrar equilíbrio num mundo caótico. Essa capacidade de ajustar-se, de ajustar nossas expectativas, de transformar a resistência ao absurdo em algo funcional e até prazeroso, é uma forma de sabedoria silenciosa, que não exige reconhecimento externo, mas que se reflete na nossa serenidade pessoal. O lema de Gramsci, "pessimista de razão, otimista na ação", reflete bem essa tensão interna: uma visão crítica e realista da natureza do mundo e da sociedade, sem ilusões sobre os desafios e injustiças, mas, ao mesmo tempo, uma disposição para agir, para fazer algo a partir dessa compreensão, mesmo sabendo que o resultado final pode ser incerto ou distante. Isso também pode ser interpretado como uma forma de resiliência: entender que a mudança é difícil e as forças contra nós podem ser esmagadoras, mas continuar a agir, seja na esfera política ou na vida quotidiana, com a esperança de que, de algum modo, a ação faz a diferença.

Essa combinação de pessimismo racional e otimismo prático talvez seja a chave para lidar com a angústia existencial — não porque possamos mudar o curso de tudo, mas porque podemos sempre encontrar algo para fazer, mesmo nas pequenas coisas, que mantém a dignidade intacta. E essa é uma forma de vaidade saudável, não de um orgulho vazio, mas de uma aceitação de nossa capacidade de, ainda assim, fazer algo de positivo, mesmo sabendo de antemão que não controlamos o resultado.

O que Ortega y Gasset destaca de forma tão relevante é que não podemos reduzir a natureza humana a uma simples formulação. Não é uma questão de ser exclusivamente "inato" ou exclusivamente "circunstancial". Somos, de facto, o que somos, mas sempre dentro de um contexto que nos molda e nos transforma continuamente.

Isso nos leva a uma questão que, muitas vezes, surge em momentos de reflexão existencial: o quanto somos responsáveis pelas nossas escolhas diante das circunstâncias que nos cercam.

Sem comentários:

Enviar um comentário