quinta-feira, 25 de abril de 2019

O 25 DE ABRIL


25 DE ABRIL DE 1974, uma quinta-feira, são 3 horas da madrugada quando vários pontos vitais de Lisboa são ocupados por elementos destacados pelo comando do Movimento dos Capitães. O Rádio Clube Português foi um deles, que passou a transmitir marchas militares e música portuguesa – Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso, José Mário Branco, Manuel Freire, Sérgio Godinho, Francisco Fanhais . . .

Pelas 6:30, tropas da Escola Prática de Cavalaria, chefiadas pelo capitão Salgueiro Maia, chegam ao Terreiro do Paço e cercam o Ministério do Exército onde ministros e altas patentes do exército se encontravam refugiados. É aqui que se desenrola o primeiro momento de tensão, entre as forças do capitão Maia e uma coluna de Cavalaria 7 estacionada na rua da Ribeira das Naus a proteger os ministros. A certa altura, o brigadeiro Reis, aos gritos, dá voz de prisão ao tenente Assunção e manda disparar as peças. Rui Ochôa que estava perto fica atónito com o que vê, mas não arreda pé. Ouve a repetição da ordem, mas nada acontece. Aconselham o repórter que não regresse ao outro lado, que vão disparar. O major Anselmo avança os carros. Alguém diz que “vão disparar”. Os carros param. Novas conversações. Há mais de mil civis no enfiamento dos possíveis disparos. Mas os canhões abandonam a posição de tiro. O major Anselmo rende-se. Metade das forças do brigadeiro Reis mudam de campo. Todos se felicitam no Terreiro do Paço, porque não houve tiros.


««Salgueiro Maia chegou a meio caminho e gritou ao brigadeiro: “Venha aqui conversar!” E o outro berrava: “Venha cá você!”. Perante o impasse, o brigadeiro Junqueira dos Reis mandou disparar, mas tanto o oficial do M-47 como o cabo apontador desobedeceram à ordem. O brigadeiro, furioso, afastou-se pelo seu pé, praguejando, sozinho e derrotado. Salgueiro Maia deu meia volta e começou a marchar, vitorioso e aparentemente sereno, na direção do Terreiro do Paço. É nesse instante que Alfredo Cunha, que estava encostado à estátua equestre de D. José, dispara a sua Nikon F, e consegue uma das fotos mais iconográficas do 25 de abril. O episódio culminou com as tropas do brigadeiro a correrem ao encontro de Salgueiro Maia, gritando: “Estamos com vocês, estamos com vocês!”»»

Mas por esta altura, seriam 10 horas, já os ministros e as altas patentes haviam escapado por um buraco na parede aberto a picareta (foto de Alfredo Cunha), dando passagem para a Biblioteca do Ministério da Marinha. Daqui, acabam por chegar a Lanceiros 2, em Belém, onde se encontrava o Presidente da República Almirante Américo Thomaz, tentando organizar a contraofensiva.




A cidade ia despertando e através da rádio apercebia-se que algo de muito importante estava a acontecer. Multiplicavam-se os comunicados, em que se dava conta do cerco da cidade por unidades militares. Quando as primeiras vagas de gente de Almada, Cacilhas, Barreiro e Montijo saíram dos barcos, depararam-se com um espetáculo verdadeiramente inédito. A passagem estava vedada pelos militares. As pessoas foram convidadas a regressar a suas casas.

Só por volta das dezasseis horas daquele dia tão esperado, se dá a rendição do poder nas mãos do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano. Pedro Feytor Pinto sai do Quartel do Carmo levando uma mensagem de Caetano para Spínola com o seguinte teor: “Para que o Poder não caísse na rua, o Presidente do Conselho estava pronto a entregar o Governo ao General Spínola.” Salgueiro Maia disponibiliza-lhe um jipe que o leva a casa do General Spínola. Mas Spínola não aceita a mensagem por ser apenas verbalizada pelo mensageiro. Ele precisa de uma mensagem escrita. Neste embaraço, eis que toca o telefone. Era Marcello Caetano. Dali a pouco Spínola volta ao encontro com Feytor Pinto e diz: “Falei com ele ao telefone, reconheci-lhe a voz e não preciso de uma carta. Agora o que preciso é de outra coisa. Como sabe, não sou chefe do Movimento. Preciso que me ponha em contacto com alguém responsável, de grau mais alto do que coronel”. Depois de voltar ao encontro com o Capitão Maia, este pôs-se em contacto com os seus chefes, que lhe ordenaram o encaminhamento de Feytor Pinto até à Pontinha, onde se encontrava o comando do Movimento com Otelo à frente. Todos compreenderam e todos queriam uma solução para que não houvesse, sobretudo, um banho de sangue. Quando Feytor Pinto regressou ao Quartel do Carmo, já lá se encontrava o General Spínola, a quem o Presidente do Conselho fez a rendição do seu Governo.


ÀS 18 horas o Capitão Maia anuncia à multidão o desfecho por que todos ansiavam. O Largo cheio como um ovo, alguns empoleirados nas árvores, outros até nas próprias viaturas militares. Uma massa humana tensa gritando “assassinos . . . assassinos”, que subiu de tom quando um veículo militar, com o nome “Bula” escrito na chapa blindada, sai do Quartel do Carmo rumo à incerteza. E o Capitão Maia: “O Movimento atua em nome da Liberdade. Não se fará justiça pelas próprias mãos”. Algum tempo depois é Francisco Sousa Tavares, empoleirado não sei onde com um megafone na mão, que apela à multidão para que se comporte civicamente. E nas televisões e nas rádios mais uma vez “Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas”, informando a concretização da queda do regime pela rendição de Sua Exª o Prof Marcello Caetano e Sua Exª o Almirante Américo Thomaz, entregando o poder a Sua Exª o General António de Spínola. O Movimento das Forças Armadas agradece a toda a população o civismo e a colaboração demonstrados de maneira inequívoca desde o início dos acontecimentos, prova evidente de que ele era o intérprete do pensamento e dos anseios nacionais.

Ao princípio da noite crescia o temor pelo que se poderia estar a passar em Caxias e em Peniche, prisões políticas ainda à mercê dos ‘pides’ aí concentrados. Cerca das 21 horas a multidão dirige-se para a sede da PIDE/DGS. E é aqui, infelizmente, onde há derramamento de sangue, com a morte de quatro manifestantes e algumas dezenas de feridos por tiros disparados por elementos dessa ex-polícia política. Mais uma vez se apela à calma e as Forças Armadas cercam o edifício. Um desses agentes que tentava fugir é abatido por um elemento das Forças Armadas.

É só no dia seguinte, pelas 23.30, que o Tenente Nunes chega ao forte de Caxias trazendo a ordem de libertação para todos os presos ali detidos. As portas da prisão de Caxias abrem-se de par em par, e perto de uma centena de ex-presos políticos saem ao encontro de familiares e amigos que há longas horas esperavam o momento da libertação. O que então se passou é indescritível. Abraços e lágrimas misturados com gritos de reivindicação das liberdades fundamentais e do slogan “o povo unido jamais será vencido”.

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