quarta-feira, 17 de abril de 2019

Horizontes culturais


Hoje, importa meter a mão a na consciência e refletir sobre o que temos andado a fazer com a tecnologia por ganância. Como foi possível o homem ter-se tornado um ser altamente nocivo, incapaz de valorizar adequadamente o risco ao alterar equilíbrios delicados? Todos contribuímos para a degradação do ambiente e a depauperação dos recursos. As potencialidades destrutivas tornaram-se ainda mais acentuadas quando o estilo de vida e o modelo industrial ocidental se tornaram globais.

Paradoxalmente, a ameaça ao equilíbrio ecológico do planeta Terra deriva precisamente porque a humanidade teve um êxito desmesurado com a ciência e a técnica. A escala exponencial dos efeitos indesejáveis da ação individual e coletiva ampliaram-se de tal modo inesperado e inaudito que muitos cientistas, alegadamente os mais pessimistas, consideram que já é demasiado tarde para reverter a situação climática do planeta rumo a uma série de catástrofes impossíveis de controlar.

Cada um de nós tem, de facto, uma responsabilidade coletiva perante a Terra e os seus habitantes, que estão longe de se reduzirem apenas aos seres humanos. Apesar de as religiões ditas do Livro, maioritárias no mundo, terem chamado insistentemente à atenção de que o primeiro mandamento tinha a ver com a expulsão do Paraíso, por termos desobedecido ao comer o fruto do conhecimento, não se quis ouvir o imperativo de agir de modo que os efeitos das nossas ações fossem compatíveis com a permanência de uma autêntica vida neste paraíso que é a Terra. Mas deixamo-nos iludir com a esperança, em vez de assumirmos com coragem a responsabilidade que se nos impunha.

Um filósofo americano, Richard Rorty, combateu a metafísica clássica ao sublinhar o papel dos contextos sociais. Continuador da tradição do pragmatismo americano, cujos mentores remetem para nomes como William James, para Rorty a verdade é o resultado de regras e de procedimentos aceites no seio de uma dada comunidade. Rejeita os pressupostos seculares do pensamento ocidental que visavam garantir a sua incondicional universalidade. Rejeita assim o conceito de realidade em si, como se as nossas representações mentais a reproduzisse tal e qual como se fosse um espelho.  Desistindo da busca cartesiana da certeza, delineou duas posições em relação à verdade: 1) ancorada num patamar suprassensível que remonta a Platão; 2) associada a práticas culturais compartilhadas de justificação e de controlo. A verdade filiada na metafísica clássica é, segundo Rorty, baseada em procedimentos de carater autorreflexivo, próprios de um grupo restrito que se arroga o direito de representar toda a humanidade, de todas as épocas e lugares. A verdade suprema é como o sol que não se pode olhar por muito tempo sem perder a vista. Verdade é aquilo que é aceite por aqueles que seguem determinadas regras históricas de verificação. A autoridade da ciência resultou de um acordo coroado de êxito entre indivíduos que se descobriram herdeiros das mesmas tradições históricas e confrontados com os mesmos problemas.

Rorty preconizava que se devia apostar na ideia de uma humanidade que avança em direções divergentes, privilegiando a diferenciação relativamente à unificação, e assim contrariava o ideal de unificação das formas de pensamento sob a égide de uma verdade e de uma racionalidade supracomunitária, em que a História avançaria inexoravelmente para a convergência entre as diversas civilizações.

Os critérios do universalismo assentaram em pressupostos metafísicos. Mas esses pressupostos acabaram por enfraquecer, abrindo a porta a formas de relativismo. E isto provocou a perda de prestígio das disciplinas da Filosofia. Filosofia essa que tentou articular a realidade e o saber sobre a base de uma razão universal unitária. Ainda assim ainda houve algumas tentativas para salvar a Filosofia. São exemplos disso Jürgen Habermas e John Rawls. Como contributos para a filosofia política, a ação comunitária de Habermas, e a teoria da justiça de Rawls, representam nas sociedades democráticas uma alternativa frente ao recurso à força na solução dos conflitos e à prática de uma fatigante negociação em que vence quem tem maiores reservas de poder ou maior habilidade estratégica na prossecução dos seus interesses.

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