quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A experiência de morte iminente


A experiência de morte iminente é um campo que já foi bastante estudado com a designação de "Experiência Quase Morte" [EQM]. Mas continua envolto em debates científicos, filosóficos e culturais. O cerne da questão está na variabilidade da experiência que depende de fatores individuais, culturais e biológicos. O que aparece com frequência são "relatos". Mas nem todas as pessoas que passaram pelas mesmas circunstâncias o referem: "sensação de paz, ausência de dor, dissociação do corpo (a chamada experiência fora do corpo); passagem por um túnel ou movimento em direção a uma luz; encontros com pessoas falecidas ou entidades religiosas; revisão panorâmica de toda a vida já vivida; sensação de ponto de não retorno. 

Apenas algumas pessoas que passaram pela experiência de morte iminente relatam isso. A maior parte não tem memória de experiência alguma, ou só lembram fragmentos confusos. Aspectos hoje revelados pela neurociência apontam para o papel dos fatores individuais que têm a ver não apenas com os traços psicológicos da pessoa, mas também com a influência da sua cultura ligada à religião. As pessoas em diferentes contextos tendem a interpretar a experiência de morte iminente segundo o seu reportório simbólico. Crenças, expectativas e até traços de personalidade influenciam o conteúdo. E experiências anteriores -- passadas nos sonhos durante o sono; ou com aqueles estados alterados de consciência; ou com o consumo de psicotrópicos como o LSD -- podem moldar o que se recorda.

Não há consenso absoluto, mas algumas hipóteses da neurociência são fortes. Atividade anómala do cérebro em hipóxia pode gerar as tais visões do túnel de luz e a sensação de flutuar. Assim como as descargas elétricas da epilepsia no lobo temporal e parietal, que são as áreas cerebrais ligadas à percepção do “eu” e do espaço. E é pela libertação de neurotransmissores e endorfinas que se explica a ausência de dor e de medo, apesar de se estar numa situação limite entre a vida e a morte. Nos casos de paragem cardíaca transitória, há no registo do eletroencefalograma um pico breve de atividade gama. Esta atividade está na base dos estados alterados de consciência.

Quando estas pessoas, que passaram por tal experiência, tentam fazer a recordação do sucedido através de um relato que seja coerente, sabe-se que estes exercícios de memória não são mais do que uma reconstrução em que as lacunas têm de ser preenchidas com passagens extraídas de outros relatos guardados na memória. Portanto, o mistério está no facto de nem todas as pessoas passarem por isso. Alguns relatam experiências “transcendentes” muito consistentes, que os transformam psicologicamente de maneira duradoura a partir desse acontecimento. Há casos de pessoas cegas de nascença que descrevem imagens visuais, algo que ainda é pouco compreendido. Em suma: os relatos dessa experiência, que são de um modo geral muito padronizados, corresponde apenas a uma pequena fatia das pessoas que sobreviveram a uma experiência de morte iminente, geralmente depois de terem sofrido uma paragem cardiorrespiratória, e terem sido reanimados. Contudo, as
 famosas imagens - túnel, luz, revisitação da vida - são padrões frequentes, mas não obrigatórios. Parece haver uma dependência de certo tipo de predisposição cerebral na forma como processa a memória, bem como do estado físico no momento da crise e também do tipo de influência cultural. 

Há uma convergência interessante com as experiências induzidas por substâncias psicodélicas como o LSD, DMT e Ketamina. Estudos recentes mostram que doses de DMT (dimetiltriptamina) produzem experiências muito semelhantes: sensação de separação do corpo e encontros com divindades. Isso sugere que o cérebro tem vias neuroquímicas próprias que, sob certas condições (trauma, hipóxia, drogas), produzem narrativas transcendentes. A Ketamina é usada em anestesia e também em contexto recreativo. Pode gerar a tal sensação de se estar a flutuar fora do corpo e a vê-lo lá fora. Isso está relacionado com o envolvimento de receptores do glutamato  NMDA. Quando se estimulam as áreas temporal e parietal, alguns pacientes relatam sensação de presença mística, de sair do corpo ou rever de forma intensa certo tipo de memórias marcantes da vida da pessoa. São exemplos a sensação de fusão com o universo ou as tais revelações religiosas das tradições ditas do Livro.

Mesmo que seja “apenas o cérebro em colapso”, 
padrões neuroquímicos e elétricos conhecidos, o efeito subjetivo é tão profundo que se torna real na biografia da pessoa. Mesmo que explicável pelo cérebro, ela marca a pessoa como se fosse uma revelação. Culturalmente é moldada pelas crenças de fundo, mas transcende-as ao tocar num medo universal que é a morte. A morte é o fim absoluto, mas o espiritualismo, ao sugerir que a "consciência" não morre, é uma necessidade para dar sentido e esperança. E há um facto inegável: quem passa por isso geralmente nunca mais encara a vida e a morte da mesma forma. Em sociedades ocidentais, a luz e o túnel são frequentes; em sociedades hindus, relatos incluem “funcionários do além” ou divindades locais. Isso sugere que o cérebro preenche o vazio com símbolos culturais.

Mas nem todos relatam as chamadas "experiências de quase morte"Muitas pessoas que passaram por paragem cardíaca não tiveram nenhuma experiência. Se fosse algo “da alma a sair”, seria universal. Agora, isso não significa que as pessoas que relatam essa experiência estejam a inventar ou a mentir. O que acontece ´r que as pessoas procuram traduzir o fenómeno para a linguagem de uma certa maneira.  Apesar das diferenças culturais, os padrões centrais (paz, luz, separação do corpo, revisão da vida) aparecem repetidamente, sugerindo que há algo mais do que pura invenção individual. A questão está no facto de até a ciência ter as suas limitações para explicar todos os fenómenos não só do nosso cérebro como de toda a natureza do Universo físico. Por exemplo, a ciência explica grande parte dos fenómenos como produtos do cérebro, embora alguns casos limite (cegos, consciência sem EEG, perceções verificáveis) permanecem misteriosos. A maior parte desses fenómenos pode ser entendida como fenómeno cerebral, apesar de haver ainda uma minoria de relatos que desafia a neurociência atual, mantendo aberta a questão filosófica e espiritual.


O caso de Pam Reynolds (1991) – o “clássico da neurociência”: ela passou por uma cirurgia de remoção de aneurisma cerebral que envolveu hipotermia profunda, paragem cardíaca e EEG praticamente plano. Ou seja, seu cérebro não deveria estar ativo. O que aconteceu foi que durante o procedimento, ela relatou sair do corpo, descreveu com precisão detalhes da sala cirúrgica, os instrumentos usados e conversas entre médicos. Também descreveu formas geométricas e movimentos que só puderam ser observados de cima, o que parecia impossível de alcançar apenas com visão normal. Após a cirurgia, contou ainda ter visto “luz brilhante e figuras familiares”, típico deste fenómeno. Este caso é citado porque combina consciência verificável com ausência de atividade cerebral detectável, algo que desafia a explicação puramente neurobiológica.


O caso de Anita Moorjani (2006) – ela estava em estado crítico de um linfoma terminal, à beira da morte. Ela entrou em coma e, segundo os médicos, o seu corpo estava falhando completamente. O que aconteceu foi que ela relatou sentir-se totalmente livre da dor e medo, experienciar compreensão profunda da sua vida e das conexões com os outros, e perceber porque estava doente. Apesar do acompanhamento médico não milagroso, o linfoma regrediu rapidamente após a experiência, algo que os médicos não sabem explicar. Este caso é usado como exemplo de transformação física e psicológica duradoura após uma experiência de quase morte, mostrando que a experiência teve efeito real sobre o seu corpo e a sua percepção de vida.

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