sexta-feira, 10 de maio de 2024

Identidades



A abordagem etnocêntrica nas ciências sociais analisa e interpreta outras culturas a partir de uma perspectiva própria, muitas vezes considerando-a superior às outras. Isso pode levar a preconceitos e distorções na compreensão das sociedades e culturas estudadas. É importante buscar uma abordagem mais objetiva e inclusiva, reconhecendo e respeitando a diversidade cultural. Toda a teoria social é uma ferramenta para entender o mundo e não um instrumento de autossatisfação intelectual. A teoria social tem o propósito fundamental de fornecer insights e compreensão sobre as dinâmicas complexas da sociedade, e não apenas para alimentar o ego intelectual de quem a estuda.
  
O nosso mundo é contraditório na sua pluralidade e temos de saber conviver com isso. A diversidade e as contradições são características intrínsecas da sociedade humana. A habilidade de conviver com essa pluralidade é essencial para construir sociedades mais inclusivas e resilientes. É por isso que os movimentos sociais podem ter tanto de bom como de mau. Os movimentos sociais são uma manifestação da diversidade de perspectivas e necessidades na sociedade. Eles podem ter impactos positivos ao promover mudanças sociais importantes, mas também podem apresentar desafios quando levam a conflitos ou exclusões. É fundamental analisar criticamente os objetivos e métodos de cada movimento para entender o seu impacto completo.

Não foram assim tão poucos os movimentos que com a ambição do paraíso na terra acabaram em tragédia. Infelizmente, ao longo da história, houve exemplos de movimentos sociais que começaram com ideais nobres, mas acabaram em tragédias devido a diversas razões, como autoritarismo, intolerância ou falta de consideração pelos direitos individuais. É importante aprender com esses erros para evitar repeti-los no futuro e promover movimentos mais inclusivos e responsáveis. Para não ser tendencioso em relação ao Ocidente, recordo a Rebelião Taiping, que acabou com um saldo de vinte milhões de chineses mortos. A Rebelião Taiping, que ocorreu na China entre 1850 e 1864, foi um dos conflitos mais sangrentos da história, resultando num enorme número de mortes. As razões para o alto saldo de vítimas incluem a escala do conflito, as táticas brutais empregadas pelas partes envolvidas e as condições sociais e económicas da época. Esse trágico evento ilustra como movimentos sociais podem ter consequências devastadoras quando não são adequadamente controlados ou quando suas lideranças não consideram o bem-estar da população.

Nunca houve nenhum povo que na construção da sua identidade não tenha recorrido aos feitos gloriosos dos seus antepassados em detrimento dos seus defeitos contra os outros. É verdade que muitas culturas tendem a glorificar os feitos positivos de seus antepassados enquanto minimizam ou ignoram os seus defeitos. Isso pode ser parte do processo de construção da identidade e do orgulho cultural. Mas deve ser feita uma pedagogia permanente sobre a importância de reconhecer que devemos aprender com os erros do passado para promover a compreensão e a reconciliação. É sabido que o que dá significado à coesão identitária de um povo são as suas qualidades positivas e não as negativas. As qualidades positivas de um povo, como sua cultura, valores e conquistas, certamente desempenham um papel importante na coesão identitária. Elas ajudam a unir as pessoas em torno de uma narrativa comum e a fortalecer o sentido de pertencimento. No entanto, é igualmente importante reconhecer e abordar as questões negativas, como injustiças históricas ou conflitos, para promover uma identidade mais inclusiva e resiliente.

Não adianta sermos ingénuos porque a pluralidade de um determinado coletivo social sempre foi fonte de tensão e contradição. A diversidade dentro de um grupo social pode criar tensões e contradições, especialmente quando há diferenças culturais, políticas ou socioeconómicas significativas. Essas tensões muitas vezes refletem dinâmicas de poder e privilégio, e lidar com elas requer uma abordagem sensível e inclusiva que reconheça e respeite as diferentes perspectivas e experiências dentro do grupo. A aceitação da complexidade e a disposição para o diálogo aberto são fundamentais para lidar com essas questões de maneira construtiva.

Quantas vezes a nossa razão teórica entra em contradição com a nossa razão inata? A razão teórica, baseada em conhecimento adquirido e raciocínio lógico, às vezes pode entrar em conflito com a nossa razão inata, que é influenciada por instintos, emoções e experiências pessoais. Esses conflitos podem surgir quando há uma desconexão entre o que sabemos ser racionalmente verdadeiro e o que os nossos instintos ou emoções nos impulsionam a fazer. Nesses momentos, é importante reconhecer essas contradições e buscar um equilíbrio entre a razão teórica e a razão inata para tomar decisões informadas e éticas. E é esse o viés frequente das más teorias académicas dos sociólogos, que também as há.

É verdade que algumas teorias académicas em sociologia, como em qualquer campo, podem ser influenciadas por viés, limitações metodológicas ou interpretações tendenciosas. Isso pode levar a uma compreensão inadequada ou simplificada de questões sociais complexas. No entanto, é importante reconhecer que a sociologia é um campo diversificado, com uma ampla gama de teorias e abordagens, algumas das quais são mais rigorosas e válidas do que outras. A crítica construtiva e o debate dentro da comunidade académica são essenciais para melhorar a qualidade e a relevância das teorias sociológicas.

É através dos significados simbólicos que os povos forjam a sua identidade coletiva. Os significados simbólicos desempenham um papel fundamental na formação da identidade coletiva de um povo. Os símbolos, como bandeiras, hinos, rituais, mitos e monumentos, são carregados de significados culturais e históricos que ajudam a unir as pessoas em torno de uma identidade compartilhada. Esses símbolos muitas vezes representam valores, crenças e aspirações comuns, proporcionando um sentido de continuidade e pertença de uma comunidade. O estudo dos significados simbólicos é uma parte importante da sociologia e da antropologia cultural, pois ajuda a entender como as identidades coletivas são construídas e mantidas ao longo do tempo.

É assim que a construção de identidades se faz da história, geografia, memória coletiva e até fantasias pessoais plasmadas nos mitos e lendas. A construção de identidades é realmente um processo complexo que envolve uma interação entre vários elementos. A história de um povo, a sua relação com a terra em que vive, as narrativas compartilhadas sobre eventos passados, e as histórias transmitidas oralmente ao longo do tempo, todos eles desempenham um papel na formação da identidade coletiva. Além disso, as fantasias pessoais e os mitos podem refletir aspirações e ideais comuns dentro de uma comunidade, contribuindo para uma compreensão compartilhada de quem são, do que são, e do que valorizam na vida. Esses elementos combinados ajudam a moldar e sustentar a identidade coletiva de um grupo social.

Por exemplo, em relação à Ucrânia atual, enquanto Putin quer impor, através da força, uma identidade legitimadora, Zelensky socorre-se da identidade em trincheiras de resistência. A situação na Ucrânia é um exemplo vívido de como a construção e a defesa da identidade nacional podem desempenhar um papel crucial em contextos geopolíticos complexos. Enquanto Putin busca impor uma narrativa que legitima suas ações por meio da força e da reivindicação de uma suposta herança histórica, Zelensky e outros líderes ucranianos resistem a essa pressão, mobilizando símbolos, narrativas e memórias coletivas para fortalecer o sentido de identidade nacional e promover a resistência contra a intervenção externa. Essa dinâmica demonstra como a identidade coletiva pode ser usada como uma ferramenta política poderosa em tempos de conflito e desafio.

Por outro lado, Portugal consolidou a sua identidade através do projeto dos Descobrimentos. 
Tais feitos desempenharam um papel significativo na consolidação da identidade portuguesa ao longo dos séculos. A expansão marítima portuguesa durante os séculos XV e XVI trouxe não apenas novos territórios, mas também uma sensação de orgulho nacional e uma narrativa de exploração e conquista. Os navegadores portugueses, como Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, foram celebrados como heróis nacionais, e suas viagens foram retratadas como expressões do espírito empreendedor e a audácia do povo português. Além disso, os Descobrimentos contribuíram para a difusão da língua portuguesa, da cultura e das tradições em todo o mundo, ajudando a estabelecer uma identidade nacional distintiva. No entanto, também é importante reconhecer que os Descobrimentos tiveram consequências negativas e controversas, incluindo a exploração de povos indígenas e o estabelecimento do comércio de escravos. A compreensão da identidade portuguesa muitas vezes envolve uma reflexão crítica sobre esse legado histórico.

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