sexta-feira, 19 de setembro de 2025
A luta social em que a sua ideologia não se cumpre totalmente na herança
As lutas sociais deixaram marcas profundas. Hoje ninguém questiona direitos como férias pagas, limites de horário de trabalho, sindicatos, ensino público, saúde universal em muitos países. Esses avanços nasceram em grande parte da pressão de movimentos operários. Mas o comunismo, enquanto projeto total, falhou em quase todos os países. A imposição de uma visão rígida da sociedade, sem respeitar a diversidade das aspirações humanas, não podia ser suportada por muito tempo. Mas mesmo nas sociedades capitalistas, e de liberalismo democrático, apesar de o marxismo não ter vingado, ainda assim alguma coisa foi absorvida pelo centro-esquerda e extrema-esquerda, tendo esta um aroma mais trotskista do que estalinista com pendor feminista. É claro que nem nas social-democracias ou regimes liberais e do socialismo democrático seria admissível algum recuo nas conquistas feministas que se iniciaram nos finais do século XIX -- as mulheres poderem votar, estudar e trabalhar independentemente da vontade dos homens.
O comunismo foi uma utopia. Como todas as utopias, almejava a perfeição. Ora, o que caracteriza o mundo humano é a imperfeição. O comunismo prometia a sociedade sem classes, sem exploração. Na prática, ao tentar impor essa perfeição, gerou ditaduras e miséria. Da mesma forma, equacionado como utopia, o feminismo ainda tem um problema para resolver: a violência doméstica. Prometendo a igualdade plena, acaba por forçar um modelo “ideal” de mulher: independente, empoderada, sem contradições. Ora, isso gerou frustração nas mulheres feministas, porque a realidade é sempre mais complexa do que a ideologia. E o risco que se corre tem sido sempre o mesmo: a transformação numa doutrina moral, em que quem não se encaixa no modelo é misógino.
O comunismo começou como luta contra condições degradantes do trabalho. Mas, quando se extremou no “tudo ou nada”, afastou muita gente. O feminismo, por sua vez, nasceu da luta justa por direitos básicos (voto, educação, liberdade). Hoje, algumas correntes tentam impor uma leitura total da vida social em modo feminista, e isso causa rejeição com a consequente perda de simpatia da maioria, ficando fechado em bolhas ideológicas. O comunismo deixou um rasto de conquistas laborais que ninguém quer perder na eterna luta contra o Capital. E o feminismo, mesmo que lhe aconteça o mesmo e perca força como movimento organizado, as suas conquistas dificilmente terão retrocesso porque a sociedade já mudou estruturalmente. Muitas das suas tensões vêm de dentro: diferentes feminismos, críticas entre mulheres, divergências sobre maternidade, carreira e sexualidade. O comunismo falhou porque quis ser um sistema totalitário. O feminismo corre o mesmo risco. Mas, tal como o comunismo, o feminismo também já deixou conquistas irreversíveis.
Como qualquer ideologia, o feminismo é radical. De qualquer modo, a igualdade de direitos, a autonomia e a liberdade de escolha vão ficar como conquistas sociais permanentes. A bandeira deixa de ser feminista e passará a ser cidadã de direitos. Provavelmente veremos mulheres menos preocupadas em “encaixar no ideal feminista” e mais em viver como quiserem: umas vão querer carreira, outras vão querer constituir família, muitas vão conciliar, e tudo mais naturalizado, mais na ordem natural da biologia. A pressão ideológica diminuirá, a liberdade individual crescerá. A nostalgia de papéis tradicionais já se vê nas correntes mais conservadoras da Europa e dos EUA. Mas essa nostalgia dificilmente vai apagar as conquistas. A igualdade será vista como natural e não como uma bandeira, com as tensões a dissolverem-se na normalidade.
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