O que vemos -- na televisão, nas redes ou nos grandes portais -- não é exatamente o que se passa na realidade sentida por qualquer pessoa na lide da sua vida diária. O que vemos são "narrativas" de um mundo imaginado. Os temas são escolhidos por critérios de impacto emocional, polarização ou conveniência política. Problemas reais e profundos muitas vezes desaparecem do radar mediático porque são complexos, não rendem cliques ou incomodam certos interesses. E o que sobra é um mundo artificial, onde as perguntas certas quase nunca são feitas.
Os jornalistas do papel eram melhores do que os jornalistas digitais. Mal preparados no domínio da língua e dos conhecimentos em ciências naturais, história da ciência e da filosofia. Hoje está tudo enviesado no comentário político. Essa combinação gera um jornalismo frágil, em que as perguntas resvalam para a irrelevância imbecil. A função crítica do jornalismo perdeu-se. Veja-se, por exemplo, o que se diz acerca da saúde em Portugal. Raramente se diz que a degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal resulta um processo longo, estrutural, multifatorial. Começou há mais de duas décadas, e atravessou vários governos de má gestão. E, no entanto, a narrativa mediática tende a personalizar o problema. É o que se faz com a ministra da saúde, como se ela fosse a origem de todos os males, quando na verdade é mais um elo num sistema já esgotado. Isto é a velha lógica do "bode expiatório"-- uma forma simplista e emocional de lidar com o mal-estar coletivo, que desvia as atenções do essencial.
No fundo, o sistema mediático e político hoje reduz questões sistémicas a casos individuais, como se trocar uma pessoa resolvesse um problema estrutural; alimenta a impaciência e a indignação instantânea, o que impede reformas consistentes e de longo prazo; e mina a confiança nas instituições, o que acaba por favorecer discursos radicais e populistas. O que muitos dos que gritam por demissões ainda não perceberam, ou não querem perceber, é que governar não é fazer milagres, é fazer escolhas difíceis num campo minado. E que o SNS só se salva se houver uma visão política e social ampla, sem gritaria.
Nos dias de hoje, as crianças que estão a nascer mais em Portugal deve-se aos imigrantes. E isso tem-se refletido em partos mais precários por falta de acompanhamento. Mas como isso é um ponto sensível (imigrantes) ninguém quer assumir as verdadeiras causas e a comunicação alarma-se e culpa a ministra. Ora, isso já aconteceu noutros países da Europa, que começaram mais cedo a viver estes problemas que só agora chegaram a Portugal. É verdade que, nos últimos anos, a natalidade em Portugal tem sido sustentada sobretudo por mães imigrantes. Enquanto as mulheres portuguesas têm uma taxa de fertilidade muito baixa (das mais baixas da Europa), as imigrantes, sobretudo vindas do Brasil, Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau, Índia, Bangladesh, Nepal e Paquistão -- têm contribuído decisivamente para travar o colapso demográfico.
Segundo o INE (dados de 2023), mais de 20% dos nascimentos em Portugal já são de mães estrangeiras, e essa proporção continua a crescer, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Os serviços de obstetrícia e neonatologia -- já fragilizados por décadas de desinvestimento e falta de planeamento de recursos humanos -- estão a ser pressionados por esta nova realidade. A grande maioria das mães imigrantes vive em condições socioeconómicas cuja vulnerabilidade se deve à dificuldade de acesso ao sistema de saúde, seja por barreiras linguísticas, seja por iliteracia burocrática. Daí não ser surpreendente que tenham um menor acompanhamento pré-natal. Já para não falar da insegurança no estatuto de residência, e no emprego precário com horários longos ou instáveis. Isto leva a partos com mais risco, com menos acompanhamento médico, e com desfechos perinatais mais preocupantes. Algo que os profissionais de saúde têm vindo a denunciar, ainda que de forma velada.
Por conseguinte: um tema muto sensível rodeado de tabu político e mediático. Qualquer menção direta a "filhos de imigrantes" associada a "problemas nos partos" é evitada para não ser explorada pelos discursos xenófobos. Assim, os governos evitam tratar o tema com frontalidade. E a comunicação social fala do assunto, mas omite dados sobre a origem dos partos em causa. Isto já aconteceu noutros países europeus, nomeadamente em França, Alemanha, Bélgica e Suécia, que começaram décadas antes a receber imigração em massa vinda de antigas colónias ou de países em desenvolvimento. Nestes países, observou-se um aumento dos partos de mulheres imigrantes. Dificuldades iniciais no acesso e adaptação ao sistema de saúde arrastaram-se por anos à espera de reformas específicas para responder a essas novas realidades.
Portugal está, de certa forma, a viver agora o que outros viveram nos anos 1990 e 2000. A diferença é que, aqui, ainda não há uma política clara de saúde pública para responder a essa mudança demográfica. Para evitar que esta realidade alimente discursos populistas, seria necessário: nomear o problema com coragem e sem preconceito; explicar com dados e empatia o que está a acontecer; investir nos serviços de saúde materna e neonatal, com foco nas populações vulneráveis; e evitar tratar a imigração como tabu, ao mesmo tempo que se exige uma gestão realista e humana.
Em 2023, nasceram em Portugal 85 699 bebés, dos quais 18 734 tinham mães estrangeiras. Ou seja 21,9%, pouco mais de um quinto do total. Em 2024, nasceram cerca de 84 650 bebés, e a proporção de filhos de mães estrangeiras subiu para um terço (≈33%) do total. Algumas regiões são ainda mais afetadas, como a Grande Lisboa (≈48%), a Península de Setúbal (≈47%) e o Algarve (≈47%). Em 2024, a proporção nacional de partos de mães estrangeiras foi de 26,3%, variando muito por município: em alguns a percentagem atinge os 60–70% (por ex. Aljezur, Albufeira, Amadora). Partos instrumentais (cesarianas, fórceps) têm aumentado nas últimas décadas (de 27% em 1999 para 37% em 2023 nos hospitais), o que pode refletir sobrecarga, mudança de práticas e desafios no acompanhamento pré-natal. Relatos de gravidezes mal vigiadas, barreiras de acesso e menores recursos podem estar a contribuir para um aumento da mortalidade infantil (que subiu de 2,5‰ em 2023 para 3,0‰ em 2024).
Em Portugal a população residente aumentou para cerca de 10,64 milhões em 2023, com grande contribuição do saldo migratório positivo, o que explica parte do aumento dos nascimentos. A fertilidade tem subido ligeiramente (índice sintético de 1,44 filhos por mulher em 2023), mas sem a imigração a situação seria pior. O aumento dos partos de mães estrangeiras decorre tanto do crescimento dessa população como de uma tendência geral do declínio da natalidade entre mães portuguesas.
Por conseguinte: um tema muto sensível rodeado de tabu político e mediático. Qualquer menção direta a "filhos de imigrantes" associada a "problemas nos partos" é evitada para não ser explorada pelos discursos xenófobos. Assim, os governos evitam tratar o tema com frontalidade. E a comunicação social fala do assunto, mas omite dados sobre a origem dos partos em causa. Isto já aconteceu noutros países europeus, nomeadamente em França, Alemanha, Bélgica e Suécia, que começaram décadas antes a receber imigração em massa vinda de antigas colónias ou de países em desenvolvimento. Nestes países, observou-se um aumento dos partos de mulheres imigrantes. Dificuldades iniciais no acesso e adaptação ao sistema de saúde arrastaram-se por anos à espera de reformas específicas para responder a essas novas realidades.
Portugal está, de certa forma, a viver agora o que outros viveram nos anos 1990 e 2000. A diferença é que, aqui, ainda não há uma política clara de saúde pública para responder a essa mudança demográfica. Para evitar que esta realidade alimente discursos populistas, seria necessário: nomear o problema com coragem e sem preconceito; explicar com dados e empatia o que está a acontecer; investir nos serviços de saúde materna e neonatal, com foco nas populações vulneráveis; e evitar tratar a imigração como tabu, ao mesmo tempo que se exige uma gestão realista e humana.
Em 2023, nasceram em Portugal 85 699 bebés, dos quais 18 734 tinham mães estrangeiras. Ou seja 21,9%, pouco mais de um quinto do total. Em 2024, nasceram cerca de 84 650 bebés, e a proporção de filhos de mães estrangeiras subiu para um terço (≈33%) do total. Algumas regiões são ainda mais afetadas, como a Grande Lisboa (≈48%), a Península de Setúbal (≈47%) e o Algarve (≈47%). Em 2024, a proporção nacional de partos de mães estrangeiras foi de 26,3%, variando muito por município: em alguns a percentagem atinge os 60–70% (por ex. Aljezur, Albufeira, Amadora). Partos instrumentais (cesarianas, fórceps) têm aumentado nas últimas décadas (de 27% em 1999 para 37% em 2023 nos hospitais), o que pode refletir sobrecarga, mudança de práticas e desafios no acompanhamento pré-natal. Relatos de gravidezes mal vigiadas, barreiras de acesso e menores recursos podem estar a contribuir para um aumento da mortalidade infantil (que subiu de 2,5‰ em 2023 para 3,0‰ em 2024).
Em Portugal a população residente aumentou para cerca de 10,64 milhões em 2023, com grande contribuição do saldo migratório positivo, o que explica parte do aumento dos nascimentos. A fertilidade tem subido ligeiramente (índice sintético de 1,44 filhos por mulher em 2023), mas sem a imigração a situação seria pior. O aumento dos partos de mães estrangeiras decorre tanto do crescimento dessa população como de uma tendência geral do declínio da natalidade entre mães portuguesas.
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