O que há de especial entre a crença na ciência e a crença religiosa? como tem
de ser uma crença para ser religiosa? Por questões de método de exposição
considero as cinco maiores religiões do mundo por ordem de antiguidade:
Hinduísmo, Judaísmo, Budismo, Cristianismo e Islamismo; e as ciências modernas
empíricas que se desenvolveram no ocidente a partir do século XVI sob o lema do
conhecimento como crença verdadeira justificada. Sendo o conflito, o ponto
central desta abordagem ao tema, seria útil caracterizar a natureza da religião
e a natureza da ciência. Sucede que não é fácil caracterizá-las, quando se
verifica que nem toda a crença em Deus, é religiosa. E nem todas as religiões
envolvem a crença em Deus. Os filósofos medievais fartaram-se de propor teorias
sobre um ser omnipotente, omnisciente e sumamente bom como parte crucial de um
sistema metafísico-teológico e não religioso. A propriedade religiosa da crença
é adquirida apenas quando condiciona o modo de vida da pessoa ou da comunidade
onde ela exerce a sua força. Assim, a crença está apropriadamente conectada a
atitudes caracteristicamente religiosas por parte do crente, nomeadamente
atitudes de veneração, amor, compromisso, maravilhamento e afins.
O termo ciência
abarca um leque muitíssimo variado de atividades humanas que para se
considerarem ciências têm de obedecer a um grupo de critérios para serem
aceites como tal por sociedades que se identificam com um determinado paradigma
cultural e civilizacional marcado pelo tempo histórico. É o paradigma da
objetividade, da evidência empírica e do método experimental. Ora, ainda hoje,
por exemplo, no quadrante do hemisfério que é designado por ocidental, há quem considere que tanto a
teoria do Big Bang como a teoria evolucionista de Darwin não são
ciência porque não há nada de objetivo nem de experimental que lhes dê
sustentação. Já para não falar das limitações na aplicação da ciência a
questões humanas centrais como é o caso dos juízos morais, ou dos juízos de
valor mais em geral. Assim, talvez se devesse entender o conceito de ciência que
desse cobertura de uma forma mais abrangente às várias atividades sem as quais uma
determinada civilização não funcionaria. Para todos os efeitos práticos da Grécia
Antiga, Aristóteles era um homem de ciência, que abarcava no seu entendimento atividades
que se relacionavam entre si por semelhança e analogia, porque não havia uma
atividade única que fosse apenas ciência em si. No entanto não deixava de ser
uma atividade sistemática e disciplinada, teórica e empírica, que visava
descobrir a verdade sobre o mundo.
Há várias questões históricas e epistemológicas que se
colocam ao investigador desta temática. Em termos históricos podemos referir a
surpreendente relutância do Médio Oriente islâmico em aceitar a ciência
europeia transmitida por Copérnico, Galileu, Kepler, Newton, Boyle, etc., que
não deixavam de ser seriamente cristãos, ainda que ocasionalmente, como no caso
de Newton, não fossem cristologicamente ortodoxos. Há uma fonte de crença em
Deus, e o testemunho interno do Espírito Santo, que é a fonte da crença nas
doutrinas próprias do cristianismo. As crenças produzidas por estas fontes
ultrapassam a razão no sentido em que a fonte do seu aval não é o que a razão
nos dá; claro que não se segue que tais crenças são irracionais, ou contrárias
à razão; nem se segue que há algo nelas de especialmente arriscado ou inseguro,
ou incerto, como se a fé fosse necessariamente cega ou um salto no escuro. O
que sucede é que a ciência já havia
sido transmitida na Idade Média aos europeus pelos muçulmanos. A civilização
islâmica medieval era não apenas herdeira dos conhecimentos do antigo Egito e
Babilónia, mas também o foram da Grécia Antiga e da Pérsia, na medida em que traduziram
e preservaram dos textos mais importantes, que de outro modo se teriam perdido
para sempre.
Nos finais da Idade Média e transição para o período
da Renascença, muitos jovens europeus viajaram até Espanha e Sicília (leia-se o
romance de Margueritte Yourcenar – A obra ao negro), para frequentar os centros
de ensino muçulmanos, os mais prestigiados à época. A partir daqui traduziram para
latim textos do árabe originais e outros que já eram adaptações dos antigos
textos gregos. Assim, aqueles cientistas europeus sentiam a enorme dívida que
tinham para com esses transmissores de conhecimento. No entanto,
inexplicavelmente, ou a não haver outra explicação que não a religiosa, de uma
forma súbita os muçulmanos operaram uma mudança radical, uma reviravolta de 180º
no seu paradigma civilizacional. No mundo islâmico, a liberdade foi
praticamente eliminada, e a ciência foi substituída por um corpo dogmático de
conhecimentos. Uma inversão total com o mundo cristão, que doravante e até aos
dias de hoje abraçou a ciência de uma forma tal que as suas repercussões para o
futuro deste Universo ainda estão por adivinhar. Nem no mundo da civilização
chinesa, mais a Oriente, se verificou tal fenómeno. A maior parte dos países
asiáticos incorporaram e absorveram o impacto da civilização ocidental por via
da ciência. Hoje, ao invés do Médio Oriente, no universo chinês e japonês
apenas há uma ciência. A ciência que era ocidental, por via da globalização deixou
de o ser, para ser global.
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