quarta-feira, 8 de maio de 2024

Susan Neiman - numa crítica ao wokismo



Na sua génese e nas suas pedras basilares, o wokismo entra em conflito com as ideias que guiam a esquerda há mais de duzentos anos: um compromisso com o universalismo, uma distinção objetiva entre justiça e poder, e a crença na possibilidade de progresso. Sem estas ideias, afirma a filósofa Susan Neiman, numa crítica muito fundamentada, afirma que os wokistas, de uma forma irresponsável, 
contribuem para a sabotagem do seu próprio caminho com as armas do radicalismo de direita conservadora, que tentam combater. O wokismo arrisca tornar-se aquilo que despreza. Agora, há uma geração que foi educada com essa noção, que cresceu rodeada por uma cultura bem mais vasta, modelada pelas ideias implacáveis do neoliberalismo e da psicologia evolutiva, e quer mudar o mundo.

Susan Neiman, filósofa e escritora, nasceu nos Estados Unidos da América. Formou-se em Filosofia, em Harvard, onde se doutorou sob a orientação de John Rawls e Stanley Cavell. Vencedora do prémio PEN com a memória que escreveu sobre os seus anos de mulher judia a viver em Berlim, na década de oitenta, foi professora assistente em Yale e, depois, professora associada na Universidade de Telavive, onde deu aulas de Filosofia. Em 2000, foi nomeada diretora do Einstein Forum, em Potsdam, na Alemanha.

Neste livro, a autora, um dos nomes mais importantes da filosofia, demonstra que a sua tese tem origem na influência negativa de dois titãs do pensamento do século XXI, Michel Foucault e Carl Schmitt, cuja obra menosprezava as ideias de justiça e progresso e retratava a vida em sociedade como uma constante e eterna luta de nós contra eles.

O movimento woke, nasceu nos campus universitários americanos, em 2016, baseado num conflito entre emoções e ideias. As pessoas ativistas deste movimento querem que todas as pessoas sejam iguais, mas simultaneamente ao lado dos oprimidos, dos marginalizados. Querem fazer algo por todas as vítimas, e olhar de frente para os crimes da história e, se possível, fazer algo para os reparar.

É verdade que hoje abundam em todos os órgãos de comunicação social, seja ela escrita, seja televisionada, artigos baseados em estudos académicos com a falácia de científicos, no sentido de que "se é científico, então é credível". E o movimento woke cai sistematicamente nessa armadilha ardilosa. Ora, já foi bastante denunciado por outros cientistas à prova de bala, que muitos estudos são autênticas fraudes manipuladas com vários intuitos, um deles engajado em agendas ideológicas que o ativismo, tal como o ativismo woke, se tem apropriado para fazer valer os seus argumentos junto daqueles pessoas que lhes reagem com muito ceticismo.

A bem dizer, a entrada do novo milénio, do século XXI, é a marca da perda da esperança no socialismo, e do aviltamento dos fantasmas do neoliberalismo. E a chamada “esquerda tradicional” começou a entrar em desespero. O movimento woke não é mais do que um sintoma disto tudo. Não é por acaso que toda esta pseudociência da psicologia evolutiva ganhou asas, enquanto a ideologia neoliberal global tomava conta do mundo. As pessoas perderam a esperança de que os seres humanos possam ser motivados por qualquer outra coisa que não seja a volúpia e o desejo de poder.





O sentimento de desespero, que tomou conta da esquerda no início do terceiro milénio, explodiu em 2016 nos campus das universidades americanas, com a ascensão de Donald Trump a Presidente da América. A palavra woke não foi usada na campanha presidencial americana de 2016. Cresceu mais tarde. Em primeiro lugar, Trump chegou ao poder como racista, como alguém que dizia as coisas racistas e sexistas que os outros tinham medo de dizer. Ficou claro que as pessoas queriam lutar contra isso. 


Homero, é a referência para que devemos olhar quando invocamos a nossa condição de gente civilizada. É o valor fundamental do universalismo, ou se quisermos, do cosmopolitismo, um princípio muito antigo e que a nossa civilização greco-romana o leva até Homero. O cosmopolita tem um profundo respeito pelo visitante. O direito do visitante é sagrado. Ou seja, se um estranho aparecer à sua porta, é suposto cuidar dele. Não assumir uma posição de animosidade imediata para com alguém que não faz parte da nossa tribo.

E antes de Homero parece que ninguém tinha visto isso. E esta ideia parece estar agora a ser posta em causa precisamente por parte de uma certa direita, ela mesma herdeira do mesmo princípio ancestral imputado a Homero, com a retórica de que só podemos realmente ligar-nos a pessoas da nossa própria tribo e que não temos nenhuma verdadeira obrigação com ninguém.

Tema deveras importante é o da vitimização e da culpa, sobretudo nestes tempos de líderes queixinhas, demagogos que exibem traços de narcisismo, psicopatia e maquiavelismo, que tem um impacto tremendo em tudo o que mexe à sua volta. Desbragadamente manipuladores, que quando líderes de partidos se dispõem a usar qualquer meio para alcançar os seus objetivos. Vá-se lá saber quem acolhe essa demagogia tão estapafúrdia. Seja como for, estes demagogos acabam por contaminar e intoxicar a sociedade, e, de tabela, os outros governantes. Ora, os governantes têm de “pensar” (enxergar) que esses traços, mesmo que mínimos, são muito perniciosos.

A manipulação do ressentimento e da vitimização por parte de um certo ativismo radical de esquerda podem prejudicar seriamente o processo de reconciliação entre diferentes grupos, como os brancos colonizadores e os colonizados. Isso pode criar um ciclo de hostilidade e desconfiança que dificulta a construção de pontes e a busca por entendimento mútuo. É importante abordar essas questões com empatia, diálogo aberto e um compromisso genuíno com a justiça e a reconciliação.

Apesar de a agenda woke trazer à tona questões importantes de justiça social e equidade, no entanto também não deixa de ser polarizadora e divisionista. Esta contradição acaba por se autodestruir. Algumas abordagens podem ser contraproducentes, especialmente se forem percebidas como promovendo ressentimento ou vitimização em detrimento do diálogo construtivo e da reconciliação. O desafio é encontrar maneiras de abordar as injustiças de forma inclusiva e eficaz, promovendo a compreensão mútua e o progresso social.

O excesso de queixume woke é ingénuo, porque desvaloriza aspetos intrínsecos ligados à luta pela sobrevivência. O excesso de queixume pode desviar a atenção de questões fundamentais relacionadas à busca por justiça social que tem a ver com a instinto de sobrevivência. É importante reconhecer e abordar as injustiças de forma a promover a mudança real e significativa, em vez de se concentrar apenas na expressão de indignação ou ressentimento. Isso não significa minimizar as experiências de injustiça, mas sim encontrar maneiras construtivas de canalizar esses sentimentos em ações que promovam a igualdade, a equidade e o progresso para todos.

A vitimização pode de fato complicar a discussão sobre racismo, tornando-a mais polarizada e menos produtiva. Enquanto é importante reconhecer as experiências de discriminação e injustiça, a vitimização excessiva pode levar à perpetuação de estereótipos negativos e à diminuição da responsabilidade individual e coletiva na busca por soluções. Uma abordagem mais construtiva seria reconhecer as injustiças enquanto também se promove a capacitação e a ação para a mudança, enfatizando a importância do enfrentamento do racismo de forma proativa e inclusiva.


O enviesamento na perceção do racismo pode ocorrer quando as experiências individuais são generalizadas para toda uma comunidade ou quando há uma ênfase excessiva em narrativas de vitimização em detrimento de outras perspetivas. Isso pode levar a uma perceção distorcida da realidade, onde o racismo é visto apenas em termos de vitimização, ignorando outras formas mais subtis ou estruturais de discriminação. É importante adotar uma abordagem equilibrada, reconhecendo tanto as injustiças quanto os progressos feitos na luta contra o racismo. Isso envolve ouvir uma variedade de vozes e experiências, promover a empatia e a compreensão mútua, e buscar soluções que abordem as raízes profundas do problema de forma abrangente.

Há várias razões que podem explicar o recrudescimento do racismo na Europa Ocidental. Períodos de dificuldades económicas podem aumentar o ressentimento e a xenofobia, levando a um aumento do racismo contra grupos minoritários em que estão os imigrantes. O aumento da imigração e a crescente diversidade étnica podem levar a tensões e conflitos em algumas comunidades, resultando em manifestações de racismo e xenofobia. E este facto está sempre acompanhado da ascensão de partidos políticos de extrema-direita que exploram e promovem agendas nacionalistas e anti-imigração. De resto, este fenómeno não é novo. É claro que também contribui a inoperância dos governos na eficiência de integração quando o afluxo é superior às suas capacidades, que não tem apenas a ver com os serviços diretos de acolhimento e vistos, mas também as áreas da habitação, educação e emprego. Sobretudo estes. Mas hoje o Ódio Online das redes sociais amplifica o fenómeno da xenofobia.

O facto de a razão da Memória Histórica do Colonialismo ser apenas uma parte do problema é o fenómeno atual da xenofobia na Europa ser ainda mais grave em países que não estiveram envolvidos diretamente na colonização nem na escravatura. Mas é um facto que as questões não resolvidas do passado colonial e a memória histórica podem influenciar as atitudes contemporâneas em relação a grupos étnicos específicos, alimentando preconceitos arraigados. É importante abordar esses problemas de forma proativa, promovendo a educação, o diálogo intercultural e políticas inclusivas que reconheçam e valorizem a diversidade étnica e cultural.

O tema das reparações é altamente debatido e complexo. Envolve questões históricas de injustiça, desigualdade e exploração, muitas vezes relacionadas à escravidão, colonialismo e discriminação sistemática. Alguns argumentam que as reparações são essenciais para corrigir os danos do passado e promover a justiça social, enquanto outros questionam a viabilidade prática e os critérios de implementação. A discussão sobre reparações geralmente gera emoções intensas e exige um diálogo cuidadoso e inclusivo para encontrar soluções que possam ser justas e eficazes para todos os envolvidos. A reconciliação pode ser desafiadora quando há ressentimento e uma demonização generalizada do outro como racista. A demonização pode dificultar o diálogo e a construção de pontes entre os grupos, perpetuando ciclos de hostilidade e polarização. No entanto, a reconciliação não é impossível.

É essencial promover o entendimento mútuo e a empatia, reconhecendo as perspetivas e experiências de ambos os lados. Isso pode envolver o reconhecimento das injustiças passadas e presentes, assim como um compromisso genuíno com a justiça e a igualdade. O diálogo aberto e honesto, juntamente com ações concretas para abordar as causas subjacentes do racismo e da discriminação, são fundamentais para avançar em direção à reconciliação.

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