segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A húbris trumpista no tempo das novas redes sociais



No Egito, Moisés, começou por liderar uma rede social que comunicava de porta em porta. Isto é só para dizer que as redes sociais remontam ao tempo da passagem das trevas para a luz. A questão que me traz é que poucos foram aqueles que souberam reverter as redes da luz para as trevas como fizeram os nazis na década de 1930. Os nazis não só criaram a sua própria rede propagandística (rádio, imprensa, organizações juvenis, rituais públicos), como neutralizaram redes rivais (sindicatos, partidos, imprensa livre, movimentos religiosos independentes) de forma sistemática e total. Esse “golpe” não foi apenas repressivo, mas substitutivo. E agora? O que se está a passar na América com Donald Trump a Presidente?

No presente, Trump segue a lógica de concentração da narrativa e deslegitimação das redes concorrentes. Controla a imprensa, restringe influenciadores não alinhados, e modela todo o ecossistema mediático para reforçar a narrativa oficial. É claro que Putin já faz o mesmo há mais tempo. Manipula redes mediáticas, reprime ONGs e assassina opositores, mantém um “cinturão” de desinformação interna e externa.  No entanto, Trump quer fazer passar a ideia de que não controla as redes como num regime autoritário. Tenta criar um ecossistema mediático paralelo (Fox News, Truth Social, podcasts, influenciadores) e minar a confiança no sistema informativo tradicional. Apesar de tudo não tem o monopólio absoluto sobre os canais como teve Hitler. Trump opera em contextos onde a multiplicidade de canais ainda persiste e teima sobreviver.

Trump opera num país que não perdeu hegemonia, mas sim parte do consenso interno. Hitler criou um sistema totalitário: um partido único que controlava sindicatos, associações de juventude, imprensa, cultura, educação, religião (na medida possível). Rede centralizada e exclusiva. Por outro lado, o Partido Comunista Chinês funciona como rede única, todos os canais (digitais, impressos, televisivos e educacionais) são vigiados e controlados. O espaço para redes independentes é quase nulo. E Putin mistura controlo estatal e tolerância seletiva a redes “neutras” ou alinhadas. A oposição independente é marginalizada, ou eliminada. Ainda assim espera-se que Trump esteja mais distante de Hitler, porque depende de liberdade de imprensa para existir, embora a ataque constantemente. Propaganda e mito são as fundações dos ditadores. Narrativa de pureza racial e destino histórico; uso de espetáculo visual e ritual político como cimento da rede.  “Make America Great Again” [MAGA] é o "slogan-mito": Apelo emocional a um passado idealizado.

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No tempo de Hitler, um dos alvos de ataque foi a rede bancária dos judeus, uma rede poderosa que já vinha do tempo dos Templários. Os seus condicionalismos de comerciantes ambulantes, para além da seleção de um certo tipo de inteligência, deram-lhes uma sabedoria como ninguém. E isso foi-lhes fatal na mente paranoica de Hitler e seus quejandos nazis. Mas a rede bancária europeia tem raízes medievais antes dos Templários, mas os Templários foram, de facto, um marco. Criaram um sistema de letras de câmbio que permitia a um peregrino depositar dinheiro num Castelo Templário em Paris e levantá-lo em Jerusalém. Essa prática, ao reduzir o risco de assaltos, criou uma confiança transnacional, algo muito raro no período medieval.

Quando a Ordem dos Templários foi destruída no século XIV, parte desse know-how financeiro espalhou-se para outras redes. Foi o caso das Casas Bancárias de famílias italianas como os Médici, os Bardi e os Peruzzi. Mas as famílias judaicas não desapareceram. Atuavam secretamente como banqueiros, por razões óbvias. Com mobilidade forçada, devido às perseguições, famílias judaicas atuavam em rotas comerciais longas. Daí a importância do fomento da literacia no seu seio, com ênfase na alfabetização e nos números para a contabilidade e os contratos. O problema é que, no imaginário antissemita europeu, isso foi distorcido numa narrativa de “rede secreta de controlo financeiro”. Hitler absorveu essa fantasia alimentada por falsos documentos. Os Protocolos dos Sábios de Sião deram muito que falar. Foi forjada uma retórica onde o “judeu internacional” era o inimigo invisível que supostamente manipulava governos, mercados e imprensa.

Antes dos Templários (séculos IX–XI) a função de emprestar dinheiro e financiar comércio já existia em feiras medievais com as rotas árabes que circulavam pela Lombardia. Alguns mercadores judeus atuavam como intermediários financeiros por estarem em contacto com várias regiões e línguas. Por isso, a ideia de que “os judeus inventaram os bancos” é um mito que ignora o papel dos árabes e das Casas da Lombardia. Os Templários criaram um sistema bancário transnacional seguro para peregrinos e cruzados com depósitos, créditos e transporte de ouro e prata. Tinham sedes e fortalezas em toda a Europa e no Médio Oriente. Praticavam algo muito próximo da letra de câmbio, antecipando a lógica bancária moderna. Riqueza e influência geram lendas de “tesouros secretos” e “sociedades ocultas”. Foi o que aconteceu depois da dissolução da Ordem dos Templários  que supostamente sobreviveram à dissolução por decreto de Filipe, o Belo, ou Filipe IV de França [1268-1314].

Com o fim da Ordem dos Templários, em 1312, parte das práticas e conexões foi absorvida pelas casas bancárias dos Médici, Bardi, Peruzzi, Fugger. Judeus continuaram ativos como banqueiros em contextos onde cristãos não podiam legalmente cobrar juros, mas o seu papel era muito desigual de país para país. Em muitos casos, serviam apenas como prestamistas locais, não como grandes banqueiros internacionais. Daí que se tenha fixado a ideia do “judeu agiota” como arquétipo negativo, reforçada em literatura e legislação discriminatória.

Em finais do século XVIII a Europa assiste à ascensão dos Rothschild. Família judaica alemã que criou um sistema bancário multinacional com sucursais em cinco capitais europeias (Frankfurt, Londres, Paris, Viena, Nápoles). Financiou governos e grandes projetos, ganhando prestígio e influência. Estratégia empresarial. Casamentos endogámicos para proteger o sigilo foi sistemático. Tornaram-se símbolo do “banqueiro judeu global”, alvo de panfletos antissemitas, mesmo que outras famílias cristãs fossem igualmente poderosas (Baring, Lazard, Morgan).

Os “Protocolos dos Sábios de Sião”, que apareceram em 1903, eram um falso documento criado pela polícia secreta russa, descrevendo um suposto plano judaico para dominar o mundo. Hitler incorporou essa mentira no Mein Kampf e na propaganda nazi. Aproveitou as crises económicas para culpar “o judeu internacional” pela miséria alemã. O regime apresentava todos os banqueiros judeus (e, por extensão, todos os judeus) como parte de uma rede única e malévola, ignorando que muitos judeus eram pobres e que havia banqueiros cristãos igualmente influentes.

Hoje estamos outra vez neste ambiente de teorias da conspiração a coberto do velho chavão da “Nova Ordem Mundial” cm a ideia de que ela é um monopólio judeu secreto. Não passa de uma ficção construída sobre pedaços de verdade, inflacionados e distorcidos. Portanto, é uma narrativa herdada de séculos de preconceito e paranoia. E tudo isto se cruza com o que continuamos a ver nos posicionamentos de trincheira em relação ao que se passa na Palestina. De um lado os remorsos do Holocausto. Do outro lado o antissemitismo exacerbado na forma de anti-sionismo. Ao antissemitismo clássico [Europa, séculos XIX-XX: demonização do judeu como manipulador económico e inimigo interno] junta-se o anti-sionismo contemporâneo que se traduz em hostilidade política ao Estado de Israel. 

Israel conseguiu, em menos de 80 anos, transformar um território pequeno, árido e hostil num polo agrícola, tecnológico e militar de alta performance. Do ponto de vista de quem vive em pobreza crónica (como grande parte da população palestiniana sob bloqueio ou em campos de refugiados), esse contraste é brutal alimentando narrativas simplistas: “Se eles têm tanto e nós tão pouco, só pode ser porque nos roubaram.” Esse tipo de raciocínio é ancestral, porque é mais fácil atribuir o sucesso alheio ao roubo ou a conspirações. Israel beneficiou de redes pré-existentes da diáspora judaica (capital, know-how, contactos internacionais). Isso permitiu acesso rápido a tecnologia, mercados e diplomacia que outros países da região não tinham. Para o palestiniano médio, esta rede é invisível como realidade histórica e visível apenas como mito. E a inveja social como combustível político acaba por se impor. A inveja social (“porque eles têm e nós não”) torna-se mais inflamável quando se conjuga com a questão da identidade dos povos ligada ao binarismo de opressores e oprimidos. Líderes políticos e grupos militantes exploram esse ressentimento para reforçar coesão interna. A desigualdade de resultados entre Israel e Palestina é estrutural e não vai desaparecer a curto prazo. Enquanto isso, qualquer sucesso israelita será lido, por muitos palestinos (e não só), como prova de injustiça. Esse ciclo é alimentado tanto pela realidade das condições de vida como pelo mito conspirativo herdado de outras épocas.

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