segunda-feira, 8 de abril de 2019

Ciência e religião – duas forças culturais antagónicas a moldar humanidades


O que há de especial entre a crença na ciência e a crença religiosa? como tem de ser uma crença para ser religiosa? Por questões de método de exposição considero as cinco maiores religiões do mundo por ordem de antiguidade: Hinduísmo, Judaísmo, Budismo, Cristianismo e Islamismo; e as ciências modernas empíricas que se desenvolveram no ocidente a partir do século XVI sob o lema do conhecimento como crença verdadeira justificada. Sendo o conflito, o ponto central desta abordagem ao tema, seria útil caracterizar a natureza da religião e a natureza da ciência. Sucede que não é fácil caracterizá-las, quando se verifica que nem toda a crença em Deus, é religiosa. E nem todas as religiões envolvem a crença em Deus. Os filósofos medievais fartaram-se de propor teorias sobre um ser omnipotente, omnisciente e sumamente bom como parte crucial de um sistema metafísico-teológico e não religioso. A propriedade religiosa da crença é adquirida apenas quando condiciona o modo de vida da pessoa ou da comunidade onde ela exerce a sua força. Assim, a crença está apropriadamente conectada a atitudes caracteristicamente religiosas por parte do crente, nomeadamente atitudes de veneração, amor, compromisso, maravilhamento e afins.

O termo ciência abarca um leque muitíssimo variado de atividades humanas que para se considerarem ciências têm de obedecer a um grupo de critérios para serem aceites como tal por sociedades que se identificam com um determinado paradigma cultural e civilizacional marcado pelo tempo histórico. É o paradigma da objetividade, da evidência empírica e do método experimental. Ora, ainda hoje, por exemplo, no quadrante do hemisfério que é designado por ocidental, há quem considere que tanto a teoria do Big Bang como a teoria evolucionista de Darwin não são ciência porque não há nada de objetivo nem de experimental que lhes dê sustentação. Já para não falar das limitações na aplicação da ciência a questões humanas centrais como é o caso dos juízos morais, ou dos juízos de valor mais em geral. Assim, talvez se devesse entender o conceito de ciência que desse cobertura de uma forma mais abrangente às várias atividades sem as quais uma determinada civilização não funcionaria. Para todos os efeitos práticos da Grécia Antiga, Aristóteles era um homem de ciência, que abarcava no seu entendimento atividades que se relacionavam entre si por semelhança e analogia, porque não havia uma atividade única que fosse apenas ciência em si. No entanto não deixava de ser uma atividade sistemática e disciplinada, teórica e empírica, que visava descobrir a verdade sobre o mundo.

Há várias questões históricas e epistemológicas que se colocam ao investigador desta temática. Em termos históricos podemos referir a surpreendente relutância do Médio Oriente islâmico em aceitar a ciência europeia transmitida por Copérnico, Galileu, Kepler, Newton, Boyle, etc., que não deixavam de ser seriamente cristãos, ainda que ocasionalmente, como no caso de Newton, não fossem cristologicamente ortodoxos. Há uma fonte de crença em Deus, e o testemunho interno do Espírito Santo, que é a fonte da crença nas doutrinas próprias do cristianismo. As crenças produzidas por estas fontes ultrapassam a razão no sentido em que a fonte do seu aval não é o que a razão nos dá; claro que não se segue que tais crenças são irracionais, ou contrárias à razão; nem se segue que há algo nelas de especialmente arriscado ou inseguro, ou incerto, como se a fé fosse necessariamente cega ou um salto no escuro. O que sucede é que a ciência já havia sido transmitida na Idade Média aos europeus pelos muçulmanos. A civilização islâmica medieval era não apenas herdeira dos conhecimentos do antigo Egito e Babilónia, mas também o foram da Grécia Antiga e da Pérsia, na medida em que traduziram e preservaram dos textos mais importantes, que de outro modo se teriam perdido para sempre.

Nos finais da Idade Média e transição para o período da Renascença, muitos jovens europeus viajaram até Espanha e Sicília (leia-se o romance de Margueritte Yourcenar – A obra ao negro), para frequentar os centros de ensino muçulmanos, os mais prestigiados à época. A partir daqui traduziram para latim textos do árabe originais e outros que já eram adaptações dos antigos textos gregos. Assim, aqueles cientistas europeus sentiam a enorme dívida que tinham para com esses transmissores de conhecimento. No entanto, inexplicavelmente, ou a não haver outra explicação que não a religiosa, de uma forma súbita os muçulmanos operaram uma mudança radical, uma reviravolta de 180º no seu paradigma civilizacional. No mundo islâmico, a liberdade foi praticamente eliminada, e a ciência foi substituída por um corpo dogmático de conhecimentos. Uma inversão total com o mundo cristão, que doravante e até aos dias de hoje abraçou a ciência de uma forma tal que as suas repercussões para o futuro deste Universo ainda estão por adivinhar. Nem no mundo da civilização chinesa, mais a Oriente, se verificou tal fenómeno. A maior parte dos países asiáticos incorporaram e absorveram o impacto da civilização ocidental por via da ciência. Hoje, ao invés do Médio Oriente, no universo chinês e japonês apenas há uma ciência. A ciência que era ocidental, por via da globalização deixou de o ser, para ser global.

Sem comentários:

Enviar um comentário