O que tem levado a comunidade científica a procurar a
última palavra na experiência, não se contentando apenas com as teorias
assentes em equações matemáticas, decorre da sua lealdade para com os
empiristas britânicos, os primeiros a serem bem-sucedidos na disputa com os
ensinamentos bíblicos judaico-cristãos. No fim de contas, as teorias
cosmológicas produzidas pelo pensamento matemático eram do mesmo domínio
epistemológico das narrativas dos primeiros capítulos do Génesis, ou seja, derivadas
de puro pensamento a priori.
Muitos fundamentalistas cristãos aceitam uma
interpretação literal da narrativa da criação dos primeiros dois capítulos do
Génesis. Ora esta interpretação recebeu um novo rombo com Darwin, depois de ter
publicado o livro seminal da teoria evolucionista ainda hoje intocável nos seus
pilares fundamentais: a evolução das espécies por variação e seleção natural. Pelas
explicações Darwinistas, os seres humanos não foram concebidos, sendo antes
produto do processo cego sem direção da seleção natural, operando sobre uma
fonte de variação, como a mutação genética. A Natureza não tem em mente qualquer
propósito. Não tem mente e não tem seja o que for em mente. Não planeia em
função do futuro. Não tem qualquer visão, antevisão, não vê coisa alguma. A
Natureza tem leis. E o que os humanos fazem, através do que eles chamam
ciência, é descobrir essas leis.
A existência dos buracos negros, que até agora era uma
entidade teórica a priori, é confirmada por conhecimento a posteriori. Mas provavelmente esta certeza dos buracos negros vai
reforçar ainda mais a ideia a priori de que no interior dos buracos negros são
geradas estrelas e quiçá universos que se regem por outras leis que não as leis
que até agora a ciência tem definido como “as leis da natureza”. Laplace disse
em 1796: “Devemos encarar o estado presente do universo como o efeito do seu
estado anterior e como a causa do que se lhe seguirá”. Para ele nada seria
incerto, e o futuro, como o passado, estaria presente aos seus olhos.
As leis de Newton aplicam-se a sistemas isolados ou fechados; descrevem
como o mundo funciona desde que o mundo seja um sistema fechado
(isolado), não estando sujeito a qualquer influência causal externa. Mas
não faz parte da mecânica newtoniana nem da ciência clássica em geral a
declaração de que o universo material é realmente um sistema fechado. Como
poderia uma coisa dessas ser verificada experimentalmente? Assim, pelo
paradigma newtoniano, as leis dentro de um buraco negro podem ser diferentes de
todas as leis postuladas por esse paradigma científico, agora dito “clássico”.
A tese de que o universo material é de facto um sistema fechado não faz parte
da física clássica; é um acrescento metafísico ou teológico. Esta imagem
clássica foi, evidentemente, ultrapassada pelo desenvolvimento da mecânica
quântica.
A atitude epistémica dominante na ciência é a investigação empírica crítica
que propõe teorias, que por serem hipotéticas estão sujeitas a serem
abandonadas por outras mais satisfatórias, e por isso o seu caráter é sempre
temporário. Por conseguinte, a ciência, ou antes, a atitude científica, é diferente
da crença religiosa, que é dogmática e definitiva. Daí que a ciência e a
religião estejam condenadas a um conflito irreconciliável e insanável. Não há
maneira de uma pessoa ter uma mentalidade apropriadamente científica, e ao
mesmo tempo ser um verdadeiro crente religioso. É claro que, uma coisa é dizer
isto assim, outra coisa é dizer que a atitude epistémica científica é a única
apropriada a qualquer área do conhecimento. Na verdade, esta afirmação não é em
si mesmo produto de qualquer atividade científica que tenha chegado a essa
conclusão por métodos empíricos. É uma declaração epistemológica da Filosofia
como disciplina do conhecimento e dos primeiros e últimos princípios da
existência e essência do ser e das coisas. De um modo geral os cientistas não
se colocam na atitude epistémica de questionar todas as suas crenças: científicas
e não científicas.
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