No mundo
capitalista das mercadorias o homem
tende a ser olhado e tratado como uma
coisa, a ser reduzido a mero apêndice da produção. E isso constitui um
trauma porque teve de se sujeitar ao
desprezo de Si como sujeito, que tanto tempo levou a
consolidar desde a Pré-História, numa altura em que o que avultava era o
caráter viril do Si para vencer o
medo da morte.
A falta de
compreensão, por parte das ciências
naturais, do caráter constitutivo do Ser,
levou a um obscurecimento do sentido da racionalidade ao tratar o homem como coisa. E isto aconteceu porque a técnica moderna, como braço armado das ciências naturais, arrogou-se à pretensão de primeiro no
desvelamento da verdade. Ora, é o Ser
que manifesta ao homem, em termos
humanos, a verdadeira natureza do conjunto de forças, calculáveis, que criam as
coisas.
Remeto-me para a época
trágica das duas Grandes Guerras Mundiais do século XX na Europa, em que os
totalitarismos se difundiram, para exemplificar como a racionalidade foi
empregue para fins destruidores, com a cumplicidade das ciências naturais.
Não compensa, como
se tem feito ultimamente, viajar
entre os diversos mundos da vida, caminhando na direção do reencantamento à
procura da felicidade, em saltos de extraordinária loucura. Aqui o “se” significa ao mesmo tempo todos e ninguém.
Qual Ulisses
moderno, seja na versão seminal do herói homérico, seja na versão de Joyce. Uma
viagem que durou dez anos no primeiro caso, vinte e quatro horas no segundo. Em
mar aberto no herói de Homero, que se fez acorrentar ao mastro pelos seus
homens com cera nos ouvidos, para que só ele ouvisse o canto da sereia de modo
a poder entrar noutros mundos, e assim, num rito de passagem, viver uma
identidade móvel, desencantada e trágica, mas imortal. Joyce entrou por outros
sentidos proibidos para imprimir um outro significado ao seu plano de vida
extra quotidiano, nos diversos lugares e não-lugares, nichos cavernosos da
cidade protegida pelo sujeito que morreu antes de ter chegado à palavra.
É supérflua a
fadiga de quem pretende demonstrar que o mundo, no seu conjunto, avança numa
determinada direção, desqualificando indiretamente toda a busca de
autenticidade nos pequenos mundos de vida enquanto lugares de distensão. No
seio deste submundo de atividades ilícitas, vigoram regras e critérios de tal
relevância que, noutros lugares, seriam impensáveis. Recordo aquela fábula
dublinense, do turista em Dublin que aborda um dublinense e lhe pede que o
ajude a encontrar o melhor caminho para sair de Dublin. A resposta do
dublinense foi que se quisesse sair de Dublin seria melhor partir de outro
lugar. É claro que esta é uma narrativa alternativa à narrativa original, para
metaforizar os tempos atuais das verdades alternativas, ou dos factos
alternativos. São lendas com projeção do desejo, quando homens se encontram em
certos lugares com mulheres desconhecidas, contando estórias inverificáveis
sobre a sua identidade, sobre o seu curriculum vitae, ou quando mulheres se
encontram com homens desconhecidos, ostentando os seus belos decotes postiços.
É o choque adrenérgico quando se cede à casualidade dos encontros.
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