quinta-feira, 25 de abril de 2019

45 anos de democracia

Este texto, na sequência do anterior, é uma espécie de tributo a todos aqueles que tornaram possível a Revolução há 45 anos para que em Portugal tivéssemos uma democracia, por muito imperfeita que ela seja.

Como em todas as revoluções, há sempre um período de transição em que o processo corre em condições sofrendo desvios às melhores intenções dos seus heróis. Esse período ficou conhecido por PREC – Processo Revolucionário Em Curso – que terminou em 25 de novembro de 1975, num golpe contrarrevolucionário que evitou que Portugal vingasse um regime comunista satélite da União Soviética.

Não podemos ignorar que na altura do PREC o mundo ainda vivia os tempos da Guerra Fria, e a URSS ainda tinha condições de disputar com os EUA a bipolaridade de igual para igual como superpotência. A diferença, no entanto, não era de pouca monta para um país europeu saído de uma ditadura de quase meio século, com fome de democracia e desejosa de se juntar ao grupo de países europeus que faziam parte da então CEE – Comunidade Económica Europeia. Enquanto os EUA eram uma democracia respeitável, o regime soviético era um regime totalitário.

Dos regimes totalitários que se conheciam mais próximos daquela época, que tinham no seu topo ditadores com o poder reforçado pelo culto da personalidade, Estaline já estava morto desde 1953. Mao Zedong viria a falecer em setembro de 1976. E Pol Pot teve que receber abrigo na Tailândia em 1979, após a queda do regime, que havia instaurado no Camboja à frente dos Khmers Vermelhos, por intervenção vietnamita. Em abril de 1975, Saigão foi conquistada pelos comunistas, marcando o fim da guerra entre Norte e Sul com a retirada dos americanos, sendo formalmente unificados no ano seguinte.

No início da década de 1920, Mussolini e o seu escritor fantasma, o filósofo Giovanni Gentile, promoveram a expressão “totalitário” para descrever o tipo de domínio que o Estado poderia ganhar sobre os seus cidadãos através do controlo dos meios de comunicação. Os regimes totalitários distinguem-se dos meramente autocráticos não apenas pelo grau, mas pela utilização do terror. Segundo Hannah Arendt, o terror arrasa a espontaneidade individual.

Portanto, em abril de 1974, não era de todo descabido que em Portugal uma revolução comunista ainda tivesse sucesso na “conquista do poder à burguesia”. Após a Segunda Guerra Mundial, o comunismo e Estaline haviam conquistado um prestígio internacional tal que proporcionou força eleitoral aos partidos socialistas na Europa. E, por outro lado, sem esquecer o movimento maoista, que através de notícias falsas vindas da República Popular da China, impressionava a juventude ocidental ávida de idolatrias e de um sistema político que através da posse comum dos meios de produção, a humanidade viveria em harmonia numa sociedade sem classes. A Revolução Cultural que teve início na década de 1960 surgiu da convicção de Mao de que os “companheiros capitalistas” estavam a levar a economia na direção errada. E assim o presidente Mao conseguiu moldar implacavelmente a China com recurso ao culto da personalidade, à crueldade e ao terror que provocaram a morte a milhões de chineses pela fome e pelas perseguições.

Finalmente, em 25 de novembro de 1975 Portugal entrou no caminho mais sensato rumo à democracia, considerada ainda a forma menos má de governo no mundo que temos. E efetivamente foram despendidos esforços para que as liberdades individuais fossem protegidas no exercício de uma cidadania num estado de direito.

As teorias sobre a democracia remontam ao século V a.C., com Péricles. É claro que os conceitos evoluíram. E não seria de esperar outra coisa. A democracia contemporânea está muito longe dos conceitos aristotélicos de democracia. Mas foi Aristóteles que fez expressamente a ligação entre democracia e liberdade individual, que foi retomada por Locke no século XVII. Por sua vez, a sua obra influenciou a Constituição americana, enquanto em França, o barão de Montesquieu registou a importância de um organismo motivado pelo conceito de bem público, e pelo conceito de separação de poderes entre o executivo, o legislativo e o judicial.

O avanço teórico correu no sentido da aceitação da liberdade e da igualdade. Antes de o sistema britânico ter evoluído de uma monarquia para uma democracia, os Estados Unido construíram o seu próprio sistema democrático de governo, inspirado nas ideias da Revolução Francesa e baseado nos direitos inalienáveis do indivíduo.

E assim caminhou também Portugal desde 25 de abril de 1974 até aos dias de hoje, com governos centrados num espetro que poderemos classificar entre o centro direito social-democrata e democrata-cristão, e o centro esquerda mais ou menos socialista, mais ou menos democrata liberal. O eleitorado português, ao oscilar entre uma pequena margem à volta do centro, tem permitido governações dentro de uma alternância democrática a convergir para o centro do espetro político-partidário.

Não sabemos, nem temos como seguro, que assim se mantenha por muito mais tempo, nesta era de uma nova Revolução Tecnológico/Informacional. Entramos numa era de maiores catástrofes naturais e maior terror global em que pontuam grupos extremistas islâmicos. Portanto, as liberdades em que a democracia assenta estão sob ameaça. Agora o valor que as populações mais apreciam é a segurança. O medo domina tudo e todos, e por conseguinte, a prioridade é a segurança pessoal, que se sobrepõe às liberdades pessoais. Ao mesmo tempo, vemos as desigualdades sociais a ampliarem-se devido a um sistema capitalista descontrolado pela usura financeira, agravadas ainda mais pelos fluxos migratórios em larga escala, lutando por igual acesso aos recursos a que os países mais desenvolvidos ocidentais deitaram a mão com maior intensidade desde a famigerada Revolução Industrial.

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