Gilles Deleuze [1925-1995] é um dos mais influentes filósofos franceses contemporâneos. Deleuze nasceu e morreu em Paris, onde, a partir de 1969, ensinou, definitivamente, na Universidade de Paris VIII (Vincennes, depois Saint-Denis). É uma figura totalmente parisiense. Deleuze rejeita a ideia heideggeriana de fim da metafísica.
As suas obras sobre cinema são hoje incontornáveis nos estudos artísticos. Diferença e Repetição (1968) é talvez o exemplo central da sua obra em nome próprio na qual mais claramente é explicitada uma ontologia. Lógica do Sentido (1969) dá-lhe continuidade. O livro que o torna célebre, O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1 (1972), um livro símbolo do pós1968, escrito em parceria com o psicoterapeuta e militante Félix Guattari, é algo muito diferente. A colaboração com Guattari continuará com Mil Planaltos, de 1980 (o segundo volume de Capitalismo e Esquizofrenia, que se seguiu a O Anti-Édipo), e O Que É a Filosofia? (1991).
Gilles Deleuze considerou-se um empirista transcendental, ou um ético naturalista, na linha de Espinosa e Nietzsche. Que o seu primeiro livro, o livro sobre David Hume, de 1953, tenha tido por objecto um empirista anglo-saxónico tem certamente um sabor de provocação num meio filosófico então dominado pela atenção a Hegel, Husserl e Heidegger. Para Deleuze, a filosofia genuinamente crítica só pode ter um rosto: não pode senão filiar-se numa tradição que vem do materialismo da antiguidade e que chega a autores como Espinosa e Nietzsche. Isto significa, antes de mais, que aquilo que é abstrato (por exemplo, «o sujeito») move-se a partir da imanência — «imanência» é, de resto, talvez o termo fundamental para compreender Deleuze.
É a partir da perspectiva da imanência que Deleuze pretende ser um filósofo pluralista e anti-racionalista, um filósofo do múltiplo e do devir. É a partir da perspectiva da imanência que Deleuze pretenderá criticar a lógica da identidade, i.e., de uma racionalidade que tudo abarca e absorve, e que é exemplificada na história da filosofia por Hegel. Diferença e Repetição, originariamente uma tese de doutoramento, é um trabalho de análise kantiana ou transcendental (entendida como análise imanente) da experiência real. A «Diferença» é o princípio da diversidade empírica. Neste contexto, Deleuze procura dar conta da natureza do pensamento, oferecendo para isso uma visão das faculdades e do eu, e uma forma de pensar sobre o que é para alguma coisa ser aquilo que é. Em Lógica do Sentido, Deleuze ocupa-se de forma crítica da maneira como a tradição analítica (a tradição Frege-Russell) lidou com o sentido e a referência, mas não (supostamente) com a génese destes (é esta a crítica maior).
O Anti-Édipo é um livro que pretende ter efeitos sobre o leitor, um livro cheio de piadas e de duplos sentidos, que pega na vida na sua máxima concretude e vulgaridade (logo no início, lê-se: «Ça chie, ça baise») e que usa materiais tais como o discurso delirante de Antonin Artaud enquanto fonte do conceito central de «corpo sem órgãos». O seu objecto somo-lo todos nós, enquanto máquinas desejantes. A proposta é que o inconsciente não é um teatro ou uma figuração, mas sim uma fábrica. O objetivo é cruzar Freud e Marx para chegar a uma ontologia, mas também fazer uma crítica da psiquiatria normalizada e domesticada, tornada «história de família». A esquizoanálise levada a cabo é a análise das máquinas desejantes e dos seus investimentos sociais. A esquizofrenia (de Capitalismo e Esquizofrenia, o título geral dos dois volumes) é o resultado do bloqueio desta produção desejante. Não há sujeito por trás da produção desejante; ela constitui-se a si própria, é puramente criativa (esta forma de ver as coisas é a marca nietzschiana/espinosista permanente em Deleuze).
Mil Planaltos é verdadeiramente uma multiplicidade de estratos, um livro ele próprio escrito como rizoma, com conexões entre um ponto e quaisquer outros pontos. Não há um «argumento» como em O Anti-Édipo. Registe-se apenas que é a origem da noção muito deleuziana de rizoma e que esta noção se ergue contra qualquer abordagem sistemática dos fenómenos da informação e da comunicação. Continua-se a crítica da psicanálise «normalizada» e do marxismo estruturalista, e a análise dos investimentos desejantes e das significações.
O texto de Deleuze nos livros sobre cinema não é história do cinema nem é crítica de cinema, embora esteja povoado de história do cinema e de diálogo com a crítica. Do ponto de vista filosófico, o texto é precisamente uma reflexão sobre tempo, espaço, movimento e imagem. O conceito de imagem vem ele próprio de Bergson — é o conceito com o qual ele substitui a divisão clássica sujeito-objecto. O mundo é inteiramente constituído por imagens: entidades vivas, como nós, são imagens, e confrontam-se com as imagens que são entidades não vivas, entre elas as imagens cinematográficas. Segundo a forma como a memória era vista por Bergson, para que ela se forme o tempo atual tem de ser redobrado por um tempo virtual, um passado coexistente com o presente.
O Anti-Édipo é um livro que pretende ter efeitos sobre o leitor, um livro cheio de piadas e de duplos sentidos, que pega na vida na sua máxima concretude e vulgaridade (logo no início, lê-se: «Ça chie, ça baise») e que usa materiais tais como o discurso delirante de Antonin Artaud enquanto fonte do conceito central de «corpo sem órgãos». O seu objecto somo-lo todos nós, enquanto máquinas desejantes. A proposta é que o inconsciente não é um teatro ou uma figuração, mas sim uma fábrica. O objetivo é cruzar Freud e Marx para chegar a uma ontologia, mas também fazer uma crítica da psiquiatria normalizada e domesticada, tornada «história de família». A esquizoanálise levada a cabo é a análise das máquinas desejantes e dos seus investimentos sociais. A esquizofrenia (de Capitalismo e Esquizofrenia, o título geral dos dois volumes) é o resultado do bloqueio desta produção desejante. Não há sujeito por trás da produção desejante; ela constitui-se a si própria, é puramente criativa (esta forma de ver as coisas é a marca nietzschiana/espinosista permanente em Deleuze).
Mil Planaltos é verdadeiramente uma multiplicidade de estratos, um livro ele próprio escrito como rizoma, com conexões entre um ponto e quaisquer outros pontos. Não há um «argumento» como em O Anti-Édipo. Registe-se apenas que é a origem da noção muito deleuziana de rizoma e que esta noção se ergue contra qualquer abordagem sistemática dos fenómenos da informação e da comunicação. Continua-se a crítica da psicanálise «normalizada» e do marxismo estruturalista, e a análise dos investimentos desejantes e das significações.
O texto de Deleuze nos livros sobre cinema não é história do cinema nem é crítica de cinema, embora esteja povoado de história do cinema e de diálogo com a crítica. Do ponto de vista filosófico, o texto é precisamente uma reflexão sobre tempo, espaço, movimento e imagem. O conceito de imagem vem ele próprio de Bergson — é o conceito com o qual ele substitui a divisão clássica sujeito-objecto. O mundo é inteiramente constituído por imagens: entidades vivas, como nós, são imagens, e confrontam-se com as imagens que são entidades não vivas, entre elas as imagens cinematográficas. Segundo a forma como a memória era vista por Bergson, para que ela se forme o tempo atual tem de ser redobrado por um tempo virtual, um passado coexistente com o presente.
Os signos que Deleuze vai teorizar, sob a inspiração do filósofo pragmatista americano Charles Sanders Peirce, também conduzirão a uma taxonomia das imagens (as imagens fílmicas são signos, mas não signos linguísticos). Uma ideia global fundamental que agrega as análises de imagens e de signos é que o cinema não cria um mundo/imagem diante dos olhos do espectador — as imagens do cinema são imagens imanentes, imagens que não esperam nenhum olhar humano; são um aparecer que não se dirige a ninguém, não são consciência nem percepção subjetiva. Estamos longe da fenomenologia, com a sua referência constitutiva à percepção natural e à situação do corpo próprio no mundo.
A artificialidade do procedimento do cinema é, segundo Deleuze, partilhada com a linguagem e também com a filosofia ela própria, e de resto a decomposição do devir em instantes é o que os seres vivos fazem também. É este o núcleo filosófico da reflexão deleuziana sobre cinema, uma das partes mais influentes da sua obra. Publica em 1995 - Immanence: une vie, a última. De saúde deteriorada, suicida-se nesse mesmo ano.
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