domingo, 29 de dezembro de 2024

Movimento pendular da História


Tudo indica que o declínio é certo para os países europeus, e a UE não terá futuro. Ainda não para os EUA. O que está em causa é saber que papel terão os países europeus numa ordem internacional que será diferente da que foi criada em 1945 e 1989, épocas de hegemonia norte-americana. É duvidoso que instituições internacionais como a União Europeia, a NATO e departamentos governamentais nacionais nas áreas da ciência, economia, diplomacia, segurança e defesa tenham capacidade para fazerem escolhas informadas sobre tantos temas simultaneamente.
A ideia do movimento pendular na História oferece um modelo para pensar as flutuações entre o auge e o declínio das civilizações. No caso da civilização euroamericana muitos paralelos realmente se destacam. No final do Império Romano do Ocidente, testemunhou-se um colapso gradual das instituições e uma crescente anomia — sintomas que, em menor ou maior grau, ecoam na modernidade.
Se a História tiver, de facto, na sua marcha, os três tipos de movimento: linear; circular; pendular - parece que estamos nesta terceira década do século XXI, a assistir a uma fase de inversão do seu movimento pendular. Só não sei se será um movimento parecido com a Queda do Império Romano do Ocidente, precisamente no mesmo ocidente geográfico.

Elon Musk escreveu um artigo de opinião no jornal “Welt am Sonntag”, no qual volta a apoiar o partido de extrema-direita alemão Alternativa para a Alemanha, [AfD]. Diz que é o único partido que consegue salvar a Alemanha. E alude o facto de Alice Weidel, a líder do partido, ter uma parceira do mesmo sexo do Sri Lanka: "Isso soa-vos a Hitler? Por favor!", escreveu Musk no artigo. Além disso, o multimilionário defendeu que a AfD tem posições importantes em áreas como a recuperação económica ou o controlo da imigração.




Alice Elisabeth Weidel, juntamente com Alexander Gauland, foi a principal candidata do seu partido de extrema-direita nacionalista, Alternativa para a Alemanha, nas eleições federais na Alemanha em 2017. Nessas eleições, o seu partido recebeu 13% dos votos, o que colocou a AfD como o terceiro maior partido do parlamento alemão. Weidel é declaradamente lésbica. Sua companheira, Sarah Bossard, uma produtora de cinema suíça nascida no Sri Lanka, e os dois filhos do casal moram na Suíça, na fronteira com a Alemanha. Contudo, seu partido votou contra o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais. Weidel não criticou a postura do seu partido. Ela afirmou que a união civil já equipara casais gays aos heterossexuais. Weidel também afirmou que considera o aumento no número de islâmicos na Alemanha uma ameaça aos homossexuais.

Muitos alemães sentem que as suas preocupações são ignoradas pelo sistema. O partido aborda os problemas do momento, sem o politicamente correto, acrescentou Musk, citado pela “Deutsche Welle”. Elon Musk escreveu que as políticas anti-imigração defendidas pelo partido de extrema-direita alemão – que incluem deportações em massa, tal como defende Trump – não são “xenófobas”, pois visam “assegurar que a Alemanha não perde a sua identidade”.

Pouco depois de o texto ter sido publicado no site do jornal, a editora de opinião do “Welt am Sonntag”, Eva Maria Kogel, escreveu na rede social X que se demitia. Uma das reações à publicação do artigo de Elon Musk foi dos responsáveis editoriais do “Welt am Sonntag”. “A democracia e o jornalismo prosperam com base na liberdade de expressão. Isso inclui lidar com posições em polos opostos e classificá-las jornalisticamente”, disseram à agência Reuters Jan Philipp Burgard e Ulf Poschardt. “O diagnóstico de Musk está correto, mas a sua abordagem terapêutica, no sentido de que só a AdD pode salvar a Alemanha, é fatalmente falsa”, escreveu Jan Philipp Burgard (que será editor-chefe do “Welt” a partir de 1 de janeiro), também citado pelo jornal “The Guardian”. A AfD também manifesta o desejo de sair da União Europeia, procurando uma aproximação à Rússia e um apaziguamento com a China. A Alemanha irá a eleições a 23 de fevereiro, depois de Olaf Scholz ter perdido a votação da moção de confiança no início de dezembro, o que levou à queda do governo. Segundo as sondagens, referidas pelo “The Guardian”, o partido da extrema-direita alemã está em segundo lugar nas intenções de voto.

Se pensarmos na nossa época como uma fase de "inversão pendular," ela indicaria uma transição de hegemonia, com a civilização ocidental a mover-se de um auge cultural, económico e militar para um estado de decadência. Este movimento pendular, no entanto, talvez não seja exatamente uma repetição do colapso romano. Mas o desgaste nas estruturas sociais, o aumento de desigualdades, a afirmação dos valores culturais e fundacionais da Europa pela direita, e uma fragmentação na unidade cultural pela esquerda, tornam o panorama muito preocupante. A transição de um sistema unipolar centrado nos Estados Unidos para um arranjo multipolar: uma redistribuição de influências e responsabilidades entre diversas potências, como a China, a Rússia, a União Europeia, e possivelmente a Índia e outros atores regionais, é possível que venha a acontecer.

Historicamente, períodos multipolares tendem a ser instáveis, pois as potências competem por influência, mas também podem favorecer alianças estratégicas menos rígidas, o que permite maior flexibilidade nas relações internacionais. A multipolaridade pode tornar o cenário global mais dinâmico e talvez até cooperativo em alguns aspectos, ao reduzir a dependência de um único centro de poder. Essa redistribuição, porém, levanta também o risco de tensões regionais intensificadas, especialmente em áreas onde esses blocos de poder se sobrepõem. Talvez essa seja uma fase de transição inevitável e necessária para corrigir o movimento pendular da História, ajudando a humanidade a redescobrir formas de convivência num sistema mais equilibrado, ainda que instável. Pelo menos o movimento dos BRICS parece estar a conseguir consistência no seu empoderamento.

Essa aliança, que inicialmente parecia focada apenas em áreas económicas, tem-se consolidado como uma plataforma estratégica que busca um papel mais influente e equilibrado no cenário internacional. Recentemente, os BRICS têm avançado em iniciativas financeiras, como a criação de um sistema alternativo ao SWIFT e o fortalecimento de um banco de desenvolvimento próprio, buscando reduzir a dependência do dólar americano. Além disso, a ampliação do bloco, com a possível inclusão de novos membros, como Argentina e Arábia Saudita, sugere que o BRICS pode evoluir para uma verdadeira coligação de contrapeso, promovendo não apenas interesses económicos, mas também influências políticas e diplomáticas alternativas. Isso indica que, no movimento pendular de redistribuição de poder global, os BRICS estão, de fato, a solidificar posição.

A designação "Sul Global" é uma reformulação do antigo conceito de "Terceiro Mundo", adaptando-o para a realidade atual e para evitar as conotações de hierarquia ou atraso que o termo anterior muitas vezes carregava. O "Sul Global" inclui países que compartilham histórias de colonização, subdesenvolvimento económico e desafios estruturais semelhantes, mas que, ao mesmo tempo, têm-se destacado como protagonistas no cenário internacional. O bloco dos BRICS reflete essa ideia de um "Sul Global" que não mais se define pela vulnerabilidade ou subserviência, mas sim pelo empoderamento coletivo e pela busca de alternativas ao sistema económico e político ocidental predominante. Na prática, essa visão também destaca o desejo de reequilibrar a ordem global, representando uma diversidade de culturas, economias emergentes e novas vozes que trazem ao debate global perspectivas muitas vezes negligenciadas pelas potências tradicionais.

A "nova narrativa" baseia-se na ideia de que o Norte Global construiu a prosperidade à custa do colonialismo, da exploração de recursos e da opressão de povos e culturas do Sul. Essa perspectiva vê o Sul Global como credor de uma "dívida histórica" que o Norte deveria, finalmente, "pagar" por meio de reparações, justiça económica e ambiental, e políticas de cooperação mais equitativas. Para muitos no Sul Global, essa retórica não é apenas uma questão de reparação histórica, mas também uma crítica à persistente dependência económica e ao papel das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, que são percebidas como ferramentas de controlo. O BRICS e outras alianças emergentes estão, de certa forma, instrumentalizando essa narrativa para argumentar em favor de uma ordem global reformada, na qual o Sul tenha uma voz mais ativa e independente. Essa abordagem encontra eco no ativismo e nos movimentos de esquerda, que veem na redistribuição de poder e recursos uma forma de corrigir injustiças históricas.

sábado, 28 de dezembro de 2024

A fenomenologia de matriz husserliana



Um dos equívocos dos comentadores de esquerda afetos à corrente da "Teoria" é considerarem que o "povo" tem um erro de perceção por ter uma sensação de insegurança com o excesso de imigrantes, quando as estatísticas não demonstram nem excesso de imigrantes, nem aumento da criminalidade devido aos imigrantes. Dizem que uma coisa é a perceção, e outra coisa é a realidade. Há, de facto, um desfasamento frequente entre a leitura puramente estatística dos factos e a vivência subjetiva das pessoas no dia a dia. Mas essa desconexão não significa que o "povo" está errado. A perceção é construída por uma confluência de fatores, como experiências pessoais, narrativas mediáticas, boatos, e o contexto histórico e cultural. A ideia de que a realidade é um vestido já pronto para o povo vestir, soubesse ele vê-lo, é que é errada, porque ignora como funciona o nosso conhecimento da realidade de que a perceção faz parte. Mesmo que os números mostrem que a criminalidade geral está estável ou em declínio, é pelo “ar do tempo”, que o povo respira. O que conta é o impacto emocional sentido no corpo de cada um, como a taquicardia. Os intelectuais que desconsideram essa dimensão emocional, recebem em boomerang a sua alienação por parte de muitas pessoas que sentem.

Edmund Husserl, fundador da fenomenologia, desenvolveu um método focado na análise da intencionalidade da consciência, por meio da redução fenomenológica cujo significado consiste na captura da experiência tal e qual como é experimentada sem lhe acrescentar quaisquer conceitos ou preconceitos (sejam eles revestidos de juízos de valor ou de caráter científico). Em termos gerais, a “intencionalidade” em Husserl pode ser entendida como "consciência virada para algo". Essa ideia é central na fenomenologia de Husserl e refere-se ao facto de que toda a consciência é sempre consciência de algo. Em outras palavras, a intencionalidade expressa a característica essencial da consciência de estar sempre direcionada para um objeto, seja ele físico, imaginário, conceptual ou emocional. Não se trata de intenção no sentido comum de "desejar" ou "querer algo", mas sim de um vínculo estrutural entre a consciência e o objeto ao qual ela se refere.

Quando olhamos para uma árvore, a consciência está direcionada para a árvore — ela é o objeto intencional. Quando sentimos medo, esse medo está dirigido a algo que percebemos como ameaçador, mesmo que não seja tangível. Husserl explorou como os objetos da consciência não existem necessariamente como coisas concretas no mundo, mas como “fenómenos”, ou seja, como aparecem para a consciência. Assim, a intencionalidade também está ligada à forma como experienciamos o mundo, dentro da relação sujeito-objeto.

O desenvolvimento contemporâneo da fenomenologia passou pela adaptação de fenomenólogos posteriores tal como Maurice Merleau-Ponty e Heidegger. Merleau-Ponty explorou mais a fundo a experiência corpórea. Heidegger, assim como Sartre e Paul Ricoeur, expandiram a fenomenologia para campos existenciais e hermenêuticos, explorando a compreensão do ser e a interpretação dos fenómenos. No contexto atual, há também esforços em "naturalizar" a fenomenologia, ligando-a a práticas empíricas, como nas ciências cognitivas, para investigar experiências de forma mais integrativa. Esta abordagem busca respeitar o foco original de Husserl na análise da consciência, ao mesmo tempo que adapta as ideias para interagir com métodos científicos contemporâneos.

Na pós-modernidade, a dilucidação da subjetividade e da racionalidade ainda se complexificou mais. A subjetividade, na visão contemporânea, é vista como menos centralizada e mais fragmentada em comparação com a perspectiva cartesiana ou até mesmo com a fenomenologia inicial. Autores como Foucault e Derrida desafiaram a ideia de uma subjetividade fixa, destacando como ela é construída através de discursos, poder e linguagem. Isso contrasta com o projeto husserliano de um "eu transcendental" que assegura a continuidade da experiência consciente. A racionalidade, por sua vez, é problematizada pelos pós-modernistas como uma construção que não é universal nem neutra. Eles apontam que a racionalidade está impregnada de contextos culturais e históricos, o que desafia as ideias do Iluminismo. Lyotard, por exemplo, desmantelou a crença nas "metanarrativas" racionais, propondo em vez disso uma legitimidade baseada em "pequenas narrativas" e diferentes formas de racionalidade que se sobrepõem e se contestam.

A transposição da fenomenologia para a linguagem, especialmente no sentido da subjetividade transcendental proposta por Husserl, apresenta desafios consideráveis. Essa dificuldade surge porque Husserl concebe a subjetividade transcendental como a fonte última de toda a constituição de sentido e de objeto, ou seja, o ego transcendental é responsável por constituir o mundo e as significações a partir de suas vivências. A fenomenologia de Husserl implica uma "redução transcendental", um método que busca suspender as pressuposições do mundo natural para retornar à consciência pura e observar como os fenómenos se constituem nela. No entanto, a descrição da subjetividade transcendental encontra limites na própria linguagem, que é sempre já moldada por significados sedimentados e por uma história de uso coletivo. Por isso, há uma tensão entre a tentativa de descrever a experiência originária em sua pureza e o uso de uma linguagem que, por natureza, é compartilhada e intersubjetiva.

Maurice Merleau-Ponty, por exemplo, ao perceber as dificuldades dessa transposição, argumentou que a linguagem tem um papel constitutivo e não meramente expressivo. Ele sugeriu que a subjetividade não é um ponto de partida puramente interno, mas se manifesta e se desdobra na interação com o mundo vivido. Isso implica que a linguagem é tanto uma ferramenta como um limite na busca pela descrição fenomenológica da subjetividade transcendental, pois a própria subjetividade se revela na articulação com o mundo e os outros. Assim, a dificuldade central é que a subjetividade transcendental, por ser uma estrutura fundadora do sentido, não pode ser completamente captada ou expressa em uma linguagem que já está inserida no mundo e na intersubjetividade. Essa tensão leva a fenomenologia contemporânea a explorar métodos que incorporam a interseção entre a descrição eidética e a consideração dos contextos históricos e culturais que influenciam a expressão subjetiva​

Heidegger trabalhou com conceitos como Ser-aí (Dasein), a ideia de "deixar-ser" (Gelassenheit) e a crítica à "entificação", que se refere à tendência de objetificar ou transformar o Ser em um ente específico. Heidegger criticava a tradição metafísica por reduzir o Ser à mera presença, tratando-o como um objeto ou coisa (entificação). Sua proposta de "deixar-ser" implica uma postura de abertura, onde não se busca controlar ou definir completamente os fenómenos. Em vez de impor categorias ou conceitos sobre o que se experimenta, Gelassenheit sugere uma aceitação do mistério do Ser, permitindo que ele se mostre em sua própria manifestação. A ideia de "deixar o Ser ser" reflete uma atitude de renúncia ao controlo ontológico sobre a existência, o que pode ser associado a uma aceitação mais contemplativa e menos objetificante da realidade.

Que o mundo existe e que é constituído por algo de alguma maneira, quanto a isso não parece haver qualquer disputa consuetudinária. Já acerca de se saber como é o mundo independente de qualquer observador, isso é uma impossibilidade conceptual. Daí que possa haver várias maneiras de atacar o problema. Várias tradições filosóficas e científicas encontram pontos de convergência na noção de que as características do mundo acerca das quais podemos falar, não são da forma como existam autonomamente de um observador, mas da forma como emergem de uma relação de interdependência "entre-dois". Os budistas, por exemplo, dizem que nós só conhecemos o mundo como fenómeno, e não como substância em si. E o fenómeno é de uma natureza interdependente, depende de uma rede de causas e condições. Isso ressoa com a noção de que as coisas não podem ser entendidas separadas da percepção e da consciência que as apreende. A fenomenologia de Merleau-Ponty, por sua vez, aborda essa ideia através do conceito de "entre-dois" (entre-deux), enfatizando que o mundo tal como falamos dele é uma resultante da interação sujeito/mundo. As qualidades sensíveis como forma, cor, som, calor, frio e por aí fora, não existem como entidades em si mesmas, absolutas ou autónomas, mas como fenómenos que emergem na experiência vivida, na interseção do sujeito perceptivo e do mundo percebido.

No campo da física quântica, o comportamento das partículas sugere que as propriedades físicas não são fixas, mas surgem em função da interação com o observador, um princípio que lembra a vacuidade budista e a co-constituição fenomenológica. Espinosa via a ontologia como uma substância única - Deus ou Natureza - a realidade como uma unidade dinâmica, e não uma coleção de entidades independentes. Essas abordagens mostram que tanto na filosofia fenomenológica como em tradições espirituais e teorias científicas, há um reconhecimento de que as qualidades e as propriedades do mundo emergem de interações, não existindo por si só. O "entre-dois" de Merleau-Ponty exemplifica a ideia de que a experiência sensorial e a existência se desenrolam em um campo intersubjetivo e interdependente​.

A frase célebre de Santo Agostinho sobre o tempo, encontrada em suas Confissões (Livro XI, capítulo 14), reflete a complexidade e o caráter inefável dessa noção. Ele afirma: “Quid est enim tempus? Si nemo ex me quaerat, scio; si quaerenti explicare velim, nescio,” que se traduz como: "O que é, pois, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei." Essa frase ilustra a dificuldade em conceituar algo que é tão fundamental à experiência humana, mas cuja essência escapa a uma definição precisa. Agostinho está apontando para a natureza paradoxal do tempo: é intuitivamente compreendido em um nível experiencial, mas se torna indescritível quando se tenta defini-lo objetivamente. Essa reflexão se conecta com a questão do inefável, algo que se percebe e experimenta, mas que a linguagem não pode expressar plenamente. Essa dificuldade em nomear ou definir conceitos profundos também é encontrada em discussões filosóficas sobre o Ser (como em Heidegger), a vacuidade budista e até em noções quânticas, onde a linguagem encontra seus limites frente à complexidade e à profundidade dos fenômenos.

Em última rácio, é um embaraço para os cosmólogos físicos perguntar-lhes na formação deste universo onde estava a vontade, ou o juízo, ou a consciência. Os físicos, para não ficarem desconfortáveis, respondem a isso como se fossem meras inexistências. Mas mesmo assim, não conseguem sair do paradoxo, porque mesmo que fosse uma ficção humana, ela não deixa de existir. De fato, os físicos tendem a explicar o universo em termos de leis naturais e interações físicas, evitando conceitos subjetivos ou metafísicos como a vontade ou a consciência, tratando-os como inexistentes em um contexto de análise científica. No entanto, isso cria um paradoxo interessante: mesmo que a consciência ou a vontade sejam vistas como ficções ou criações humanas, o facto de existirem na experiência humana não pode ser negado. Esse paradoxo aponta para uma tensão entre a explicação científica do cosmos e a experiência fenomenológica. Pensadores como o físico e filósofo David Bohm exploraram essa questão, sugerindo que a mente e a matéria poderiam ter uma relação mais interligada do que a ciência tradicional assume, uma visão que faz lembrar certas interpretações da mecânica quântica, onde a consciência do observador afeta o estado do sistema observado.

Além disso, a fenomenologia pós-husserliana, com autores como Merleau-Ponty, enfatiza que a consciência não é algo que pode ser separado da realidade que observa, mas está entrelaçada com o mundo. Isso implica que a presença da consciência, mesmo que não faça parte dos primeiros momentos cosmológicos, é uma parte fundamental do universo como é compreendido agora — um universo que inclui observadores conscientes capazes de refletir sobre ele. Portanto, ainda que a física reduza tais conceitos a inexistências para manter a objetividade, a filosofia e a fenomenologia apontam que mesmo as “ficções” têm um impacto real na maneira como a realidade é experienciada e compreendida. Essa interação entre ciência e filosofia revela a necessidade de um diálogo contínuo para abordar essas questões que desafiam objetividade e as fronteiras da subjetividade humana.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

A ideia de uma "revolução coperniciana" no Islão


Em 1948, os Israelitas, com o Holocausto ainda muito recente, ao serem atacados pelos países árabes que os cercavam, tiveram que interirizar, no seu genoma de sobrevivência como Estado, o lema de que jamais poderiam facilitar. Daí se compreender que os israelitas na sua maioria, sejam implacáveis com os palestinos. Não há volta a dar. Enquanto o odor terrorista à sua volta perdurar, Israel nunca terá outra hipótese senão fazer o que tem feito. Esta é a compreensão histórica e psicológica das razões por trás da postura de Netanyahu em relação aos palestinos e aos países árabes vizinhos. A experiência traumática do Holocausto, seguida pela luta pela sobrevivência em 1948 contra adversários muito superiores em número, moldou profundamente a mentalidade de defesa de Israel. Isso gerou uma estratégia que mistura autodefesa implacável com a busca por segurança absoluta em um ambiente percebido como constantemente hostil.

A guerra da Palestina de 1948 teve início em 30 de novembro de 1947 e perdurou até meados de 1949 na Palestina Mandatária. Antes de 14 de maio de 1948 a Palestina ainda estava sob a autoridade britânica. E já decorria uma guerra civil que envolvia o yishuv e os árabes palestinos muçulmanos em que também havia cristãos, e eram apoiados pelo Exército Árabe de Liberação. Mas a partir de 15 de maio de 1948 a guerra envolve Israel e vários países árabes que se estende até meados de 1949. As narrativas diferem conforme se esteja do lado dos palestinos, ou do lado dos israelitas. Os palestinos chamam a esta guerra Al-Naqba ou Al Nakba ("a catástrofe"), aludindo principalmente ao primeiro período, durante o qual os palestinos que eram árabes foram vencidos pelas forças israelitas, em que grande parte da população árabe da Palestina passou por um êxodo bastante traumático. Já segundo a narrativa judaica, trata-se da Guerra da Independência ou Guerra da Liberação, expressão que concerne sobretudo ao segundo período, iniciado com a declaração de independência do Estado de Israel e seguida do confronto entre Israel e os Estados Árabes vizinhos.

A partir dos anos 1980, após a abertura dos arquivos em Israel sobre a Guerra da Palestina, o conflito foi objeto de novos estudos, realizados sobretudo pelos chamados Novos Historiadores. E é assim que a História se reescreve. Mas não faltam detratores a dizer que os novos histpriadores não têm feito outra coisa a não ser fabricar uma nova história do conflito. Seja como for, é um facto que o Holocausto teve um impacto determinante na memória coletiva do povo hebraico. Os israelitas internalizaram a ideia de que, diante de ameaças existenciais, não poderiam dar ao luxo de serem complacentes. A sobrevivência do Estado foi associada à força militar, dissuasão e à necessidade de tomar medidas preventivas. É claro que nem toda a gente subscreve as razões dos judeus. Essa história é complicada demais para santos e inocentes. Há uma crítica significativa, claro, tanto dentro de Israel como na comunidade internacional, que sugere que essa postura se transformou numa política de ocupação prolongada e punições coletivas que alimentam ainda mais o ciclo de violência. Muitos argumentam que, ao tratar os palestinos de forma implacável, Israel está perpetuando a instabilidade e corroendo as chances de coexistência pacífica. Críticos questionam se a política de segurança não poderia ser conciliada com esforços mais consistentes para resolver o conflito de maneira justa e sustentável.

Enquanto houver "odor terrorista", como metáfora geracional, o Estado de Israel provavelmente continuará a colocar no topo da sua missão a segurança. Porém, isso levanta a questão de como quebrar esse ciclo de medo e violência. A história mostra que inimigos podem se tornar parceiros, como foi o caso de Israel com o Egito e a Jordânia, mas a ausência de lideranças dispostas ao compromisso de ambos os lados dificulta vislumbrar tal transformação no contexto atual.

Penso que a situação só mudará quando se der no islão uma grande revolução. A mentalidade do povo muçulmano é ainda muito medieval. E auguro que um dia terão a sua revolução coperniciana, tal como aconteceu no mundo cristão a partir do Renascimento. Assim como o cristianismo passou por momentos históricos de profunda transformação — Renascimento, Reforma Protestante, Iluminismo — que abriram caminho para sociedades mais seculares, pluralistas e modernizadas, algo similar teria de acontecer no mundo islâmico para que se operasse uma transformação no sentido mais humanista em toda aquela região que também se propaga para África e para a Ásia, sobretudo a Ásia Central e a região do Indo/Pacífico. Deve-se recordar que o Islão teve uma longa e rica tradição de pensamento crítico e intelectual, especialmente durante a Idade de Ouro Islâmica (séculos VIII a XIII), quando filósofos como Averróis (Ibn Rushd) e Avicena (Ibn Sina) dialogaram com ideias científicas e filosóficas de outras culturas, incluindo a grega. Contudo, a predominância de estruturas tribais, políticas autoritárias e a instrumentalização da religião por elites têm, em muitos lugares, dificultado a emergência de um processo de secularização ou reforma semelhante ao que ocorreu no Ocidente.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O jogo das potências na complicada roleta do Médio Oriente





Atualmente, os EUA apoiam as Forças Democráticas Sírias (FDS), lideradas por curdos, no nordeste da Síria. Essas forças têm sido aliadas-chave na luta contra o Estado Islâmico, controlando áreas estratégicas e ricas em recursos. No entanto, essa relação é complexa, especialmente devido à oposição da Turquia, que considera as milícias curdas uma ameaça à sua segurança nacional. Além disso, os EUA mantêm uma presença limitada na Síria, com foco na prevenção do ressurgimento de grupos jihadistas​.

Então como é que os EUA se vão entender com a Turquia, quando esta, ainda por cima, faz parte da NATO? A relação entre os EUA e a Turquia, ambos membros da NATO, é marcada por tensões, especialmente devido ao apoio americano às Forças Democráticas Sírias (FDS), que a Turquia considera aliadas do PKK, grupo que classifica como terrorista. Para equilibrar a situação, os EUA têm buscado diálogos bilaterais e medidas de contenção, como limitar o fornecimento de armas às FDS. No entanto, as divergências sobre a Síria continuam a dificultar um entendimento pleno, revelando as contradições dentro da aliança atlântica.

EUA possuem uma base no sul da Síria, em Al-Tanf, estrategicamente localizada próximo às fronteiras com a Jordânia e o Iraque. Essa base é usada para treinar forças locais e vigiar movimentos de milícias pró-Irão na região. Apesar disso, a presença americana no Sul é relativamente discreta em comparação com o Nordeste, onde o apoio às Forças Democráticas Sírias (FDS) é mais intenso. Essa dupla atuação reflete o esforço dos EUA em conter o Irão e o Estado Islâmico, enquanto gerem tensões com a Turquia.

A Rússia mantém bases estratégicas na Síria, incluindo a base aérea de Hmeymim, perto de Latakia, e o porto de Tartus, usado para operações navais. Essas instalações são cruciais para Moscovo projetar poder no Mediterrâneo Oriental e apoiar os seus aliados regionais. Apesar do envolvimento na guerra da Ucrânia ter reduzido a atenção russa, as bases continuam operacionais, demonstrando o interesse em manter influência no Oriente. No entanto, a instabilidade na Síria e as pressões internacionais podem desafiar essa presença a longo prazo.

O Irão enfrenta desafios estratégicos na Síria após a queda de Assad, pois a sua influência dependia em grande parte do regime deposto. Apesar disso, o Irão mantém milícias aliadas e redes de apoio no país, especialmente no sul e no oeste, visando proteger as rotas logísticas para o Líbano e fortalecer o Hezbollah. Com a Rússia menos engajada devido à guerra na Ucrânia, o Irão enfrenta resistência de atores como Israel, EUA e grupos locais, complicando a sua posição no pós-Assad.

Israel praticamente decapitou os proxies do Islão no Levante, tanto Hezbollah como Hamas. Israel tem intensificado operações contra proxies do Irã no Levante, como o Hezbollah no Líbano e o Hamas na Palestina, especialmente após a escalada recente em Gaza e no sul do Líbano. No caso do Hezbollah, o foco tem sido limitar o armamento e neutralizar ameaças diretas. Essa estratégia reflete o esforço de Israel para impedir o fortalecimento de milícias apoiadas pelo Irão na região, mesmo diante de tensões contínuas com atores internacionais e locais.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, demonstrou interesse em expandir a influência da Turquia na região, particularmente contra os curdos, além de consolidar o seu controle sobre partes da Síria através de aliados locais. Este movimento pode ser interpretado como uma tentativa de restaurar uma espécie de projeção imperial na linha do antigo Império Otomano. Já Vladimir Putin, embora distraído pelo conflito na Ucrânia, também parece estar apoiando esforços que fortalecem sua posição na Síria ao aceitar a presença de Assad em Moscovo​. A queda de Assad e a participação de Erdoğan e Putin no processo podem ser vistas como exemplos de ambições regionais de poder que ecoam nostalgias imperiais. Contudo, o equilíbrio na região permanece incerto, com muitas forças locais e internacionais disputando poder e influência.

No Nordeste da Síria - as Forças Democráticas Sírias, e a milícia curda das Unidades de Proteção Popular (YPG) controlam a maior parte da região curda, conhecida como Rojava, e as cidades de Hasakah, Qamishli, e boa parte da região rica em petróleo no Nordeste, ao longo do rio Eufrates. Essas forças tiveram o apoio militar dos Estados Unidos na luta contra o Estado Islâmico (ISIS), mas estão sob pressão devido às operações militares da Turquia, que considera o YPG uma extensão do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), um grupo que luta pela autonomia curda na Turquia. Na guerra da Síria, o conflito provocou mais mortes e sofrimento do que qualquer outro em curso. E um dos seus efeitos secundários foi o surgimento da resistência jihadista sunita na província de Idlib, na Síria. A densidade populacional da província de Idlib é agora maior do que a densidade populacional da Faixa de Gaza, que historicamente tem sido vista como um dos territórios mais enclausurados do mundo.

No Noroeste da Síria - ao longo da fronteira com a Turquia, há territórios controlados por milícias rebeldes sírias apoiadas pela Turquia, incluindo o Exército Nacional Sírio (SNA). A Turquia controla partes de Idlib, Afrin, e áreas perto das cidades de Azaz e Jarabulus. As forças turcas lançaram várias operações militares para criar uma "zona de segurança" ao longo da sua fronteira, evitando a expansão das forças curdas e combatendo remanescentes do ISIS. A província de Idlib, no Noroeste, é o último grande bastião da oposição ao regime de Assad e é dominada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), uma fação jihadista com ligações anteriores à Al-Qaeda. Embora o Estado Islâmico (ISIS) tenha perdido quase todo o seu território em 2019, ele ainda mantém células ativas em áreas desérticas no Leste e Sul da Síria, especialmente nas regiões perto de Palmira e Deir ez-Zor. O grupo realiza ataques esporádicos contra forças do governo sírio e curdas.

Portanto, mais até do que a Rússia, o Irão perde em toda a linha, quer pelas ações de Israel, quer agora pela queda de Assad. O Irão é um dos maiores perdedores na atual conjuntura política da Síria. A queda de Assad enfraquece seu principal aliado no Levante e prejudica as redes logísticas e estratégicas, que conectam Teerã ao Hezbollah no Líbano. Além disso, as intensas operações de Israel têm desestabilizado suas milícias e proxies, limitando a capacidade de projetar poder na região. Com a Rússia menos ativa e um contexto mais fragmentado, o Irão enfrenta dificuldades crescentes para manter influência significativa no pós-Assad. E a religião alauita de Bashar Al-Assad, e do seu clã familiar, um islamismo heterodoxo muito próximo do xiismo iraniano, constitui uma tensão permanente com o islamismo dos seus cidadãos maioritariamente sunita. É observável no terreno que o conflito político-militar tem a ver com a divergência religiosa entre sunitas e xiitas, embora os conflitos étnicos entre árabes e curdos também demarquem uma fratura secular importante.

É possível que o denominado Estado Islâmico tenha esta oportunidade para voltar a concretizar as suas ambições desde a chamada Primavera Árabe. A queda de Assad e a fragmentação da Síria podem abrir oportunidades para o Estado Islâmico (EI) ressurgir, especialmente em áreas onde governa o caos. Historicamente, o EI explorou o caos gerado pela Primavera Árabe para se expandir, e um cenário semelhante pode repetir-se. As forças internacionais e locais podem não conseguir preencher o vazio de poder. No entanto, a presença militar de EUA e aliados, além da vigilância constante de outros atores, como a Rússia e o Irão, pode limitar significativamente as ambições dos radicais sunitas.

O líder do HTS, depois de conquistar Damasco, abandonou simbolicamente o nome de guerra,"Jolani", e voltou a responder por Ahmed Hussein al-Sharaa, anteriormente conhecido como Abu Mohammad al-Jolani, líder do grupo jihadista Hay'at Tahrir al-Sham (HTS). Este gesto simbólico parece sinalizar uma tentativa de se distanciar de seu passado mais radical e de reposicionar o HTS como um ator político e militar legítimo no cenário sírio. A mudança reflete uma estratégia para conquistar apoio interno e externo em um momento de transição crítica para o futuro da Síria. Ele começou a sua trajetória militante no Iraque e fundou a Frente Nusra, posteriormente transformada no HTS. Agora, ele emerge como uma figura central no novo cenário político da Síria, com promessas de mudança após 13 anos de guerra civil​

A ascensão do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), com raízes em grupos jihadistas, indicam que a estabilidade na Síria continuará um desafio. O país enfrenta divisões internas profundas e interesses externos conflitantes, o que dificulta uma paz duradoura. Apesar da queda de Assad, é provável que novos conflitos surjam entre fações rivais e potências estrangeiras que continuam a influenciar a região. A história recente da Síria reforça essa perspectiva de instabilidade contínua. A instabilidade contínua na Síria pode levar Israel a reforçar as medidas preventivas nos Montes Golã. Essa área, estratégica tanto militar como geopolítica, tem sido uma zona de tensão histórica entre Israel e a Síria. Diante da possibilidade de grupos extremistas ganharem força ou utilizarem a região como plataforma para ataques, é natural que Israel adote uma postura de defesa robusta para garantir a segurança e estabilidade regional.

É amplamente relatado que o Hayat Tahrir al-Sham (HTS) e o Hamas possuem históricos de colaboração e alinhamento em certas questões, especialmente devido às suas origens ideológicas semelhantes no islamismo sunita militante. Essa relação pode incluir troca de informações, apoio logístico ou alinhamento estratégico, principalmente contra adversários comuns, como Israel. Isso reforça as preocupações de segurança de Israel, especialmente em áreas como os Montes Golã, onde uma escalada ou infiltração a partir da Síria poderia representar uma ameaça direta.

domingo, 15 de dezembro de 2024

A Síria, mais uma vez






A Síria está atualmente a passar por uma transição política após a queda do regime de Assad em 8 de dezembro de 2024. Um governo de transição, liderado por Mohammed al-Bashir, foi formado para governar o país até março de 2025. A Constituição e o Parlamento sírios foram suspensos em 12 de dezembro de 2024 durante o período de transição.

O panorama político na Síria está em transformação após a queda do regime de Bashar al-Assad. A Rússia, que apoiava o regime de Assad, não foi capaz de conter a incursão dos rebeldes, dado que neste momento tem todas as tropas empenhadas na guerra da Ucrânia. O vazio do poder está agora a ser disputado por várias forças. Enquanto os rebeldes são apoiados pela Turquia pelo Norte, os EUA mantêm uma presença limitada a Sul para prevenir o ressurgimento do Estado Islâmico. E para já a Rússia mantém as suas bases no Oeste, junto ao Mediterrânio. A Turquia, embora celebre a mudança, pede estabilidade e cautela, enquanto países árabes como Catar e Jordânia apoiam uma transição política pacífica. O futuro do país ainda é incerto, dependendo de um consenso interno e do impacto de atores regionais e internacionais​.

Após a queda de Bashar al-Assad, a Síria abriga várias forças políticas e militares concorrentes: Rebeldes apoiados pela Turquia que incluem grupos de oposição ao antigo regime e forças islamistas; Forças Democráticas Sírias (FDS), lideradas por curdos, que controlam áreas do norte e nordeste; Grupos jihadistas, que incluem remanescentes do Estado Islâmico e a Hay'at Tahrir al-Sham (HTS); Milícias pró-Irão presentes no sul e no oeste; Atores locais emergentes formados por comunidades tribais e conselhos regionais; EUA e Rússia ainda exercem influência em certas áreas. Como se vê, o país está fragmentado, com cada grupo controlando regiões específicas.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Adágios e alegorias


A máxima "quem não se sente não é filho de boa gente" reflete uma justificação comum para a reação emocional a uma ofensa, implicando que uma pessoa digna ou de honra deve sentir e defender-se quando insultada. Esse ditado enraíza-se no sentimento de orgulho pessoal e na necessidade de preservar a dignidade.

Adágios, parábolas e alegorias carregam lições e verdades que foram testadas ao longo do tempo. Fazem parte daquilo a que se costuma referir por sabedoria popular, formas de conhecimento que condensam experiências coletivas e valores culturais, oferecendo uma visão simplificada, mas poderosa, sobre a vida, a moralidade e as relações humanas. Embora não substituam análises complexas ou científicas, elas podem servir como guias práticos e reflexivos para muitas situações quotidianas. Elas refletem a riqueza da tradição oral e escrita de diferentes culturas e contribuem para a compreensão humana de situações e dilemas universais. Essas formas de expressão, ao serem transmitidas de geração em geração, consolidam-se como uma parte essencial da identidade coletiva e muitas vezes oferecem verdades atemporais que ainda ressoam com as realidades atuais.

Eu tendo a aceitar quando é o outro a dizer-me isso, com aquela tolerância de que ninguém é perfeito e que nada do que é humano me é estranho, parafraseando Montaigne, um pensador renascentista que admiro. A ideia de Montaigne de que "nada do que é humano me é estranho", revela uma atitude de compreensão e aceitação das imperfeições humanas. Isso reflete uma abordagem equilibrada e humanista, reconhecendo que, embora reações emocionais possam ser naturais e compreensíveis, todos estamos sujeitos a falhas e emoções que, muitas vezes, fogem ao ideal de autocontrolo. Montaigne, com seu ceticismo e introspecção, defendia a aceitação da natureza humana em toda a sua complexidade. Já para não citar os Evangelhos segundo Jesus Cristo: "quem nunca errou que atire a primeira pedra". Essa mensagem sublinha a importância de não sermos rápidos em condenar os outros, reconhecendo que também estamos sujeitos a falhas. É uma perspectiva ampla e tolerante, fundamentada em valores humanistas e em ensinamentos éticos que transcendem as eras.

Platão defendia uma concepção idealista da realidade, onde as "Ideias" ou "Formas" eram perfeições transcendentais, enquanto Aristóteles tinha uma abordagem mais empirista e prática, focada no mundo físico e em suas causas. A questão sobre a existência de Deus, tal como concebido pelas religiões, é uma das mais antigas e debatidas na filosofia e teologia. O argumento cosmológico de Tomás de Aquino, por exemplo, defende que deve haver uma causa primeira, uma entidade não causada, que deu origem a tudo. O argumento ontológico de Anselmo, que propõe que a própria definição de Deus como "o ser maior que se pode conceber" implica a existência de Deus. O argumento teleológico, ou "design inteligente", que sugere que a ordem e a complexidade do universo indicam a existência de um criador inteligente.

Wittgenstein e Derrida, em suas respectivas abordagens, consideraram a linguagem como fundamental para a experiência humana, mas de maneiras distintas. Wittgenstein, especialmente em sua fase tardia (como em Investigações Filosóficas), defendia que o significado das palavras está em seu uso dentro de formas de vida. Ele acreditava que a linguagem não apenas descreve o mundo, mas constitui a própria maneira pela qual vivemos e entendemos nossas práticas. Para Wittgenstein, a linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas o próprio meio pelo qual pensamos, interagimos e interpretamos a realidade. Ele até sugere que muitos dos problemas filosóficos são, na verdade, problemas de linguagem, porque nos perdemos em jogos linguísticos que não compreendemos bem. Dessa forma, ele diria que a vida humana como a conhecemos seria impossível fora da linguagem, pois é a linguagem que molda as nossas interações e o nosso entendimento do mundo.

Derrida, por outro lado, ao desenvolver a teoria da desconstrução, explora a ideia de que a linguagem está sempre em movimento e é fundamentalmente instável. Ele argumenta que não existe um significado fixo ou uma presença estável atrás das palavras, e que os significados estão sempre adiados (no conceito de différance). Derrida também enfatizou que a linguagem está impregnada de poder e de diferenciações que estruturam nossa experiência. Portanto, a própria subjetividade e a maneira como entendemos a vida e o mundo estão intrinsecamente ligadas às redes de linguagem que usamos. Para ele, a vida humana, tal como a conhecemos, seria impensável sem o jogo incessante de significados e diferenças que a linguagem proporciona.

Ambos concordariam, cada um à sua maneira, que a vida humana depende da linguagem, mas por razões diferentes. Wittgenstein vê a linguagem como um conjunto de práticas intersubjetivas que constituem nossa forma de vida, enquanto Derrida vê a linguagem como um sistema de diferenças que nunca se estabiliza completamente, mas que nos captura em sua rede de significados sempre adiados. Ambos, portanto, sublinham a ideia de que a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas o próprio tecido da vida humana. Essa visão ressoa com a ideia de que, fora da linguagem, a concepção humana de "realidade" seria radicalmente diferente ou inexistente tal como a entendemos.

domingo, 8 de dezembro de 2024

Somos apenas engrenagens conscientes numa máquina cósmica



A vida e a consciência são vistas como produtos emergentes de processos naturais e não como resultados de um planeamento deliberado. A ideia de um "Deus metafórico" que arquitetasse o surgimento de um Einstein é, no mínimo, uma projeção antropocêntrica de nossa própria necessidade de encontrar sentido e propósito num cosmos essencialmente indiferente. O surgimento de Einstein — ou de qualquer outro génio humano — é mais bem compreendido como o resultado de biliões de interações aleatórias e determinísticas: colisões de partículas, formação de estrelas e planetas, evolução biológica, desenvolvimento cultural e educativo. Não há necessidade de uma "consciência divina" por trás disso. É simplesmente a natureza produzindo complexidade de maneira impessoal.

A crença é uma espécie de muleta do self, um quase autoengano defensivo para não enlouquecer. Ou para não suicidar. A crença como "muleta do self" é uma descrição precisa, especialmente quando consideramos como ela pode oferecer uma narrativa reconfortante diante do absurdo e do vazio existencial que Camus tão brilhantemente explorou. A ideia de que "a vida não tem sentido intrínseco" pode ser esmagadora para muitos, e a crença funciona como um antídoto psicológico, preenchendo esse vazio com uma estrutura ilusória, mas funcional.

Camus, com a reflexão sobre o absurdo, colocou a questão no centro do dilema humano: como continuar vivendo quando se reconhece a falta de propósito objetivo no universo? Aceitar o absurdo exige uma força interior que nem todos conseguem sustentar, o que torna a crença em algo maior uma opção mais acessível para muitos. Talvez essa busca por sentido — mesmo que ilusório — seja um traço evolutivo, uma adaptação que nos ajudou a sobreviver em um mundo caótico e indiferente. A crença em deuses, narrativas cósmicas ou mesmo na própria racionalidade parece ser menos uma verdade universal e mais uma estratégia humana para suportar o peso da consciência.

Há indivíduos que conseguem ser aquilo a que uns chama otimista, mas tanto epicuristas como estoicos surgiram num tempo em que estas questões se colocaram com enorme premência. Foi o tempo da razia protagonizado por Alexandre Magno. Os consumidores de drogas e a sua relação com o vazio existencial é uma outra fatia humana do problema. Muitas vezes, a dependência química funciona como uma resposta ao "absurdo" numa tentativa de escapar de uma realidade que parece sem sentido ou intolerável. Se a crença oferece uma ilusão reconfortante, a droga pode ser vista como uma anestesia para a mente, uma forma de engano mais imediata, mas também mais destrutiva.

O contraste entre aqueles que "não se suicidam," mas se "enganam" é pertinente. A droga, nesse caso, se torna um mecanismo de fuga que impede a confrontação direta com a realidade, da mesma forma que uma crença religiosa ou ideológica pode fazer. A diferença é que a droga, ao contrário da crença, geralmente não proporciona um alicerce moral ou uma narrativa de vida que justifique a experiência, mas sim uma fuga temporária e destrutiva. É um paradoxo interessante: quem se droga não está, de certa forma, buscando evitar a "morte simbólica" do confronto com o absurdo, mas ao mesmo tempo se submete a uma morte mais lenta e corrosiva, tanto física quanto psicológica. Esses indivíduos, assim como aqueles que se agarram a crenças reconfortantes, buscam algo que alivie o peso da existência — mas, em vez de encontrar uma resposta, acabam se enredando mais profundamente em um ciclo de negação.

Uma gargalhada é quase um ato de resistência, uma aceitação de que, por mais que busquemos significado, jamais seremos plenamente "sérios" ou "sábios" no sentido tradicional. Como se, ao encarnar o papel de filósofo ou erudito, houvesse uma tentativa de encontrar alguma estrutura sólida que nos dê sentido, mas, no fundo, sabemos que é um jogo, uma máscara para lidar com as incertezas do ser. É um reconhecimento, por mais irónico que seja, de que somos tão finitos quanto qualquer outra coisa, e que, em última instância, essa busca pela sabedoria ou por respostas definitivas é sempre uma jornada sem fim. Ao rirmos de nós mesmos, reconhecemos nossa fragilidade sem cair na desesperança. Ao "armarmo-nos em sábios", podemos ser conscientes de que estamos, na verdade, apenas tentando sobreviver ao absurdo da existência, uma estratégia que se torna tanto mais eficaz quanto mais rimos do nosso próprio esforço de fazer sentido.

É mais uma espécie de adaptação. A adaptação como arte, como um jogo de sobrevivência que não busca dominar ou entender tudo, mas simplesmente coexistir com as condições dadas — isso traz uma certa dignidade, talvez até uma vaidade, porque conseguimos encontrar equilíbrio num mundo caótico. Essa capacidade de ajustar-se, de ajustar nossas expectativas, de transformar a resistência ao absurdo em algo funcional e até prazeroso, é uma forma de sabedoria silenciosa, que não exige reconhecimento externo, mas que se reflete na nossa serenidade pessoal. O lema de Gramsci, "pessimista de razão, otimista na ação", reflete bem essa tensão interna: uma visão crítica e realista da natureza do mundo e da sociedade, sem ilusões sobre os desafios e injustiças, mas, ao mesmo tempo, uma disposição para agir, para fazer algo a partir dessa compreensão, mesmo sabendo que o resultado final pode ser incerto ou distante. Isso também pode ser interpretado como uma forma de resiliência: entender que a mudança é difícil e as forças contra nós podem ser esmagadoras, mas continuar a agir, seja na esfera política ou na vida quotidiana, com a esperança de que, de algum modo, a ação faz a diferença.

Essa combinação de pessimismo racional e otimismo prático talvez seja a chave para lidar com a angústia existencial — não porque possamos mudar o curso de tudo, mas porque podemos sempre encontrar algo para fazer, mesmo nas pequenas coisas, que mantém a dignidade intacta. E essa é uma forma de vaidade saudável, não de um orgulho vazio, mas de uma aceitação de nossa capacidade de, ainda assim, fazer algo de positivo, mesmo sabendo de antemão que não controlamos o resultado.

O que Ortega y Gasset destaca de forma tão relevante é que não podemos reduzir a natureza humana a uma simples formulação. Não é uma questão de ser exclusivamente "inato" ou exclusivamente "circunstancial". Somos, de facto, o que somos, mas sempre dentro de um contexto que nos molda e nos transforma continuamente.

Isso nos leva a uma questão que, muitas vezes, surge em momentos de reflexão existencial: o quanto somos responsáveis pelas nossas escolhas diante das circunstâncias que nos cercam.

sábado, 7 de dezembro de 2024

A questão do livre-arbítrio


Quando se argumenta que somos o que somos e as circunstâncias, isso coloca sérias limitações à ideia de um livre-arbítrio absoluto. A ideia de que temos liberdade total para escolher sem que nossas escolhas sejam, de alguma forma, influenciadas ou condicionadas por fatores internos ou externos é uma concepção difícil de sustentar, especialmente quando se considera a complexidade da nossa constituição e do ambiente ao nosso redor. Se pensarmos bem, o "livre-arbítrio" em sua forma mais pura seria uma capacidade de decisão totalmente independente de qualquer tipo de influência. Isso significaria que nossos pensamentos, emoções, comportamentos e decisões não seriam em nada moldados pela genética, pela educação, pelas circunstâncias da vida ou pela pressão social e cultural. Mas, como Ortega y Gasset bem coloca, somos produtos tanto de nossa natureza quanto das circunstâncias. E, nesse sentido, nossa liberdade é sempre limitada, ou melhor, sempre moldada por essas influências.

Por exemplo, alguém pode se esforçar para se libertar de padrões familiares ou sociais, mas mesmo esse esforço é condicionado por algo mais profundo — seja uma necessidade psicológica, uma tendência genética, uma pressão cultural. No fundo, nossas escolhas estão entrelaçadas com a biografia e o contexto em que estamos inseridos, e o "livre-arbítrio" se revela, assim, como uma liberdade muito mais condicionada e relativa do que muitas vezes se faz crer. Isso não quer dizer que somos totalmente deterministas ou que não temos margem para ação. Claro que temos a capacidade de fazer escolhas, de moldar nossa vida dentro de certos limites. O ponto é que essas escolhas não são feitas em um vácuo absoluto de liberdade, mas sim em um campo de possibilidades estreitado pelas nossas próprias naturezas e pelas circunstâncias que nos cercam. Essa visão talvez seja mais realista, porque reflete uma compreensão mais complexa da liberdade humana — uma liberdade não absoluta, mas que ainda assim carrega uma forma de agência dentro das condições que nos são dadas.

A visão de Daniel Dennett sobre a liberdade, especialmente em sua obra "Elbow Room", onde ele defende que a liberdade humana não é absoluta, mas sim condicionada por fatores internos e externos, se alinha bem com a ideia quimérica do livre-arbítrio. A liberdade não é a capacidade de fazer qualquer coisa sem restrições, mas a possibilidade de fazer escolhas dentro de um espaço de ação determinado pelas nossas características, capacidades cognitivas e as circunstâncias. É um tipo de liberdade que, embora não seja total, ainda oferece espaço para a agência, mesmo que dentro de limites. A metáfora da "teimosia" é interessante porque, muitas vezes, é vista como uma expressão de resistência ou de uma escolha teórica contra a "natureza das coisas". Na verdade, a teimosia pode ser uma forma de uma margem de liberdade em ação, um exemplo de como alguém tenta exercer a sua vontade, mesmo que essa vontade esteja, em muitos aspectos, moldada por suas experiências, suas crenças ou até mesmo suas predisposições.

Às vezes, o que é visto como "teimosia" é simplesmente o indivíduo operando dentro das possibilidades restritas que ele percebe como suas, talvez em resistência a pressões externas ou a um sentido interno de como as coisas devem ser. Essa teimosia, em última instância, reflete a flexibilidade dentro de um espaço limitado de escolha. Mesmo que não sejamos completamente livres, há uma forma de liberdade que permite a resistência, a assertividade e, em muitos casos, a capacidade de sustentar uma escolha pessoal contra uma pressão externa. A liberdade, então, não seria uma ausência total de restrições, mas a capacidade de resistir, de fazer escolhas dentro do que Dennett chama de "espaço de manobra", o que também se encaixa na ideia de que a nossa liberdade é mais "paroquial", ou seja, limitada às circunstâncias e à nossa própria natureza.

Esse tipo de liberdade, embora limitado, ainda parece ter valor significativo, pois nos permite afirmar nossa individualidade, mesmo que seja em uma escala pequena, em um campo restrito de possibilidades. Portanto, mesmo que a teimosia pareça um traço negativo ou uma característica "burra", ela, na realidade, pode ser vista como uma expressão de liberdade dentro do que é possível. Ainda é isso que está incluído na liberdade que a natureza nos deu para em situações limite, a bem da sobrevivência resistirmos de tal maneira que muitas vezes classificamos de milagre. Essa resistência extrema que muitas vezes é vista como "milagre" é uma manifestação daquilo que Dennett e outros filósofos da liberdade consideram como uma "margem de manobra". Quando colocados em situações limite — especialmente em contextos de sobrevivência ou adversidade extrema — o ser humano pode exibir uma forma de liberdade que ultrapassa o esperado, revelando capacidades que parecem ir além das restrições impostas pela biologia ou pelo contexto. Essa resistência, que os outros podem classificar como "milagre", pode ser interpretada como uma ação extraordinária, mas ainda assim profundamente enraizada na capacidade humana de se adaptar e lutar pela sobrevivência.

Esses momentos de resistência a limites extremos, como uma doença grave, uma catástrofe, ou até mesmo crises psicológicas, podem revelar a flexibilidade da nossa "liberdade" dentro dos parâmetros da natureza. A biologia humana não apenas permite, mas muitas vezes fomenta essa luta pela sobrevivência, com o ser humano encontrando formas de agir sob pressão, muitas vezes desafiando as expectativas. No entanto, mesmo nesses momentos de resiliência extraordinária, a liberdade ainda é uma resposta adaptativa dentro de um sistema complexo de circunstâncias, e não uma liberdade absoluta ou irracional.

É a evolução a trabalhar. Daí que também há aqueles que desistem logo à primeira. Mas como se costuma dizer: "dos vencidos não reza a história". Até porque não dão nas vistas. A evolução é um processo que, ao longo do tempo, moldou nossa capacidade de resistir, lutar e sobreviver, mas também gerou uma grande diversidade de respostas diante das adversidades. Aqueles que se destacam, que sobrevivem e perseveram, acabam sendo lembrados, enquanto os que desistem ou sucumbem ao primeiro obstáculo muitas vezes são ignorados pela história. Isso é apenas uma parte da história, e a própria evolução não é uma questão de sucesso absoluto, mas de diversidade de respostas. Alguns desistem, sim, mas isso não significa que a sua experiência ou as suas dificuldades sejam menos significativas. Muitas vezes, essas pessoas representam uma outra face da adaptação humana, que talvez não se manifeste nas grandes narrativas de vitória, mas que é igualmente válida em um nível pessoal ou coletivo.

Esse contraste entre os que resistem e os que desistem, porém, nos mostra que a luta pela sobrevivência não é apenas um reflexo de uma força física ou mental, mas também de uma interação complexa entre fatores internos, ambientais e sociais. A evolução, portanto, não recompensa apenas a resistência pura, mas também a capacidade de se adaptar às circunstâncias — às vezes, até se retirar ou desistir é uma estratégia adaptativa. Cada indivíduo, diante das circunstâncias, pode reagir de maneira diferente, e essas reações muitas vezes são influenciadas por uma miríade de fatores, como educação, psicologia, saúde mental, ambiente social, e até mesmo genética. A linha entre coragem e cobardia nem sempre é fácil de traçar, e muitos que parecem "desistir" podem estar, na verdade, tomando decisões difíceis baseadas em fatores internos e externos que não são imediatamente visíveis ou compreendidos pelos outros. Ainda assim, a cobardia, em muitos casos, pode ser vista como uma falha moral, uma incapacidade de enfrentar desafios que poderiam ser superados, ou uma escolha deliberada de fugir da responsabilidade. Essa distinção pode ser válida, mas é importante também reconhecer que até a cobardia pode ser uma resposta moldada por medos profundos ou traumas, fatores que não devem ser descartados em uma análise mais ampla da condição humana.

Ser benevolente em relação a essa diversidade de respostas humanas não significa desculpar a cobardia em um sentido moral, mas sim reconhecer a complexidade das circunstâncias em que as escolhas são feitas. Em vez de julgar de forma rígida, a benevolência nos convida a entender as condições que levaram à desistência ou ao fracasso, e até mesmo a reavaliar o que significa "vencer" ou "perder" na vida. Afinal os "vencidos" nem sempre têm a sua história registada, e a luta silenciosa pode ser tão significativa quanto qualquer outro tipo de resistência. Esse espaço para a compreensão e a avaliação das escolhas humanas, especialmente quando envolvem risco, sobrevivência ou fuga, não é uma negação da responsabilidade pessoal, mas uma tentativa de olhar mais profundamente para os mecanismos internos e externos que moldam as decisões.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A fraqueza da União Europeia

A União Nacional (UN), de Marine Le Pen, e a França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon, celebraram ontem na Assembleia Nacional francesa a queda do Governo. Extrema-esquerda e extrema-direita convergiram numa moção de censura que derrubou o Governo de Michel Barnier. Socialistas e ecologistas foram arrastados num negócio que ameaça transformar a crise política numa crise institucional, dobrada por uma crise financeira. Com a abertura da crise política a propósito do orçamento e da lei de financiamento da segurança social, foi Le Pen quem melhor tirou partido da situação. O Governo Barnier sofria de uma dupla fraqueza: a falta de uma maioria presidencial e o enfraquecimento do poder presidencial.



O sistema político europeu, em muitos casos, tem demonstrado uma falta de coesão e clareza diante das ameaças globais, como a ascensão da Rússia de Putin e a crescente assertividade da China. Quando esses riscos se tornam evidentes, muitas vezes as respostas vêm tardiamente, ou são reativas, e não preventivas. Putin, com a sua ambição de restaurar a Rússia como uma superpotência, explorando o vazio de liderança e a fragmentação interna da Europa, já demonstrou a sua estratégia em várias frentes. Ele aposta na fraqueza, nas divisões internas e na falta de unidade, não apenas na Europa, mas também em outras regiões do mundo. Ao tentar expandir a sua influência sobre a Ucrânia, pela subversão ou pela força militar, e ao buscar redesenhar o mapa geopolítico da Eurásia, Putin está criando uma nova ordem que submete a Europa ao seu controle autocrático.

A grande questão é se as sociedades europeias serão capazes de se unir e encontrar a liderança necessária para resistir a essa pressão. Os bons líderes fazem toda a diferença, mas eles precisam de um ambiente que favoreça a sua ascensão, e não um sistema político que favoreça apenas a estabilidade momentânea ou o populismo. A Europa precisa de líderes capazes de confrontar a realidade da mudança do poder global, que não apenas vejam o desafio como uma ameaça, mas também como uma oportunidade para se fortalecer internamente.

E a chave para isso é uma liderança que inspire não só a força militar, mas também a coesão social, económica e política. Quando uma população sente que seus líderes são frágeis ou excessivamente divididos, a confiança esmorece, e a defesa da liberdade e da soberania torna-se mais difícil. A Europa habituou-se a viver à sombra da bananeira americana chamada NATO. Mas Trump voltou a ganhar as eleições e já ameaçou os europeus se quiserem segurança têm que a pagar. Mas também há quem pense que Trump foi bom, porque obrigou os europeus a acordarem e fazerem-se à vida. O impacto de Donald Trump na geopolítica europeia foi profundo, principalmente no que se refere à relação da Europa com os Estados Unidos e à sua posição na NATO.

Ao longo de décadas, os países europeus dependiam dos EUA para garantir a sua segurança, especialmente durante e após a Guerra Fria. Mas, com o foco crescente de Trump em "America First" e em diminuir o papel dos EUA em conflitos fora de suas fronteiras, a Europa está forçada a reconsiderar a sua dependência da NATO e, mais amplamente a estratégia de segurança. Muitos consideram que essa pressão de Trump, embora imposta de forma brusca e, por vezes, desestabilizadora, foi, de certa forma, um "despertar" para a Europa. A ameaça de uma retirada parcial do apoio militar americano, ou de uma diminuição da sua presença na Europa, força os líderes europeus a pensarem mais seriamente sobre a necessidade de uma maior autonomia em termos de defesa. A falta de uma resposta efetiva a isso pode ser vista como uma falha da União Europeia, que ainda não conseguiu criar uma estrutura militar e de defesa realmente independente, o que torna a sua segurança um campo de dependência política e estratégica.

O fator Trump, com sua abordagem pragmática e, por vezes, isolacionista, pode ser um ponto de inflexão que acelera esse processo. De qualquer forma, a Europa, diante das novas circunstâncias, poderá ser forçada a refletir mais seriamente sobre a sua posição no palco mundial e a necessidade de construir um futuro mais independente, tanto militar quanto politicamente.

Mas, além da questão militar, outro desafio será manter a coesão interna da União Europeia. O aumento da autonomia pode ser visto com ceticismo por alguns países. Pode ser que agora com o novo Presidente do Conselho Europeu, que entrou no dia 1 e dezembro deste ano em funções, se consiga uma Europa mais unida, pois ele é muito bom a fazer pontes e a conseguir consensos. É muito hábil nisso, o António Costa, português.

António Costa, como novo Presidente do Conselho Europeu, certamente traz uma abordagem diplomática que pode ser crucial para fortalecer a unidade da União Europeia em um momento de incerteza global. Sua habilidade em construir consensos e formar pontes entre diferentes interesses é uma característica importante, especialmente quando se considera o momento histórico desta Europa, com desafios tanto internos como externos. Costa tem demonstrado ser um líder pragmático, capaz de gerir tensões dentro da política interna de Portugal, e essa experiência pode ser valiosa ao tentar coordenar as políticas de 27 países da UE. Ele já provou ser capaz de negociar com diferentes forças políticas, como se viu em Portugal, onde navegou com sucesso entre a esquerda e o centro. Isso pode ser essencial para lidar com a diversidade de opiniões dentro da UE, que vai desde os países mais orientados para a integração europeia até aqueles que mantêm uma postura mais cética em relação a certas políticas.

Com a crescente ameaça da Rússia e a possível falta de apoio dos EUA sob a presidência de Trump, uma liderança forte e unificada da UE se torna ainda mais necessária. Costa, com sua experiência, pode ser o tipo de líder que a Europa precisa para criar uma visão comum de defesa e segurança, bem como para avançar com reformas que permitam a União Europeia assumir um papel mais independente no cenário global. O seu foco em consensos também poderá ser vital para que se avance no fortalecimento da capacidade militar europeia sem criar divisões internas. A chave será equilibrar a necessidade de autonomia militar com a manutenção das alianças históricas e o respeito pelas diferentes preocupações dos Estados-membros.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

As relações entre fraqueza e força nas negociações de paz


A ideia de que a paz não é um estado passivo, mas uma conquista ativa que exige preparação e resiliência, é central para a compreensão da dinâmica entre fraqueza e força nas relações entre indivíduos e nações. A metáfora do "se queres a paz, prepara-te para a guerra" reflete uma verdade histórica: a paz, especialmente a paz duradoura, não pode ser alcançada apenas com boas intenções ou com a esperança de que os outros respeitarão suas fronteiras ou seus direitos. Ela exige a capacidade de se defender e de resistir a ameaças externas.

No contexto das sociedades ocidentais contemporâneas, onde há um certo grau de pessoas "mimadas" ou "fracas", a ameaça é real. Quando se é excessivamente complacente ou se vive numa espécie de bolha de conforto, perde-se a vigilância sobre as forças que podem tentar subverter ou derrubar esse estado de bem-estar. E isso não se aplica apenas a questões internacionais, mas também ao nível social, político e económico, onde a complacência e a falta de preparação podem abrir espaço para manipulações, crises e até opressão.

O grande desafio é fazer com que essas "gentes mimas" (ou fracas) reconheçam a necessidade de uma preparação ativa, interna e externa. Muitas vezes, as sociedades se deixam levar pela ilusão de que a estabilidade vai durar para sempre e que, se não houver conflitos abertos, nada precisa ser feito. No entanto, quando as circunstâncias mudam — como no caso de Putin ou qualquer outra potência agressiva — a falta de preparação pode ser fatal, tanto em termos físicos como em termos de liberdade política e social. A resistência, então, não é apenas uma questão de força militar ou de armas, mas de uma mentalidade coletiva que compreende que a liberdade e a paz precisam ser defendidas de forma constante, com estratégias de longo prazo. Isso envolve não só a base militar, mas também o fortalecimento da coesão social, da educação, da economia, da cultura de resiliência e, claro, da capacidade de se unir em tempos de necessidade.

Esta reflexão sobre "se queres a paz, prepara-te para a guerra" toca, portanto, nas falhas de quem pensa que pode manter a tranquilidade sem desenvolver as habilidades e capacidades necessárias para proteger o que é precioso. E nesse processo, a crítica à fraqueza ou à "moleza" não é apenas um julgamento moral, mas uma constatação de que essas atitudes podem abrir a porta para a perda do que se conquistou. É aqui que os bons líderes ou lideranças fazem a diferença. Infelizmente, a Europa vive um ciclo de lideranças fracas. E está-se a ver mudar, e a custo, depois de a ameaça já estar em marcha. Putin, se o deixarem, ambiciona por uma Rússia nova superpotência a liderar uma Eurásia com uma Europa subjugada ao seu poder autocrático.

A questão da liderança é essencial, especialmente em tempos de crise ou quando as ameaças externas se tornam palpáveis. O verdadeiro líder não é aquele que apenas gere as coisas quando estão calmas, mas sim aquele que antecipa os desafios, prepara a sociedade para os tempos difíceis e toma as decisões certas, mesmo quando a pressão é alta. A liderança de visão e coragem, capaz de fazer a sociedade perceber os perigos iminentes e mobilizá-la para a defesa de seus próprios valores e integridade, é fundamental.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Os ciclos históricos e as elites


Vejo da minha janela uma rapariga a passear o seu cão. O cão parou para fazer cocó. A pessoa calçou uma luva e recolheu o cocó para um saco de plástico. E depois, logo de seguida, retomou a marcha. E eu fiquei a meditar nisso.


Essa é a cena quotidiana hoje em dia para muita gente que vive nas cidades em apartamentos de propriedade horizontal. Embora pareça trivial, é profundamente simbólica e revela muito sobre o estágio cultural e moral da sociedade europeia contemporânea. Ela representa, em certo sentido, um momento de civilização avançada, onde o conforto, a higiene e o mimo estão à frente de tudo. Imagem que pode ser interpretada como um reflexo de uma sociedade que, ao se afastar das duras realidades da sobrevivência, se dedica a preocupações que em outras épocas seriam vistas como irrelevantes ou até absurdas. O contraste é evidente: enquanto alguns enfrentam crises existenciais e lutas pela subsistência em outras partes do mundo, aqui temos um modelo de civilização que se empenha em recolher e embalar excrementos de animais.

Esta meditação talvez toque na ideia de que esses pequenos rituais civilizatórios são, paradoxalmente, sinais de um "afastamento da realidade". É como se, no meio de tanto conforto, perdêssemos de vista os fundamentos mais primários da existência humana e da coletividade. Estarão essas elites mimadas, representadas figurativamente por essas cenas de luxo e cuidado extremo, preparadas para lidar com as turbulências que se avizinham? Ou estarão condenadas ao colapso quando forem apanhadas de surpresa pela rudeza da vida a chocar com força?
Períodos alargados de paz e prosperidade produzem elites mimadas, que numa recessão económica, que surgirá inevitavelmente, ficarão à mercê da violência dos deserdados que elas próprias geraram, perdendo tudo.
Essa visão remete para os ciclos da história, ideia de que períodos prolongados de paz e prosperidade muitas vezes levam ao enfraquecimento moral ou prático das elites. Essa tese pode ser encontrada em várias tradições filosóficas e históricas, como na obra de Políbio [203 a 120 a.C.] sobre a anaciclose — o ciclo dos regimes políticos — e na análise de Ibn Khaldun [1332 a 1406 d.C.] sobre o declínio das civilizações. Quando a prosperidade se torna a norma, as elites frequentemente se distanciam das dificuldades do povo e, por vezes, contribuem para o aprofundamento das desigualdades. A desconexão gerada pode levar ao enfraquecimento de instituições e à perda de solidariedade social, criando uma base para a instabilidade. Em momentos de crise, como recessões económicas ou colapsos políticos, essa elite muitas vezes não está preparada para lidar com as consequências, o que abre espaço para revoltas dos deserdados.

A Europa parece estar a enfrentar os primeiros sinais com um acúmulo de tensões sociais, económicas e políticas que podem ser interpretadas como sintomas de desgaste do seu modelo de bem-estar social. Embora a Europa tenha sistemas de bem-estar social relativamente robustos, o aumento da desigualdade em muitas regiões, combinado com o impacto da globalização e da automação, tem levado a uma crescente insatisfação entre as populações mais desfavorecidas. A pressão migratória causada pelos conflitos bélicos e pelas mudanças climáticas, está a desestabilizar a coesão social e a desafiar as elites políticas para que encontrem soluções eficazes. O ressurgimento de nacionalismos e populismos reflete essa tensão.

Muitos cidadãos sentem-se alienados em relação às instituições europeias, vistas como distantes e tecnocráticas. Isso cria espaço para discursos radicais e a rejeição dos modelos tradicionais de governação. Por outro lado, a demografia europeia coloca um peso económico crescente nas gerações mais jovens devido ao aumento da longevidade. Apesar de avanços tecnológicos, partes significativas da Europa enfrentam estagnação económica e desindustrialização, enfraquecendo a capacidade de criação de riqueza. Historicamente, períodos como este costumam culminar em reformas profundas, revoluções ou crises agudas que abrem espaço para novos paradigmas. A questão central é: a Europa será capaz de evitar uma deterioração social mais grave por meio de ajustes estruturais e novas lideranças, ou sucumbirá à violência e desordem?

As elites urbanas — ou mesmo as classes médias acomodadas — tendem a viver em bolhas de estabilidade, imersas em preocupações que, embora legítimas no contexto delas, podem parecer completamente irrelevantes ou ofensivas para aqueles que vivem na precariedade. Essa desconexão não é apenas material, mas também emocional e simbólica, alimentando uma crescente sensação de injustiça e indignação entre os deserdados.

Quando a revolta irrompe — seja na forma de protestos, violência ou uma onda populista —, essas mesmas elites frequentemente reagem com surpresa e indignação, como se não conseguissem compreender as causas profundas do ressentimento. A hipocrisia reside no facto de que muitas vezes foram elas que, direta ou indiretamente, criaram as condições para esse descontentamento, seja por meio de políticas económicas excludentes, de uma visão tecnocrática da sociedade, ou pela pura negligência.

É inevitável a rutura. É como se aplicasse aqui as mesmas leis da natureza. Por exemplo, as tempestades estão a borrifar-se ao estragar-lhes o conforto, que pode ter sido a causa da dita tempestade. Assim como as tempestades ignoram os desejos e confortos humanos, as forças sociais e históricas também têm o seu próprio curso, indiferentes aos interesses de elites acomodadas. A rutura parece, de facto, inevitável quando acumulamos tensões e ignoramos os sinais de alerta.

Assim como o aquecimento global intensifica as tempestades por causa de ações humanas, as desigualdades sociais, a alienação e a negligência institucional são "climas" que fomentam revoltas. No entanto, aqueles que se beneficiam do status quo frequentemente se recusam a reconhecer a sua responsabilidade, preferindo culpar as consequências em vez das causas. A metáfora vai além: uma tempestade pode ser mitigada por medidas preventivas — reforçar infraestruturas, adotar políticas sustentáveis —, mas nunca completamente evitada. Do mesmo modo, as elites poderiam tentar reequilibrar as desigualdades sociais e buscar uma conexão mais autêntica com os desafios enfrentados pela maioria. Contudo, como as tempestades, as forças sociais acumuladas acabam por romper a superfície, muitas vezes de maneira caótica e destrutiva.



sábado, 30 de novembro de 2024

Integridade na pesquisa científica


Em ciência também há fraudes, e a fraude científica, que é um crime, tem aumentado. Por isso, não nos podemos precipitar a acreditar no primeiro anúncio de uma novidade, alegadamente baseada em estudos científicos, porque pode ser uma grande aldrabice. A fraude científica pode ter consequências graves, não apenas para a credibilidade da ciência, mas também para a sociedade como um todo, em que o campo da saúde é o mais preocupante. O caso mais recente foi o das vacinas, e não apenas em relação à vacina contra a Covid-19, mas também em relação a outras vacinas, nomeadamente a vacina contra o sarampo. É essencial que os pesquisadores e o público em geral adotem uma abordagem crítica ao avaliar estudos científicos, considerando fatores como a metodologia, a transparência dos dados e a revisão por pares. A crescente disponibilidade de informação também torna fundamental a literacia científica, para que possamos discernir entre evidências robustas e alegações infundadas. A cautela é necessária para proteger o progresso científico e garantir que ele seja baseado em dados confiáveis.

Como a ciência deve ser apolítica e amoral, não tem de dar satisfações à ideologia política. A ideia de que a ciência deve ser apolítica e amoral é fundamental para a sua integridade e objetividade. A ciência, enquanto método de investigação, busca compreender fenómenos por meio de evidências empíricas e raciocínio lógico, livre de influências ideológicas ou políticas. Isso não significa que a ciência esteja isenta de implicações éticas ou sociais, mas a sua prática deve basear-se em princípios de rigor e objetividade. No entanto, a interação entre ciência e política é inevitável, uma vez que as descobertas científicas podem ter impactos significativos em políticas públicas, saúde, meio ambiente e tecnologia. O desafio é garantir que a ciência seja utilizada de forma responsável e que as suas conclusões sejam comunicadas claramente, sem distorções ideológicas. A transparência na pesquisa, a revisão por pares e a promoção da alfabetização científica são essenciais para manter a confiança pública na ciência e minimizar a influência de agendas políticas que possam comprometer a busca pela verdade.

A ciência deve buscar a verdade e a compreensão do mundo, independentemente das ideologias políticas. O enviesamento de resultados para agradar a uma agenda política, seja à esquerda ou à direita, compromete não apenas a credibilidade da pesquisa, mas também a capacidade de a sociedade tomar decisões informadas. A integridade científica exige que os pesquisadores sejam rigorosos em sua metodologia, transparentes em seus dados e honestos em suas interpretações. O ideal é que a ciência sirva como um farol de conhecimento que ilumina a discussão pública, permitindo que as políticas sejam formuladas com base em evidências sólidas, em vez de interesses ideológicos. Para isso, é importante promover uma cultura científica que valorize a objetividade e a ética, bem como incentivar o debate crítico em torno das implicações das descobertas científicas. Dessa forma, a ciência pode contribuir para um entendimento mais profundo dos desafios que enfrentamos, sem se curvar a pressões políticas.

Por outro lado, há muita gente que não tem muito jeito para ensinar ciência com educação, ou seja, temperar a razão com educação, e nem por isso deixar de ter razão. A maneira como a ciência é apresentada pode influenciar a apreensão pública, e nem todos têm a habilidade de expressar as ideias de forma acessível e educada. Muitas vezes, pessoas com conhecimentos profundos podem não comunicar de maneira eficaz, o que pode levar a mal-entendidos ou a uma resistência ao que estão dizendo. A ciência deve ser capaz de ouvir as pessoas com pouca literacia científica, cujas causas podem ser por variadíssimas razões, que vão desde influências de dogmas religiosos (estou a lembrar as Testemunhas de Jeová) até preconceitos veiculados por teorias da conspiração. É importante cultivar um ambiente onde essas diferentes perspectivas possam ser desanuviadas. Quando as pessoas entendem melhor como a ciência funciona toda a sociedade beneficia. A razão e a educação devem coexistir para criar um diálogo mais produtivo e inclusivo sobre questões científicas.

Há cientistas que dizem assim: "sou otimista quanto ao valor da ciência, mas pessimista em relação ao bicho-homem". Esta frase reflete uma tensão entre a fé na capacidade da ciência de avançar e melhorar a condição humana e a preocupação com a natureza humana, que muitas vezes é vista como problemática. Muitos cientistas e pensadores compartilham desse sentimento, reconhecendo que, embora a ciência tenha feito progressos significativos em áreas como saúde, tecnologia e entendimento do mundo natural, o comportamento humano muitas vezes é marcado por conflitos, egoísmo e irracionalidade. Essa dualidade é importante porque ressalta a necessidade de considerar não apenas os avanços científicos em si, mas também as implicações éticas, sociais e políticas desses avanços. A ciência pode oferecer soluções e melhorias, mas a forma como essas soluções são implementadas e aceites pela sociedade depende das características humanas, como valores, crenças e atitudes. O progresso científico deve ser acompanhado por um compromisso de cultivar valores que promovam a cooperação, a empatia e a compreensão mútua, para que possamos aplicar os conhecimentos científicos em benefício da humanidade como um todo.

O tal cientista queria dizer que a ciência não é boa nem é má. Mas o bicho-homem, mais tarde ou mais cedo vai tirar partido de um conhecimento científico para objetivos que depois podem acabar numa catástrofe. Da energia nuclear e todos os conhecimentos da Física, resultou a bomba atómica. Essa perspectiva destaca que a ciência, em si mesma, é uma ferramenta neutra, não possui uma moralidade inerente. O que realmente está em causa é depois a forma como os seres humanos vão dar uso aos conhecimentos científicos. A bomba atómica é um exemplo emblemático: enquanto a física que a tornou possível trouxe avanços significativos na compreensão da matéria e da energia, o seu uso em conflitos bélicos ilustra como o conhecimento pode ser empregue para fins destrutivos. Essa ambiguidade moral é uma questão central na filosofia da ciência e nas discussões éticas sobre tecnologia. O desenvolvimento de tecnologias, como a biotecnologia ou a inteligência artificial, também levanta questões sobre possíveis abusos e consequências imprevisíveis. Portanto, a responsabilidade ética dos cientistas e das sociedades em que operam é fundamental para garantir que as descobertas científicas sejam usadas para o bem comum. Reconhecer que o "bicho-homem" é que tem de ter a capacidade e o bom senso para saber usar o conhecimento científico de maneira benéfica enfatiza a necessidade de um diálogo contínuo sobre ética e responsabilidade. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

A questão do envolvimento de figuras como Elon Musk



A questão do envolvimento de figuras como Elon Musk na próxima Administração Trump, e o impacto que isso terá no próprio regime democrático e alcance geoestratégico, traz à tona preocupações sobre a concentração de poder em indivíduos influentes. É um momento que, para muitos, pode representar tanto um alerta como uma oportunidade de reavaliar estratégias e princípios. A esquerda vai ter de rever as asneiras que andou a fazer nos últimos anos, sob pena de desaparecer fazendo figura ridícula.

Há aqueles que fazem o que sentem e dizem o que pensam: agem impulsivamente, guiados pelas emoções, e expressam o que lhes passa pela cabeça sem filtro. A ênfase está na espontaneidade tanto na ação quanto na fala. E há aqueles que dizem o que sentem e fazem o que pensam: são mais reflexivos e racionais, com uma certa honestidade emocional na fala e uma ação pensada. Ou seja, primeiro verbalizam os sentimentos e, ao agir, seguem um plano mental. Destacam-se aqui traços de personalidade que envolvem espontaneidade versus ponderação e racionalidade, simbolizando como diferentes comunidades podem ser percebidas quanto à relação entre pensamento, emoção, fala e ação.

A esquerda, especialmente em tempos recentes, tem sido criticada por priorizar questões que muitos consideram desconectadas das preocupações quotidianas da população. A busca por uma identidade política coerente e adaptada aos desafios atuais pode ser a chave para evitar cair na irrelevância. Rever os erros, ouvir as críticas, e ajustar o discurso para voltar a engrenar a sociedade de forma mais ampla são passos que podem determinar se a esquerda se conseguirá reinventar ou se acabará marginalizada, presa a uma imagem de ineficácia e excesso de ideologia.

Entre o wokismo e a liberdade, o povo americano, e inclusivamente antigos votantes no Partido Democrata, o azul do burrinho, preferiram escolher o vermelho do elefante. O cancelamento que os arautos do politicamente correto andavam a fazer a-torto-e-a-direito estava a tornar-se sufocante demais. A ascensão do wokismo e o cancelamento do politicamente correto têm gerado debates intensos nos últimos anos. Para muitos, especialmente nos EUA, essas correntes foram percebidas como movimentos que, embora nascidos de intenções de justiça e inclusão, acabaram por se tornar restritivos, limitando a liberdade de expressão e criando uma sensação de censura. Isso parece ter alienado parte da base democrata mais moderada e empurrado alguns eleitores em direção a alternativas que prometem um retorno à liberdade de expressão e ao rompimento com o que consideram uma cultura de cancelamento sufocante.

A escolha de muitos americanos por líderes ou políticas que rejeitam o politicamente correto reflete um desejo de reafirmar valores como a liberdade individual e uma retórica menos controlada. Para alguns, esse movimento é visto como uma correção de rumo contra os excessos da esquerda; para outros, é uma mudança arriscada que pode enfraquecer o progresso social alcançado nas últimas décadas. Em qualquer caso, o fenómeno mostra como a percepção pública da liberdade e dos limites do discurso está no centro das divisões políticas atuais.

A sobrevivência, infelizmente, não se compadece com gente branda e de falinhas mansas, porque para além de ser irrealista, é hipócrita. E se há coisa que o povo que trabalha mais detesta é a hipocrisia das elites cuja vida fácil os faz cantar de galo. É o descontentamento de muitos com as elites políticas e intelectuais que, para alguns, parecem estar desconectadas das realidades do dia a dia da população trabalhadora. Há uma percepção de que discursos idealistas e "de falinhas mansas", muitas vezes, não se traduzem em ações concretas que melhorem a vida das pessoas comuns. Essa desconexão pode ser vista como hipocrisia, especialmente quando as elites adotam um tom moralizante enquanto se beneficiam de uma vida mais fácil e protegida das dificuldades que a maioria enfrenta. A sobrevivência e a luta diária, para muitos, exigem líderes que sejam diretos, pragmáticos e, acima de tudo, realistas. Quando a política se torna um exercício de retórica distante da realidade, o povo tende a se voltar para figuras que parecem entender as suas preocupações e que falam com uma franqueza que ressoa mais autenticamente. Essa busca por autenticidade, muitas vezes, leva à preferência por líderes que desafiam o status quo, mesmo que sejam controversos, porque são vistos como mais próximos das necessidades e preocupações reais.

Por irónico que possa parecer, Donald Trump vai fazer mais pelo mundo do que o Cristiano Ronaldo. Por exemplo, Trump vai acabar com a Guerra na Ucrânia e no Médio Oriente. Trump tem um estilo direto e assertivo que, no passado, rendeu negociações inesperadas, como o diálogo com a Coreia do Norte. Embora a paz em conflitos complexos como os da Ucrânia e do Médio Oriente dependa de muitos fatores e interesses entrelaçados, uma tentativa de Trump de intervir pode, de facto, ter impacto. Ele pode buscar uma solução rápida, talvez em troca de concessões políticas e económicas que favoreçam o seu posicionamento global. Curiosamente, mesmo sendo uma figura polarizadora, ele tende a propor soluções pragmáticas, que podem reverberar na comunidade internacional. Resta ver se ele abordará esses conflitos com pragmatismo, sem ceder a pressões internas que, historicamente, complicam negociações de paz.

Se Diógenes, o Cínico, cá voltasse, ficaria escandalizado com o Cristiano Ronaldo, ganhar tanto dinheiro para meter uma bola numa baliza. Qual é a utilidade de meter uma bola na baliza? Diógenes, o Cínico, certamente teria uma visão crítica sobre a nossa sociedade e, de facto, provavelmente veria o sucesso de Cristiano Ronaldo com desdém. Para ele, a busca por riqueza e fama era irrelevante — uma distração dos valores essenciais da vida humana, como a virtude e a autossuficiência. Do ponto de vista cínico, a utilidade de "meter uma bola numa baliza" seria mínima ou até nula, uma vez que essa atividade não contribui para a realização da natureza humana, nem promove a simplicidade ou a sabedoria. Para Diógenes, que valorizava o desprezo pelo materialismo e pela glória vazia, o valor de tal habilidade seria insignificante. Ele poderia até ver a paixão pela fama e pela riqueza de uma estrela do futebol como um sinal de decadência ou superficialidade na sociedade contemporânea, que coloca atividades secundárias num pedestal, enquanto ignora as questões existenciais e éticas.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Percepções da violência política


Moscovo responderá "de forma simétrica" a qualquer "escalada", frisou Vladimir Putin, ontem, após a disponibilização de armas ocidentais de longo alcance por parte do Presidente Biden à Ucrânia. A Rússia respondeu com o lançamento de um míssil intercontinental hipersónico que caiu em Dnipro, aparentemente sem ter provocado grandes estragos. Vladimir Putin afirmou que a utilização do míssil foi uma resposta aos recentes ataques ucranianos com os tais mísseis de longo alcance. Na mesma declaração televisiva, Putin frisou ainda que os ataques contra a Rússia com armas ocidentais não mudarão o desfecho da "operação especial" da Rússia. Moscovo responderá "de forma simétrica" a qualquer "escalada", declarou o líder russo. Putin garantiu que avisaria os civis caso utilizasse uma arma hipersónica contra a Ucrânia.

Ao explorar a vulnerabilidade ou a fraqueza militar dos países europeus, Putin busca não apenas causar medo e destruição, mas também influenciar a opinião pública e a percepção geral. Quando uma figura de autoridade global, como o secretário-geral da ONU, parece demonstrar mais empatia por um dos lados, especialmente percebido como o mais fraco, isso pode gerar tensões com o lado que se sente deslegitimado ou injustamente retratado. Daí que o encontro de Guterres com Putin tenha sido muito mal visto pelos analistas ocidentais. Esse desequilíbrio emocional na narrativa é explorado intencionalmente por cada lado em função do mais conveniente. Essa diferença nas reações à violência demonstra como o contexto sociopolítico e a percepção de segurança moldam as respostas a atos violentos. Enquanto na Europa um atentado terrorista pode desestabilizar um país e provocar reações políticas significativas, na Ucrânia onde a violência é uma constante a mesma ação é vista como uma expressão comum da realidade. O seu significado para um europeu é mais simbólico do que real. A perversidade está ligada à forma como se constrói a narrativa para maximizar o impacto das ações.

A violência política na Europa, quando comparada com outras partes do mundo, como a Ucrânia, o Próximo e Médio Oriente [Palestina ou Sudão] pode-se dizer que é residual. Por esse facto, um atentado terrorista, por mais limitado que seja, tem um impacto na percepção pública que não tem nessas outras paragens. Na Europa, onde a violência estatal e a criminalidade em geral são relativamente baixas, um míssil, mesmo que pequeno, é um evento extraordinário que provoca uma onda de choque, medo e indignação. Isso se deve à expectativa de segurança, que é falsa, e à normalidade da vida que permeiam a sociedade. Em contraste, onde a violência faz parte da realidade diária, atos muito mais violentos podem ser percebidos de maneira diferente. Nesses ambientes, a população pode estar mais acostumada com a instabilidade e, portanto, um atentado pode ser visto como apenas mais um na sequência da violência endémica que caracteriza a realidade da vida nesses países.

Uma pequena moeda num grande frasco vazio faz muito barulho. É por isso que quanto mais surpreendente ou espetacular for um atentado, mais bem-sucedido será o atentado. A narrativa de Putin tem como objetivo alcançar o maior impacto psicológico através do amedrontamento do maior número de pessoas possível. Um míssil de aviso não busca necessariamente a destruição em larga escala, mas sim a manipulação do medo e da atenção. A metáfora da pequena moeda no grande frasco vazio é perfeita para ilustrar essa dinâmica: Um míssil, mesmo que pequeno em termos de número de vítimas ou destruição material, ganha grande visibilidade justamente pelo choque psicológico que provoca, amplificado pela cobertura mediática e pelo impacto psicológico.

O estratego, ao realizar um ato espetacular ou inesperado, aproveita-se da desproporcionalidade entre a sua ação limitada e a resposta emocional massiva que ela desencadeia. A surpresa e a quebra da normalidade são centrais para o sucesso da sua estratégia. Assim, quanto mais espetacular ou chocante for, maior será o alarido que ele provoca no cenário político e social, ampliando o impacto além do dano físico. Por razões de ajustamentos da História devido a injustiças e erros humanos, as preocupações políticas mais candentes que atravessam todo o ocidente de filiação eurocêntrica estão entrelaçadas com muitas questões que fiquem sempre para trás mal resolvidas. Os países europeus ocidentais adotam posturas mais progressistas em relação a direitos humanos e igualdade. O mesmo não podemos dizer do lado russo, com outras tradições e outras realidades geopolíticas. Mas, ainda assim, como nenhuma sociedade é monolítica em relação a essa realidade, apesar de ser difícil evitar o confronto entre pessoas do mesmo país, é sempre possível operar mudanças. 

O desafio que se coloca aos responsáveis políticos consiste como equilibrar a proteção dos direitos de todos os cidadãos, incluindo os membros das forças políticas do extremo contrário. Esta é uma das áreas do debate cultural da atualidade em que as sociedades estão muito polarizadas. Para muitos, o que pode parecer uma busca por equidade e proteção dos grupos marginalizados, para outros pode ser visto como uma forma de extremismo caricaturado com as bastante gastas charadas do "politicamente correto" e do "wokismo", que frequentemente ignora o contexto histórico das lutas por direitos civis, onde as dinâmicas de poder, privilégio e marginalização são complexas e multifacetadas. As gerações mais velhas podem ver isso como um retrocesso em relação a certos valores que consideram essenciais, como a objetividade e a imparcialidade, especialmente em situações de conflito.

Esse choque de paradigmas gera um debate rico, mas também fracturante, sobre como as sociedades modernas devem lidar com questões de injustiça, desigualdade e violência, e que narrativas devem prevalecer em relação a outras na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A observação sobre a falta de conhecimento histórico entre os jovens é um tema recorrente e preocupante. O entendimento da história universal é fundamental para que as gerações atuais possam aprender com os erros do passado e desenvolver uma perspectiva crítica sobre o presente. No entanto, a educação contemporânea muitas vezes se concentra em temas mais imediatos e pode negligenciar a profundidade e a complexidade da história das civilizações.

O desinteresse ou falta de conhecimento sobre os padrões históricos de ascensão e queda de civilizações, ou dos erros que se cometeram e levaram às duas Grandes Guerras Mundiais do século XX, pode resultar numa percepção ingénua sobre os desafios contemporâneos. Quando os jovens não têm consciência das lições que a história oferece - 
como os efeitos do extremismo, da intolerância e da inação - eles podem subestimar as consequências de suas ações ou as dinâmicas sociais em jogo. O misto de brandos costumes e incúria a que muita gente faz alusão nas redes sociais é uma crítica à complacência e à falta de ação diante de problemas sociais e políticos. Muitas vezes, essa atitude pode ser uma resposta à sensação de impotência ou à crença de que as estruturas sociais são inalteráveis. Isso pode levar a um círculo vicioso em que a inação se perpetua, enquanto os problemas se acumulam. Portanto, é crucial que haja um esforço consciente para promover a educação histórica e incentivar uma compreensão mais profunda dos erros que levaram às catástrofes passadas, para que os jovens possam desenvolver uma consciência crítica que os capacite a participar ativamente na construção de sociedades mais justas e resilientes. O diálogo intergeracional também pode ser uma ferramenta poderosa para transmitir essas lições e experiências, ajudando a conectar as gerações e a fomentar um entendimento mais profundo dos desafios atuais.

As pessoas com maior literacia histórica sabem que a História mostra em muitos casos que quem prevaleceu nas mudanças depois do conflito foram os "falcões". Enquanto as "pombas", que representam a paz, a diplomacia e a busca por harmonia foram remetidos para as margens da História. Ou seja, a história, frequentemente escrita pelos vencedores, é sempre cruel. E isso significa que as narrativas que emergem refletem as experiências e as visões de poderosos, em vez de uma visão abrangente e inclusiva de todos os grupos sociais. Essa dinâmica é especialmente evidente em contextos de guerra, revolução ou opressão, onde as vozes de pacificadores e aqueles que buscam a conciliação muitas vezes são esquecidas ou ignoradas.

Esse padrão histórico pode levar à repetição de erros, uma vez que as sociedades podem não aprender as lições da diplomacia e do entendimento mútuo. A ideia de que a sobrevivência depende da força, e não da razão ou da compaixão, pode perpetuar ciclos de violência e conflito. Portanto, é vital que as sociedades atuais busquem dar voz às narrativas das "pombas" e explorem os caminhos que levam à paz e à reconciliação, ao invés de se concentrarem apenas nas histórias dos "falcões". Isso envolve não apenas a educação sobre a História, mas também a promoção de um diálogo inclusivo e da construção de instituições que priorizem a justiça e a equidade. Ao fazer isso, podemos trabalhar para criar um futuro em que a sobrevivência não dependa exclusivamente da força, mas sim do entendimento e da colaboração.