segunda-feira, 29 de abril de 2019

A linguagem e o mundo em Wittgenstein

Toda a filosofia de Wittgenstein gira à volta da linguagem e da relação linguagem-mundo. A linguagem é a totalidade das proposições. As proposições são representações do estado das coisas. A linguagem e o mundo têm em comum a relação estrutural – uma das possíveis formas de combinação dos objetos.

Wittgenstein, após a publicação do Tractatus, possuído por aquela soberba não tão rara como seria desejável, sentenciou que nada mais teria a dizer. E com uma ousadia que passou a ser lendária no meio dos seus seguidores, transcendeu-se por uns tempos, e foi à procura do mundo dos místicos. Passou-se, como se diz em linguagem não filosófica. Fechou-se coerentemente num longo silêncio filosófico, trabalhando durante anos como professor primário, por alguns meses como ajudante de jardineiro num convento, e até arquiteto como no caso das obras de transformação do palacete de sua irmã em Viena. Ludwig não foi o único a herdar o traço de arrogância dos Wittgenstein. Quando um oficial nazi informou essa sua irmã de que não deveriam temer serem classificados como judeus, ela ficou bastante indignada. Nenhum aventureiro jamais diria aos Wittgenstein o que eram ou o que não eram – e insistiu em que fossem expedidos de imediato documentos que comprovassem seu sangue judeu. A seguir aos Rothschild, os Wittgenstein constituíam a família mais rica da Europa na época de Hitler. E quando as irmãs de Wittgenstein estiveram em apuros no auge do extermínio nazi, Ludwig não esteve com meias medidas e tratou de as resgatar com nada menos do que 1,7 toneladas de ouro.

A travessia do deserto que Wittgenstein teve de fazer antes de regressar a Cambridge, em 1944, e ocupar a cátedra que era de Bertrand Russel, como se viu, não foi sem tumultos nem sobressaltos. A experiência por que passou moldou-o num outro Wittgenstein, voluntariamente mais humilde, investigando as circunstâncias da vida mais comezinhas, situações concretas da vida social a que ele chamou “jogos de linguagem”. Esse tempo culminou na sua obra mais importante: “Investigações Filosóficas”, uma reviravolta no pensamento de Wittgenstein. Tendo começado a preparar a sua publicação logo a seguir ao seu regresso a Cambridge, tal só viria a acontecer já depois da sua morte. Wittgenstein morre em Cambridge, a 29 de abril de 1951, e as Investigações Filosóficas são publicadas em 1953.

Juntamente com o Tractatus, que passou a criticar, apenas estes dois únicos livros foram preparados por ele, tendo em vista a publicação. Uma boa parte da restante obra publicada depois da sua morte resulta de apontamentos tomados pelos seus alunos, que o veneravam, que consistiam em notas das aulas que ele lhes dava. E também de vários cadernos guardados no famoso cofre, o único luxo a que se permitira durante o seu longo período de ascetismo.

A lucidez e a ousadia do Tractatus são substituídas nas Investigações Filosóficas por uma análise lógica minimalista de sensações pessoais e do significado das palavras. Não há mais filosofia, apenas o ato de filosofar – que consiste na elucidação de equívocos em nossa forma de pensar. Esses equívocos decorrem de erros linguísticos, uma vez que a linguagem não é um retrato do mundo, e sim uma espécie de rede formada por inúmeros pedaços de cordas que se intercomunicam. Nossa compreensão chega a um impasse quando empregamos erroneamente uma palavra numa situação em que ela não se aplica.

Nós temos acesso à forma e ao conteúdo das coisas através dos nossos sentidos. E o nosso cérebro recebe essas transmissões de energia física na forma de informação transformando-a numa forma de representação, que à falta de melhores termos lhe chamamos imagens: visuais, auditivas, olfativas, gustativas, táteis e propriocetivas.

Tudo é linguagem a representar os factos que descrevem. Mas as imagens não são as cópias dos factos. Em vez disso, elas próprias são os factos. Nem a forma lógica da linguagem, nem o seu isomorfismo com o mundo são expressáveis. Entre linguagem e mundo, vejamos por exemplo o mundo dos sons, e neste sentido o caso de sons musicais, há uma relação interna de representação que conjuga não apenas a imagem representada no cérebro vinda do espaço físico, mas também a notação musical que um músico descreve na partitura. Tudo subsiste através de possíveis transformações e projeções. Estas conformações, aparentemente muito diversas, apresentam um isomorfismo regulado por leis e regras, quando são as notas musicais a traduzir, por exemplo, as notas de uma sinfonia.

Mas nem a forma lógica da linguagem, nem o seu isomorfismo com o mundo são expressáveis. É somente possível mostrá-los como condições formalmente necessárias à nossa linguagem que tem os seus limites, os quais não podemos ultrapassar. É para lá desses limites que reside o Místico, o Zen, enfim, o inefável. Disto nada se pode dizer, como a proposição conclusiva do Tractatus: “Sobre aquilo de que se não pode falar, há que guardar silêncio”.

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