quinta-feira, 18 de abril de 2019

O olhar da consciência sobre o mundo das coisas


No mundo capitalista das mercadorias o homem tende a ser olhado e tratado como uma coisa, a ser reduzido a mero apêndice da produção. E isso constitui um trauma porque teve de se sujeitar ao desprezo de Si como sujeito, que tanto tempo levou a consolidar desde a Pré-História, numa altura em que o que avultava era o caráter viril do Si para vencer o medo da morte.

A falta de compreensão, por parte das ciências naturais, do caráter constitutivo do Ser, levou a um obscurecimento do sentido da racionalidade ao tratar o homem como coisa. E isto aconteceu porque a técnica moderna, como braço armado das ciências naturais, arrogou-se à pretensão de primeiro no desvelamento da verdade. Ora, é o Ser que manifesta ao homem, em termos humanos, a verdadeira natureza do conjunto de forças, calculáveis, que criam as coisas.

Remeto-me para a época trágica das duas Grandes Guerras Mundiais do século XX na Europa, em que os totalitarismos se difundiram, para exemplificar como a racionalidade foi empregue para fins destruidores, com a cumplicidade das ciências naturais.

Não compensa, como se tem feito ultimamente, viajar entre os diversos mundos da vida, caminhando na direção do reencantamento à procura da felicidade, em saltos de extraordinária loucura. Aqui o “se” significa ao mesmo tempo todos e ninguém.

Qual Ulisses moderno, seja na versão seminal do herói homérico, seja na versão de Joyce. Uma viagem que durou dez anos no primeiro caso, vinte e quatro horas no segundo. Em mar aberto no herói de Homero, que se fez acorrentar ao mastro pelos seus homens com cera nos ouvidos, para que só ele ouvisse o canto da sereia de modo a poder entrar noutros mundos, e assim, num rito de passagem, viver uma identidade móvel, desencantada e trágica, mas imortal. Joyce entrou por outros sentidos proibidos para imprimir um outro significado ao seu plano de vida extra quotidiano, nos diversos lugares e não-lugares, nichos cavernosos da cidade protegida pelo sujeito que morreu antes de ter chegado à palavra.

É supérflua a fadiga de quem pretende demonstrar que o mundo, no seu conjunto, avança numa determinada direção, desqualificando indiretamente toda a busca de autenticidade nos pequenos mundos de vida enquanto lugares de distensão. No seio deste submundo de atividades ilícitas, vigoram regras e critérios de tal relevância que, noutros lugares, seriam impensáveis. Recordo aquela fábula dublinense, do turista em Dublin que aborda um dublinense e lhe pede que o ajude a encontrar o melhor caminho para sair de Dublin. A resposta do dublinense foi que se quisesse sair de Dublin seria melhor partir de outro lugar. É claro que esta é uma narrativa alternativa à narrativa original, para metaforizar os tempos atuais das verdades alternativas, ou dos factos alternativos. São lendas com projeção do desejo, quando homens se encontram em certos lugares com mulheres desconhecidas, contando estórias inverificáveis sobre a sua identidade, sobre o seu curriculum vitae, ou quando mulheres se encontram com homens desconhecidos, ostentando os seus belos decotes postiços. É o choque adrenérgico quando se cede à casualidade dos encontros.

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