quinta-feira, 19 de setembro de 2019

A linguagem dos animais


O facto de a espécie humana ter começado a domesticar animais há mais de dez mil anos, e por conseguinte, isso implicar em princípio algum grau de comunicação humana-animal, é discutível se conseguimos falar com os animais. Para efeito de comunicação animal dentro da mesma espécie podemos dizer que eles falam entre si numa linguagem própria. Se pudéssemos passear à vontade por dentro da Amazónia, ficaríamos espantados com o barulho dos animais. A comunicação tem lugar a todos os níveis, em todas as formas. Se pudéssemos descodificar completamente esta sinfonia de sinais, a nossa compreensão do mundo animal de certeza que seria muito diferente daquela que o vulgar ser humano, que não se dedica ao estudo animal nos seus habitas naturais, é capaz de compreender. A maioria dos padrões de comunicação animal já vem pronta de nascença, está registada geneticamente. É, por isso, ainda mais fascinante e estranhamente bela, pela magnitude da sua complexidade.


Hoje sabemos que muitos animais, como por exemplo os elefantes, comunicam por meio de sons que o nosso ouvido não capta. São sons de baixa frequência, mais rápidos e menos retardados por obstáculos, permitindo aos elefantes ouvirem-se a muitos quilómetros de distância. Pensa-se que as proeminências almofadadas que formam as patas dos elefantes sejam recetores sensíveis, capazes de detetar vibrações de sons subliminares. É esta capacidade de ser mais sensível aos sons de baixa frequência que explica porque é que cães e gatos, e outros mais, detetam antes de nós os tremores de terra e tsunamis. Mas no outro extremo do espetro sonoro, nos ultrassons (os sons de frequência mais alta) temos golfinhos, aves e insetos, o que está muitas vezes associado com formas de ecolocalização, como é o caso dos morcegos.

Nos oceanos os cetáceos produzem uma larga gama de sons. A água salgada transmite os infrassons melhor do que a água doce. O grito da baleia azul viaja milhares de quilómetros pelo mar alto. Os golfinhos têm assobios especiais que funcionam como nomes. A baleia corcunda canta canções longas e complexas nos seus locais de reprodução.


Mas não é só de sons que se faz a comunicação entre os animais. Odores e cores são também meios frequentes de comunicação. A formigas, por exemplo, deixam rastos de feromonas que conduzem as companheiras às fontes de alimentação. As feromonas de alarme provocam comportamentos de ataque. Nos cães a urina serve para marcar território. Doninhas e texugos raramente são atacados, tal é o fedor que emitem para se defenderem dos predadores. A cobra-do-leite, por exemplo, mimetiza as cores da cobra venenosa coral, com forma de melhor se defender. E então a dança das abelhas para comunicar onde se situam as melhores flores para fazer o mel é impressionante.  A velocidade da dança e o número de ciclos por minuto indicam a distância a que a fonte de néctar se encontra da colmeia. 



quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Os Lusitanos e Viriato – depois do massacre de Galba



««[…] Em busca de melhor sorte e de enriquecer facilmente, Lúcio Licínio Lúculo veio ocupar o lugar de cônsul da Hispânia em 151 a.C. E com ele veio o pretor Sérgio Sulpício Galba. Fiéis à política belicista do Senado, vinham para a Hispânia para enriquecer e acabar de vez com a resistência lusitana, custasse o que custasse. Ora, Galba não conseguia estancar as terríveis perdas que bandos de Lusitanos lhe estavam a causar. Então Lúculo foi forçado a dirigir-se para a Bética a fim de ajudar Galba. […]»»

Ocupando o território entre Douro e Tejo na faixa atlântica da Península Ibérica, havia um povo com o nome de Lusitanos, cuja verdadeira origem ainda hoje é controversa. Dada a inexistência de escavações arqueológicas sistemáticas na zona, embora haja algum apoio dos escassos documentos arqueológicos e epigráficos, muito do que se conhece resulta da leitura de textos de autores da época: Políbio, Diodoro, Estrabão, Apiano, Plínio, etc. É claro que a discrepância entre eles é tão grande que se torna difícil traçar o verdadeiro retrato dos Lusitanos e da Lusitânia nos seus limites geográficos. Uns consideram que se tratava de uma etnia de origem pré-ibérica, que terá sido subjugada pelos Celtas aquando das primeiras invasões, mas que posteriormente se terá de novo autodeterminado. Outros autores entendem que são genuinamente um povo indo-europeu oriundo das zonas helvéticas.


 Na Ora Marítima de Avieno, uma parte da Península Ibérica é chamada Ofiússa, literalmente "Terra de Serpentes". Segundo Avieno, Ofiússa era antigamente habitada pelos estrímnios, um povo que poderia ser herdeiro da cultura megalítica europeia. Segundo uma lenda recolhida por Avieno, os estrímnios foram expulsos de suas terras por uma invasão de serpentes, o que deu origem às mais variadas interpretações pelos estudiosos. Schulten acreditava que a invasão das serpentes simbolizava os sefes, povo celta que teria invadido a região e expulsado os estrímnios. O poema menciona vários nomes geográficos, atualmente localizados em território português: uma ilha dedicada a Saturno, possivelmente as Berlengas; o Cabo de Ofiússa, provavelmente o Cabo da Roca; o Cabo Cémpsico, que seria o Cabo Espichel; e a Ilha de Ácala, possivelmente hoje fazendo parte da Península de Troia.



Rufo Festo Avieno, século IV, dedica a seu amigo Probo a descrição geográfica das costas da Europa, desde as Ilhas Britânicas até ao Mar Negro (Ponto Euxino). Avieno pode ter feito algumas viagens, mas muitas das descrições são copiadas de outras mais antigas, como por exemplo: O Périplo Massaliota, séc. VI a.C., um manual de algum autor de Massília (Marselha) que na altura era uma colónia grega. 

Caminho marítimo entre o Mediterrâneo e o Atlântico Norte conhecido pelo menos desde o século VI a.C. por fenícios, oriundos do que é hoje o Líbano e a Palestina; e por gregos, sobretudo os fócios, habitantes da Fócia, na Ásia Menor, provavelmente os primeiros colonos que fundaram Marselha. É já do tempo da Idade do Ferro, mas recolhe conhecimento anterior do tempo da "rota do estanho". Este documento é o primeiro que descreve os vínculos comerciais à volta da Europa, também testemunhado pelas evidências arqueológicas deste período e anteriores.

Segundo Diodoro de Sicília, a sociedade lusitana era uma sociedade aristocrática na medida em que o poder político, social e a maior parte da riqueza estavam nas mãos de um reduzido número de pessoas que integravam a sociedade. Estes aristocratas mostravam o seu status social pela posse de uma panóplia completa de guerreiros. O regime de governo era a chefia militar que ocorria em momentos específicos, concretamente em caso de guerra. Os caudilhos, ou chefes militares, eram eleitos em assembleias populares.



Na guerra civil entre César e Pompeu, os lusitanos combateram ao lado de uma das fações. Foi nesta altura que se procedeu ao traçado da estrada que iria de Mérida a Astorga – Rota da Prata. A partir da época de Augusto, as fontes literárias mantêm um respeitoso silêncio acerca do território lusitano, e quando no século II aparecem algumas informações, constata-se que surgiram vários municípios flávios e que há muitos outros com estatuto desconhecido. E as divindades romanas vão ganhando raízes no primitivo panteão dos lusitanos. O objetivo principal da presença romana na Península Ibérica era impedir que os cartagineses nela circulassem e agissem em inteira liberdade. Mas depois, é claro, foram interesses económicos em proveito próprio que motivaram a decisão romana de se apoderar da Península Ibérica. A ocupação romana da Hispânia foi uma operação necessária na estratégia romana da Segunda Guerra Púnica. Mas depois as guarnições foram ficando, fosse por inércia política, fosse por outros interesses económicos. Daí que a partir de certa altura as populações nativas passassem a sentir a necessidade de fazer alguma coisa para evitar a opressão.

O alistamento de lusitanos pobres em diversos exércitos para obterem algum ganho nos despojos, era um procedimento habitual desde os finais do século III a.C. Em 218 a.C. já havia tropas lusitanas nos exércitos que combatiam com Aníbal, em Itália, tropas às quais Aníbal recordou, num discurso, os sacrifícios que tinham de suportar nas suas terras, pois a dedicação à pastorícia nunca lhes proporcionaria proveitos significativos.

Politicamente, o ano de 197 a.C. foi especialmente significativo para a Hispânia. Nesse ano é concluída a divisão do território conquistado em duas províncias: A Citerior, mais próxima de Roma, e a Ulterior, mais afastada: Lusitânia, Tarraconense e Bética. Esta reforma administrativa da Hispânia determinará todo o processo político de conquista, e afetará, evidentemente, as terras lusitanas.


A forma como as comunidades lusitanas se integraram no mundo romano não foi através de deditiones, como habitualmente acontecera nas regiões ibéricas ou celtibéricas onde o proto-urbanismo estava mais desenvolvido do que nas lusitanas, mas sim através de acordos e pactos. Assim, em 151 a.C. a derrota lusitana possibilitou um acordo com Marco Atílio, que supunha a submissão de alguns lusitanos e vetões. Pouco tempo depois este acordo foi quebrado pelos lusitanos. Galba pretendeu estabelecer outro acordo com os lusitanos, mas também não o conseguiu. Em 145 a.C. dá-se uma nova tentativa, por parte dos lusitanos, de estabelecer um pacto com o governador Vetílio, em troca da promessa de obediência a Roma, tentativa essa gorada pela intervenção do próprio Viriato. Mas o seu poder acaba por ser reconhecido quando o senado de Roma o considerou amicus populi romani reconhecendo a sua liderança nas terras da Lusitânia. Roma colocava Viriato ao mesmo nível de outros reis aliados importantes. Deste modo, a própria sociedade lusitana tenderia a evoluir para formas mais complexas de organização política que, a certa altura, poderia ser uma monarquia governada por Viriato. Mas a história não se fez assim. Viriato morre em 139 a.C. 

Falar de lusitanos é o mesmo que chamar povo de Viriato, líder que se notabilizou na luta pela liberdade contra o Império Romano na segunda metade do século II a.C. Uma grande parte da biografia de Viriato difundida no seio dos portugueses é lendária.  Atualmente os historiadores defendem que se tratava de um líder político, um excelente estratega militar, que ao comando de um corpo de guerreiros composto por elementos de diversas tribos, se impôs contra a subjugação romana, cuja campanha de aguentou durante oito anos. Teve, contudo, um desenlace infeliz, uma conspiração movida pelos romanos culminou no seu assassinato à traição.

Para o estudo de Viriato apenas dispomos de fontes romanas. Na tradição oral ibérico-lusitana não há nada sobre a sua pessoa. E se alguma coisa houvesse, teria sido modificada e manipulada pelos seus inimigos romanos. A sua pátria parece ter sido a Serra da Estrela – Mons Hermínius. Diodoro de Sicília diz que Viriato é de origem lusitana, “nascera na parte ocidental do território perto do Oceano”. Também se ignora o ano em que nasceu. A data é estimada fazendo a seguinte conta: tendo à volta de 20 anos quando aparece pela primeira vez na História – 150 a.C. Então deverá ter nascido cerca de 170 a.C. Mas a baliza oficial está compreendida entre 181 – 139 a.C.

Ora, Viriato foi o grande estratega da guerrilha ofensiva, e não apenas defensiva contra os romanos, como havia sido em Numância. A característica essencial da estratégia de Viriato era o ataque. O seu objetivo político-militar era a independência da sua pátria em relação a Roma. Mas para isso faltava-lhe quase tudo menos audácia – capacidade organizativa e administrativa, recursos materiais para além dos saques e homens para lutar. Por isso a sua estratégia não ia além da tática de desgaste, que apesar de algumas investidas terem sido letais, o resultado era apenas dilatório.

Viriato era um mestre na dissimulação da fuga. Fingia fugir para de imediato atacar. Aproveitava-se do efeito surpresa que na confusão tirava proveito do seu maior conhecimento do terreno. O assalto a colunas de abastecimento e a destacamentos de apoio eram muito proveitosos. Apesar de as opiniões sobre a estratégia de Viriato serem elogiosas nos relatos dos autores romanos, a verdade é que Viriato comandou a guerra lusitana mais pela força das circunstâncias do que por uma decisão pensada.

As negociações entre Viriato e Cepião são sobejamente conhecidas através de relatos de Apiano, Diodoro e Dião Cássio. Ocorreram no ano de 139 a.C. visto que Tito Lívio reporta a morte de Viriato a esse mesmo ano. Viriato formou uma comissão com três dos seus soldados – que eram homens provenientes da província romana da Bética que se tinham passado para o seu lado – e foram negociar ao acampamento romano. E foi aqui que Viriato cometeu um erro de palmatória: não foi difícil a Cepião convencer estes homens a assassiná-lo com promessas de vantagens pessoais e posse de terras. Quando regressaram ao acampamento de Viriato mataram-no enquanto dormia. Sem demora fugiram para o acampamento romano em busca da recompensa, mas os seus cálculos saíram-lhes furados.

Em Roma este assassinato foi considerado um ato indigno. E o sentimento dos lusitanos foi de uma dimensão inaudita. Os lusitanos realizaram exéquias como se de um ente divino se tratasse. O cadáver foi queimado sobre uma pira gigantesca e ofereceram inúmeras vítimas aos deuses. Foram imolados animais de várias espécies. Em seguida, perante as suas cinzas, mais de duzentos pares pronunciaram cânticos de celebração e promessas de combates em sua honra. E a luta dos lusitanos contra os romanos, ainda que por pouco tempo. A morte de Viriato, como esperaram os romanos, foi o fim da resistência lusitana.

A época do Humanismo, com o renascimento do estudo do mundo clássico e da literatura antiga, proporcionou a ressurreição da recordação histórica das raízes lusitanas do povo português, e a reabilitação heróica de Viriato. Luís de Camões dedicou-lhe uma emotiva evocação na sua epopeia nacional – Os Lusíadas. Os vestígios de um acampamento romano, localizado nas proximidades de Viseu, foi dado como correspondência ao que era relatado por alguns autores como “A Cova de Viriato”. Para Portugal, Viriato passou a marcar o seu herói mais antigo que está na raiz mais profunda da nacionalidade portuguesa.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

O que dizem os Lusitanos nas pedras?


No interior centro e sul de Portugal, encontramos em locais com topografias sensivelmente semelhantes umas enigmáticas pedras esculpidas, parecidas com tinas de imersão dedicadas a misteriosos cultos do sagrado, sendo uma constante os carvalhos por perto. 
A escolha do local nunca é feita ao acaso, mas fruto de critérios específicos previamente estabelecidos. A topografia do local desempenha aqui um importante papel.

A prática desses cultos e mistérios da Natureza dos povos lusitanos estava ainda ativa quando cá chegaram os romanos. Um lugar sagrado revela-se por si próprio e, mais do que as características físicas que este possa apresentar – tais como a sua situação topográfica, a eventual presença de eminentes afloramentos rochosos, nascentes ou cursos de água, determinadas espécies vegetais que possam estar aí localizadas –, é o impacto emocional que a dada altura desperta nos indivíduos que assinala a sacralidade. Por conseguinte, um lugar sagrado nunca é escolhido: ele revela-se por si mesmo. 

É o caso do Santuário de Panóias, no concelho de Vila Real, um lugar sagrado onde se deviam realizar rituais muito antes da chegada dos romanos. O santuário é um recinto onde se encontram três grandes fragas, com cavidades de vários tamanhos, nas quais foram também construídas escadas de acesso. No penedo situado na entrada do recinto foram gravadas várias inscrições - três em latim e uma em grego, descrevendo um ritual de iniciação com uma ordem e um itinerário muito precisos. O sacrifício de animais, nunca humanas, começava pela sangria e depois a incineração. Depois a carne era consumida e revelado o nome da autoridade máxima dos infernos. Por fim, a purificação. 
No segundo penedo do recinto a iniciação repetia-se num grau mais elevado. E no terceiro, mais elevado ainda, onde acontecia o ato principal da iniciação – a morte ritual, o enterro e a ressurreição. Neste existe um orifício que serviria para colocar uma barra de ferro, ou de bronze, apoiado em duas escoras, onde se prendiam os animais a sacrificar. 


Calpurnius Rufinus, senador, introduziu este culto onde já haveria um culto nativo. Foi provavelmente um alto funcionário do governo provincial romano. A sua língua original era o grego, mas na inscrição o uso da palavra “mystaria” em vez de “mysteria” demonstra o uso de um dialeto dórico ou pseudo-dórico. Os dados sobre a sua origem permitem supor com grande probabilidade que seja de Perge - Panfilia, Anatólia, cidade de tradição dórica e um dos centros do culto de Serápis. 

Existem, portanto, em Panóias testemunhos de um rito de iniciação dos mistérios das divindades infernais. As prescrições identificam-se como partes de uma lei sagrada, mas aplicadas a um local concreto e preciso.  Os sacerdotes, com vestes brancas e coroas feitas de vergonteas de louro, carvalho, azevinho, hera, parra, conforme o deus a que se destinava o sacrifício, traziam nas mãos a pátera, uma espécie de prato redondo de metal. Depois, vinham os victimarii, munidos da securis, machadinha utilizada no esquartejamento das vítimas. 

Quando tudo estava preparado, um arauto impunha silêncio e os profanos abandonavam o local sagrado. Os sacerdotes aspergiam a vítima com a mola. Os presentes bebiam um pouco de vinho, com que também faziam a libação derramando um pouco na cabeça do animal. Acendia-se a fogueira no respectivo lacus e queimava-se incenso. Aí, os Popae, nus da cintura para cima, conduziam a vítima ao altar, onde era ferida de morte com um machado pelos Cultrarii, que lhe cortavam a garganta. O sangue era recolhido na pátera e derramado nos laciculi. O animal era colocado na mesa anclabris, onde era esfolado e esquartejado. De acordo com uma epígrafe há décadas destruída, queimavam-se as vísceras da vítima em honra dos deuses e a outra carne era grelhada e comida pelos presentes, em confraternização com as divindades.

Cerca de vinte metros, do lado do nascente, conservam-se ainda, numa pequena rocha, os restos de um altar pré-romano constituído por diversas covinhas ligadas entre si por sulcos, onde os Lapiteas teriam prestado culto aos seus deuses, como a Reva Marandiguius, divindade que morava nas alturas do Marão, e, hipoteticamente, às serpentes e aos javalis. Segue-se, na direção norte, por uma escada escavada na rocha, e depara-se com outro altar dos Lapiteas, constituído por covinha e sulco.

Mais a norte ainda se encontra a terceira pedra, com as escadas e corrimão milenários. No alto, em larga plataforma, abriram-se a pico "sepulturas" rectangulares e os alicerces de um terceiro templo, que também desapareceu. Aqui realizava-se a incubafio, onde os mysfae "morriam" simbolicamente, dormindo toda a noite, sonhavam com as divindades que lhes transmitiam os seus oráculos, e ressuscitavam para uma vida nova.

Com a designação popular – Penedo das Pias dos Mouros – encontramos em Garfe, freguesia da Póvoa de Lanhoso, um santuário rupestre num vale com carvalhos frondosos. Não podemos ignorar a denominada “estrada da Serra do Carvalho”, entre Braga e a Póvoa de Lanhoso, por onde se passa para ir e vir do Gerês, e que antigamente (três a quatro décadas) o paralelo polido dava azo a muitos acidentados rodoviários que iam parar à Urgência do Hospital de São Marcos em Braga. 


Implantado num afloramento granítico, de forma tendencialmente circular e superfície arredondada, exibe no topo três tanques escavados: o maior em forma de T, apresenta uma orientação de E-O, numa clara alusão ao nascimento-morte; o segundo, de menor dimensão e menos profundo, ostenta uma forma retangular, e está paralelo ao primeiro; o terceiro, e último, também retangular, foi construído perpendicularmente aos dois primeiros.

A foto a seguir, mostra em Antas, Penedono, dois sarcófagos, um deles esculpido com forma humana. Mas poderá nem ter sido um sarcófago, mas sim uma “tina” ou “pia”


E ainda a Necrópole de São Gens, situada na freguesia de Fornotelheiro, Celorico da Beira, outro lugar misterioso com sarcófagos ou pias, que inclui também na paisagem o curioso “Penedo do Sino”. Como em todos os outros lugares, aqui também existem orifícios circulares insculpidos na rocha.


Na rota do Endovélico

Ara votiva, que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa

O Deus Endovélico é um deus protetor da saúde, da terra e dos animais. Das origens, como quase sempre, pouco se pode falar com segurança. O que se pode fazer é especulação através das etimologias, e neste aspeto, cada escola sua sentença. A consideração de Endovélico como lusitano ou celta, ou não-celta, provoca polémica entre os pesquisadores, como a própria caracterização do povo lusitano.

Depois de pernoitarmos na Península de Tróia, concelho de Grândola, lá seguimos a estrada para Redondo e Vila Viçosa, à procura de um santuário proto-histórico de penedos escarpados que se encontra num  local chamado Rocha da Mina, Alandroal. É um lugar mágico de forte magnetismo. Os povos célticos, da segunda idade do ferro, parece terem sido atraídos por este local. Ora, este santuário encontra-se junto à Ribeira de Lucefecit, onde os Lusitanos adoravam o deus Endovélico

Os vestígios encontrados vão desde o tempo pré-romano até à idade média, com a construção de igrejas, algumas delas aproveitando estruturas de cultos pagãos. Existem várias igrejas, como a da Fonte Santa, São Miguel da Mota e o Santuário da Nossa Senhora da Boa Nova, esta, ainda local de peregrinação. Subindo os degraus do santuário da Rocha da Mina, deparamos de frente o ‘Sol Nascente’. As escadas e os pavimentos talhados na rocha são elementos recorrentes num número relativamente elevado de santuários pré-romanos, alguns dos quais romanizados, e são interpretados frequentemente como ‘altares de sacrifício’. Ir a este santuário é mais do que uma experiência visual, é uma experiência sensorial e poder-se-ia mesmo dizer, apesar do esoterismo implícito, que é uma experiência mística. O caminho em direcção ao santuário, por entre o bosque denso, mesmo em dias de sol parece ter uma escuridão própria, que acentua o som do curso da Ribeira de Lucefecit. Ainda a alguma distância do santuário, por entre a folhagem dos altos eucaliptos, começa-se a visualizar um elevadíssimo afloramento natural de xisto, uma visão imponente e poderosa que de imediato nos provoca uma sensação de respeito e solenidade. Apesar de se tratar de um afloramento natural, ao caminhar em direcção ao mesmo consegue-se ter a percepção de se estar perante alguma forma de templo, tal a atmosfera criada pelo afloramento, que parece engolir o sol em grande parte do dia, ficando os seus raios a reluzir nos contornos do imponente templo natural, em concordância com o carácter tanto ctónico como luminoso de Endovélico.



O Santuário da Rocha da Mina, mais tarde, foi adaptado pelos próprios romanos, que assimilaram o Endovélico a Esculápio ou Serápis. Várias inscrições apontam para a existência da função oracular no templo de Endovélico, tendo uma delas a expressão ex imperato averno que Leite de Vasconcelos traduziu: “segundo a determinação que emanou de baixo”. Sugere, portanto, que, tal como acontecia no templo de Apolo em Delfos, uns vapores ou algo semelhante emanava do interior da terra com o poder oracular, que a pitonisa interpretava sentada numa trípode de bronze, que estava sobre uma greta do solo de onde emanavam os tais vapores embriagantes. É bem patente o estado modificado de consciência que a pitonisa atinha de atingir para pronunciar os oráculos.Regista-se que perto de Ávila existe o Santuário do Castro de Ulaca dedicado a Vaelicus, localizado no limite do que era a antiga província romana da Lusitânia.  também foi reverenciado entre os Vetones, naturalmente a que davam o nome de Endovelicus.

Para os Celtas, ou para os povos aparentados como devem ter sido os Lusitanos, os templos e santuários divinos encontram-se na própria Natureza, e não em construções por mão humana. Ao contrário do santuário romano, de génese posterior, no outeiro de São Miguel da Mota, já romanizado e como tal tendo sido um reduto de colunas de mármore e estátuas representativas de Endovélico, o Santuário de Rocha da Mina deverá ter sido o santuário primitivo a Endovélico, provavelmente Lusitano. Apesar do Santuário de São Miguel da Mota ser muito importante devido ao número de estelas com dedicações a Endovélico em latim e estátuas representativas, o carácter primitivo de Rocha da Mina também mereceu a atenção por parte de eminentes arqueólogos como Leite de Vasconcelos, e mais recentemente por arqueólogos contemporâneos como Manuel Calado ou Maria João Correia Santos, além de estudos mais ao nível do carácter esotérico e iniciático do santuário por parte de Paulo Alexandre Loução.


No regresso a Tróia, evocámos este baixo-relevo do século III, atualmente no Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa, mas originário de Tróia, representando uma alegoria mitraica muito rica em símbolos: no canto superior direito da imagem vemos Mitra (o ‘Filho’) com um barrete frígio, e a seu lado Hélios (Deus-Sol – o ‘Pai’). Seguram ambos um pequeno vaso com a bebida ritual – o vinho. Em baixo uma serpente enrolada bebe o ‘vinho ritual’. Do lado esquerdo o pão celeste. Esta imagem que não tem a ver com o Endovélico, foi uma coincidência entre o Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, e a passagem por Tróia, antes de zarparmos para o interior na rota do Endovélico. É um exemplar do culto mitraico, cuja autoria material deve ser de origem romana. 

Deus Mithra é representado muitas vezes sacrificando um touro, com o gorro frígio e uma serpente associada. Esta divindade indo-iraniana, aparece mencionada como deus protetor dos juramentos, num tratado do século XV a.C. realizado entre os hititas e o reinado dos Mitani. Tornou-se muito importante na Pérsia antiga vindo a ganhar posteriormente um lugar de destaque no Império Romano. Tendo nascido a 25 de dezembro, está diretamente relacionado com o ciclo solar da mesma forma que o misterioso Abraxas gnóstico.Dezembro é o mês em que se marca o Solstício de Inverno, que, de algum modo, se comemorava em Roma com as Saturnália, um festival em honra de Saturno. Celebrava-se no dia 17 de dezembro, mas ao longo dos tempos, foi estendida a uma semana completa, terminando a 23 de dezembro. Também o deus Mitra, cujo nascimento era evocado a 25 de dezembro, tal como virá a acontecer com o Menino Jesus, tinha uma forte relação com o Sol. Este deus de origem oriental teve grande adesão junto dos soldados romanos, os legionários, e também entre os funcionários administrativos e comerciantes. No Ocidente, o seu culto acabou por confundir-se com o do Sol Invictus, ou Sol Invencível, pois verifica-se, em finais do século III, o sincretismo entre a religião de Mitra e outros cultos solares de procedência oriental.

Esta finisterra da Europa, que é Portugal, não foi por estar na extremidade do continente europeu que deixou os seus povos indígenas a salvo de sucessivas invasões a partir de há pelo menos dois mil anos. Antes dos romanos, que trouxeram para cá outros cultos, muitos povos deixaram por cá os seus vestígios arqueológicos. A partir de meados do segundo milénio e inícios do primeiro milénio a.C. muitos outros povos assentaram neste território. Quer dizer, se os povos de várias tribos dispersas a que se convencionou chamar “celtas” (englobando os povos de língua indo-europeia onde estão incluídos germanos e lusitanos) assentaram predominantemente no norte, os povos mediterrânicos - fenícios, cartagineses, gregos, romanos, anatólios e judeus sefarditas -  ao longo de pelo menos o mesmo período dos primeiros fizeram-no no sul, de línguas predominantemente de origem semita.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A necessidade de uma ciência integradora: de volta ao tempo cíclico


O tempo cíclico é o tempo mítico, que a ciência e a filosofia moderna abandonaram para abraçar o tempo linear judaico-cristão, com um começo e um fim. É o tempo historicista/positivista, irreversível, correndo de trás para a frente.

Assim, com este paradigma de pensamento, o progresso técnico tocado pela evolução da ciência seria linearmente contínuo numa crescente melhoria de bem-estar. E não podia ser de outra maneira. Se a técnica apresentava problemas, eles não estavam na técnica em si mesmo, mas na sua excessiva utilização abusiva, fáustica, desequilibrada e sem o mínimo respeito pela qualidade da vida dos ecossistemas humanos e naturais.

É preciso refletir sobre o poder das formas mentais, para avaliarmos os efeitos do excesso de racionalismo e o défice daquilo a que os antigos chamavam Sagrado. E o que agora está à vista é uma certa patologia a que chamaremos demencial por falta de melhor, que vive num vaivém constante entre consciente e inconsciente.

A dimensão espiritual, a que os materialistas reduzem apenas à intuição, dispõe precisamente da capacidade de manejar as ambiguidades naturais da vida. O excesso de racionalidade inevitavelmente teria de dar origem à irracionalidade. Fico-me por poderes instituídos que continuam negacionistas aos sinais dos tempos, sem compreenderem as formas culturais nascentes, como é o caso de um Trump ou um Bolsonaro. Todos os tipos de fundamentalismo constituem barreiras intransponíveis a diálogos fundamentais que precisamos ter.


A ciência contemporânea tem sabido descrever a realidade com uma eficiência assombrosa, mas apenas no que diz respeito ao seu suporte material. Porque em relação a bom senso, necessário para orientar a nossa maneira de estar no mundo de forma sustentável, fracassou. Se a Natureza se criou a si própria, mas com um livro de instruções escrito em linguagem simbólica, sendo a matemática a linguagem de eleição para Galileu, e para mais alguns talentosos, a verdade é que este talento matemático se tem ficado apenas pela tinta com que o texto foi escrito, tendo o significado do poema ficado por decifrar. Neste aspeto, não temos estado mal nos últimos anos em Portugal, basta ver o crescente número de prémios que os nossos jovens vão ganhando no estrangeiro ao mais alto nível. Sobretudo, precisamente, no campo das ciências exatas. E o nosso Presidente não se tem feito rogado ao repetir à exaustão que “nós somos os melhores”.

Mas, já há pelo menos há duas décadas, um desses cientistas portugueses já consagrados ao fim de muitos anos radicado lá fora – António Damásio – nos vem informando da importância fundamental das emoções na racionalidade. Ou seja, sem o tempero das emoções a nossa razão cai na apatia de espírito. A nossa glória reside na imaginação e um pouco no sonho também. Para além do pensamento conceptual, que é intrínseco ao pensamento científico racional, precisamos também do pensamento metafórico e alegórico que é feito de imagens analógicas. Ora, o paradigma dominante tem sido o das ciências exatas, em detrimento das ciências sociais e humanas. Uma delas, desvalorizada e desacreditada pelo “mainstream” é a antropologia. E dentro desta, a antropologia cultural e simbólica.

Por muito difícil que a vida e a mente sejam de compreender, não faria sentido dizer que a mente não faz parte do Universo no seu fundamento essencial, como dizer que são coisas que evoluíram por acaso, mas que podiam não ter evoluído, e assim, a Terra a esta hora seria um planeta igual a Vénus ou Júpiter, sem vida nem mente. Um objeto mecânico sem vida nem mente.

Todos esses campos que por vezes se classificam de espirituais, devem merecer o mesmo tipo de atenção da ciência que é dada à matéria e às máquinas. Aquelas coisas que à partida são chamadas perjuramente de invisíveis pela ciência ortodoxa, também deviam ser aprofundadas pela ciência. Todos teriam a ganhar, crentes e não crentes nesses disparates supersticiosos. E de facto isso não contrariaria o facto de chamarmos disparates a muitas coisas que ouvimos todos os dias na rua ou na televisão. Mas sem arrogância ou presunção de superioridade. Na verdade, ainda há muita coisa por explicar, e que os verdadeiros cientistas não sabem. Por exemplo, na Holanda, Alemanha, Áustria, a medicina convencional recorre assiduamente à colaboração de radiestesistas, obtendo resultados muito satisfatórios. Todavia, em Portugal, um médico que tenha o mesmo procedimento, pode ser expulso da Ordem dos Médicos.

A radiestesia, por exemplo, aquela que é utilizada para a deteção de poços de água subterrânea, não prova ser uma ciência no sentido estrito, pois não há dados que corroborem as hipóteses dos proponentes. Todas as experiências conduzidas seguindo o método científico demonstraram que o uso de técnicas de radiestesia não aumenta a probabilidade de que seja encontrada água no solo estudado. Porém, mesmo existindo divergências sobre a sua eficácia a radiestesia conseguiu ser aceita pela Academia de Ciências de Cuba, e ser incluída em 2009 entre os temas debatidos no VIII Congresso Cubano de Geologia. A radiestesia também foi por muitos anos aceite nos Estados Unidos como ciência. No entanto faltam estudos que o comprove. Alega-se que o movimento dos bastões dos radiestesistas é causado pelo efeito ideomotor que supostamente explicaria essa característica - além de outros supostos mistérios paranormais. Alega-se também que a aparente taxa de acerto seria causada pelo viés de confirmação. Os erros não são mencionados. Essa é uma tendência natural da mente humana e não necessariamente aplicada de má-fé pelos proponentes. 


E há depois toda uma parafernália de terapias alternativas New age que incluem no seu repertório a radiestesia, de credibilidade muito duvidosa. Claro que, o facto de uma chusma de curandeiros se aproveitarem desta onda nova era para fazerem pela vida, não significa que o princípio da radiestesia, ta como é defendido por algumas pessoas aparentemente sérias, seja uma aldrabice. Agora, a verdade é que, a ciência através da sua metodologia seguramente consagrada, não atesta a veracidade do que por aí se diz.

Käthe Bachler, é uma das radiestesistas mais sérias a nível mundial. Atualmente com 96 anos de idade, vem de uma família de agricultores de Salzburgo. A partir de 1969, começou a lidar com radiestesia e, a partir de 1971, passou a fazer conferências baseadas nas suas experiências. Após as primeiras viagens de pesquisa (América do Sul, 1972), recebeu uma bolsa de pesquisa do Instituto Pedagógico de Salzburgo e publicou as suas experiências e resultados de pesquisa a partir de 1976: Experiências de radiestesista; Veritas, Linz 1981; Biologia e doenças do local; Neubeuern: Inst. For Baubiologie + Oekologie, 1989; Experiências de radiestesista ; Landesverl., St. Pölten 2003; O bom lugar; Residência, St. Pölten 2007; Pesquisa direta do bom lugar ; Residência, St. Pölten 2008, 6ª ed.


Segundo Käthe Bachler, nós somos afetados pelas radiações da própria Terra nos bons e maus lugares. Estas têm um efeito muito maior e mais importante sobre nós do que tem sido reconhecido cientificamente. E isso também se passa com os nossos pensamentos e obcecações. As reações radiestésicas não são uma invenção, o ser humano está envolvido numa espécie de corpo radiante, invisível a olho nu, mas que pessoas muito sensíveis o podem sentir. Pode ser fortalecido, e é essa a mina dos terapeutas, e também pode ser rompido pela exposição a energias nocivas. Neste caso, é o sistema imunitário que mais sofre.

Existem áreas ao alcance da ciência, que não tendo sido devidamente exploradas, têm um grande potencial para contribuírem factualmente para um melhor conhecimento do mundo em que vivemos, e de nós próprios. Uma situação que está bem demonstrada é a exposição contínua e prolongada ao ruído de baixa frequência. Agora, se tem a ver com esse tal corpo radiante de que fala Käthe Bachler, esse é o busílis. Um português que se tem dedicado ao assunto é José Alexandre Cotta, autor do blogue e co-fundador da associação Radiestesia Lusitaniae, e que em parceria com o esoterista Paulo Alexandre Loução realizaram trabalho de campo junto a um menir e a uma anta no Alentejo. Segundo a geobiologia, a Terra é percorrida pela denominada rede Hartmann, cujas linhas têm 21 cm de largura e seguem exatamente a direção norte-sul e oriente-ocidente. Frequências vibratórias Curry e Hartmann têm sido verificadas exaustivamente nos cinco continentes e por milhares de radiestesistas. As medidas podem ter variações e as linhas Hartmann em certos locais apresentam uma configuração mais ou menos serpenteada.


Mais no domínio da espiritualidade e esoterismo é de referir o extraordinário trabalho literário de José Manuel Anes, que tem sido conhecido pela apresentação dos "Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira", mas o seu curriculo nesta área é vastíssimo. Com a emergência do Novo Espírito Antropológico na área das ciências humanas, a reabilitação científica do esoterismo tradicional tornou-se uma realidade. Mas convém distinguir o esoterismo tradicional do esoterismo-ficção que hoje polula livremente pela sociedade ocidental transmitindo ideias de cariz excessivamente carregado de superstição. O esoterismo tradicional exige uma libertação de qualquer dogma ou superstição, bem como não aceita  esoterismo-revelação, aquele em que as pessoas se afirmam falar com seres espirituais.

No domínio das Espiritualidades e Religiosidades, leccionou na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desde 1998 até 2010. Cursos Livres sobre Novos Movimentos Religiosos e Espiritualidades Alternativas e Violentas, integradas no que foi o Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões fundado e dirigido pelo Professor Moisés Espírito Santo. Sobre esses temas também tem leccionado no Centro Nacional de Cultura. Foi, nos anos 90, director da Biblioteca Hermética da Editora Hugin, É membro da European Society for the Study of Western Esotericism. É autor e co-autor de cerca de 30 livros e artigos no domínio das espiritualidades e religiosidades alternativas, de entre os quais se referem “Re-criações herméticas I e II” (1996, 1997), ambos na Hugin eds. “Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos” (3ª. Ed. 2006), “Um outro olhar – a face esotérica da cultura portuguesa (2006), “Mozart e os mistérios iniciáticos” (2007), “Alquimia, os alquimistas contemporâneos e os novos movimentos religiosos” (2009). “Uma Introdução ao Esoterismo Ocidental (Arranha Céus, 2ª Edição, 2014) .

Um outro português com grande notoriedade é o médico Luís Portela, ex-Presidente dos Laboratórios Bial, que tem realizado um amplo trabalho de divulgação dos estudos de parapsicologia e da consciência humana, incluindo a realização de congressos na área do cérebro e da consciência, tendo num deles estado presente o Dalai Lama. Luís Portela é Comendador da Ordem do Mérito, de que mais tarde veio a receber a Grã-Cruz. É também Professor Honorário da Universidade de Cádiz, em Espanha. Em 1998, foi distinguido com o Prémio de Neurociências da Louisiana State University, nos EUA. Colabora regularmente na comunicação social, tendo publicado oito livros: Evolução Tecnológica; À Janela da Vida; Esvoaçando; Serenamente; Encarar a Realidade; Ser Espiritual; O Prazer de Ser; da Ciência ao Amor;  Textos seus foram traduzidos e publicados em Inglaterra, no volume Spirit of Life.

As alterações climáticas e o desafio do projeto: “Covering Climate Now”




Muitos de nós hoje tem um sentimento de injustiça em relação às gerações a quem deveríamos entregar um mundo melhor tem de reflectir-se na necessária urgência de convocar todos para a procura de respostas. É o que hoje estão a fazer 250 órgãos de comunicação social de todo o mundo, entre jornais, rádios, televisões, blogues e podcasts, a reforçar durante uma semana na cobertura sobre a crise climática na iniciativa Covering Climate Now. Porque já não há dúvida de que esta é a batalha para que todos estamos convocados.

“Esta é a batalha das nossas vidas”, disse António Guterres. O desafio gigantesco que temos pela frente, contrariado pelo lento ritmo na mudança da nossa consciência para uma nova mundivisão, e para novos modos de vida, vai precisar de muitos anos para inverter o desarranjo a que chegámos. E isso, ao dar-nos consciência de que é um problema que ficará para as gerações mais novas enfrentarem e imporem soluções, põe muita gente furiosa. É o caso de Mark Herstgaard, fundador do Covering Climate Now, na foto em baixo.


Comecei a interessar-me pelo debate à volta das alterações climáticas na mesma altura em que criei este blogue em 2007, inspirado no blogue ‘De Rerum Natura’ também iniciado nesse ano, sendo Carlos Fiolhais e Desidério Murcho dois dos seus fundadores, e que eu já conhecia há algum tempo pelo meu envolvimento em debates que se vinham fazendo no âmbito da relação filosofia/ciência, tendo como pano de fundo as edições que se vinham publicando na Gradiva de Guilherme Valente, nas duas chancelas principais: Ciência Aberta e Filosofia Aberta. 

Na altura havia ficado surpreendido com Jorge Buescu, a partir de um seu post em 3 de abril de 2007, em que fazia uma crítica serrada aos ambientalistas fundamentalistas, estando na berlinda o Greenpeace. Embora Jorge Buescu não negasse o “aquecimento global”, a forma como fazia a crítica, a mensagem que deixou foi a contrária. E depois da intervenção de alguns comentadores, cujo conteúdo acabou por não revelar grande dissenso, Carlos Fiolhais fechou a cadeia de comentários com o seguinte golpe de misericórdia: “Escrevi outro dia no Sol sobre "Verdade Inconveniente" de Al Gore, que eu fui ver ao vivo. Ele é um verdadeiro artista. O que ele diz pondera estar certo, mas a maneira como diz tem mais a ver com um pregador evangélico do que com um divulgador de ciência. Mas o facto de misturar tão bem ciência e política é no mínimo curioso...”

Um caso para que Jorge Buescu chamava a atenção, era o Consenso de Copenhaga numa resposta a um dos comentadores: “Caro Miguel Carvalho: para voltar um pouco atrás, o livro do Lomborg tem 25 capítulos, dos quais apenas 1 se refere ao clima. E, 6 anos depois da publicação, é mais ou menos consensual na comunidade científica que trouxe dados genuinamente novos para a discussão. Procure no Google o Consenso de Copenhaga, por exemplo”. E eu fui então ver de que se tratava, porque desconhecia.

Lomborg, professor adjunto do Copenhagen Business Scholl, diretor do Centro de Consenso de Copenhaga, e ex-diretor do Instituto de Avaliação Ambiental em Copenhaga, tornou-se conhecido internacionalmente pelo seu best-seller e polémico livro: The Skeptical Environmentalist”, lançado em 2002. Em 2006 editou How to Spend $50 Billion to Make the World a Better Place. Em 2007 veio à luz com outro livro: Cool It: The Skeptical Environmentalist's Guide to Global Warming.

Em 2002, Lomborg e o Instituto de Avaliação Ambiental criaram o Consenso de Copenhaga, financiado pelo governo dinamarquês e pela revista The Economist, com o objetivo de estabelecer as prioridades para promover o bem-estar global, utilizando metodologias baseadas na teoria da economia do bem-estar. Em 2006, com o apoio do governo, foi criado o Centro do Consenso de Copenhaga. Mas 2012, quando a polémica de Lomborg já escaldava, as verbas governamentais foram retiradas e o centro fechou, sendo reinstalado nos Estados Unidos. 

Mas depois a saga de Lomborg continuou, quando já ninguém bem ponderado acreditava na sua boa-fé. Em 2015 a Universidade da Austrália Ocidental estabeleceu uma parceria para abrir um centro australiano, mas a medida gerou controvérsia e foi descoberto que a ideia havia partido do governo, que havia feito pressão sobre a Universidade com a oferta de financiamento. Os estudantes reuniram-se e protestaram, não apenas pelos meios obscuros usados na transação, mas também porque a baixa reputação científica de Lomborg iria manchar a reputação da Universidade. Parceiros científicos internacionais ameaçaram retirar. O escândalo foi tanto que o contrato acabou por ser anulado.

Afinal, Lomborg promovia campanhas sobre as alterações climáticas que era do mais pseudocientífico que havia. Ele não negava a realidade do aquecimento global, mas era um forte opositor do Protocolo de Quioto, e outras medidas para reduzir as emissões de carbono no curto prazo, argumentando que nós deveríamos nos adaptar à elevação da temperatura porque era inevitável, e era melhor investir em pesquisa e desenvolvimento de longo prazo para solucionar problemas que considerava mais importantes, como a pobreza, a poluição, a SIDA, a malária e a desnutrição.

O Comité Dinamarquês para a Desonestidade Científica condenou The Skeptical Environmentalist como "claramente contrário aos padrões para a prática da boa ciência". Obra desonesta, embora pessoalmente o autor tenha ficado ilibado porque a falta foi considerada devido a incompetência, e não a fraude científica. Lomborg admitiu não ser um especialista em problemas ambientais. Apesar da maciça rejeição da comunidade científica, ele tornou-se uma celebridade e as suas publicações têm sido de grande utilidade como um apoio para que políticos, e lobistas económicos justifiquem a sua recusa em adotar medidas para reduzir as emissões que provocam o aquecimento global.

O Consenso de Copenhague - que reuniu oito dos mais influentes economistas do mundo (incluindo os ganhadores do Prémio Nobel Robert Fogel, da Universidade de Chicago; Douglas North, da Universidade de Washington; e Vernon Smith, da Universidade de George Mason - teve a árdua tarefa de definir como 50 mil milhões de dólares deveriam ser investidos para melhorar o mundo. Foram escolhidas, inicialmente, dez áreas com desafios para o desenvolvimento: conflitos civis, mudanças climáticas, educação, estabilidade financeira, governança, fome e subnutrição, migração, reforma de mercado, água e saneamento e doenças infeciosas. Esta lista inicial foi somente mais uma das críticas que Lomborg teve que enfrentar. 

Quando perguntado sobre a origem dessa lista e o porquê de ela não incluir nenhum desafio em relação ao papel das mulheres - como estava explícito nos Objetivos do Milênio das Nações Unidas, Lomborg limitou-se a explicar que os desafios foram retirados de avaliações das mais diversas agências das Nações Unidas ao longo dos quatro anos precedentes. A relação custo-benefício era a tese inicial de Lomborg, de que investir no meio ambiente era um péssimo negócio. Os quatro melhores investimentos, de acordo com a decisão do Consenso, foram, respectivamente, o controlo da SIDA, o combate à subnutrição através de micro-nutrientes (vitaminas, ferro, zinco e etc), a liberalização do mercado e o controlo da malária. Dentre os quatro piores investimentos, três seriam ações em relação ao meio ambiente: “Não é dizer que não há aquecimento global e que os problemas relacionados ao meio-ambiente são inexistentes. Na verdade, a questão é como investir o dinheiro de forma inteligente. Para que investir muito dinheiro para obter pouco retorno, se podemos investir pouco dinheiro e obter muito retorno?” – questionou Lomborg.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Alguns exemplos de escrita da Antiguidade



O Disco de Faísto (Phaistos)
O Disco de Faísto (Phaistos) encontra-se no Museu Arqueológico de Heraclião, em Creta. É um disco em argila gravada, datado de 1700 a.C., encontrado nas ruínas do palácio minoico de Phaistos, na costa sul de Creta. Tem cerca de 15 centímetros de diâmetro e 1 centímetro de espessura. O disco de argila está decorado de ambos os lados com um total de 241 ideogramas (correspondendo 45 símbolos ou carateres individuais), dispostos numa espiral contínua no sentido dos ponteiros do relógio em ambas as faces. Continua a ser o exemplo de uma escrita que se revelou indecifrável. Signos ideográficos para representar pessoas, animais, plantas e objetos do quotidiano. Gareth Owens e John Coleman conseguiram há pouco tempo descobrir parte do seu significado. Um lado é dedicado a uma mulher grávida. O outro a uma mulher a dar à luz. A oração lê-se em espiral de fora para dentro. É, portanto, uma oração à Deusa-Mãe dos minoicos, diz Gareth Owens. 


Acima está uma tabela analítica com alguns carateres do disco de Faísto, em que o número associado corresponde à frequência com que aparece. Parecem hieróglifos cretenses ou egípcios. 


A Pedra de Roseta
A Pedra de Roseta foi encontrada no Egito, 56 Km a leste de Alexandria, em agosto de 1799, por soldados do exército de Napoleão. O bloco de pedra apresentava glifos cunhados em três partes distintas. Cada parte revelava um tipo de escrita que em nada se assemelha às demais: hieroglífica, demótica egípcia e grega clássica. A escrita do antigo Egito é uma escrita pictográfica – ideogramas individuais que representam uma ideia. Basicamente uma escrita por enigmas figurados ou por imagens, tendo na sua raiz uma função fonética.

Levantava-se a hipótese de que os três textos fossem o mesmo, embora apenas o em grego pudesse ser entendido. O médico britânico Thomas Young obteve um substancial progresso em 20 anos de estudo. Mas o mérito final da completa realização da tradução, em 1822, pertence ao estudioso francês Jean-François Champollion, que desta forma iniciou a ciência do estudo de assuntos referentes ao Egito. 


O texto regista um decreto do corpo sacerdotal do Egito, reunido em Mênfis, instituído em 196 a.C., sob o reinado de Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.), escrito em dois idiomas: egípcio tardio e grego. O texto em antigo egípcio foi escrito em duas versões: hieróglifos e demótico, esta última uma variante cursiva da escrita hieroglífica. A pedra tem 114 cm de altura, 72 cm de largura, cerca de 28 cm de espessura e pesa 760 kg.



Ao aplicar a técnica de Young a outras inscrições do período ptolemaico, Champollion pôde confirmar a leitura de Young dos nomes gregos nas cártulas. Aplicando o mesmo método a uma inscrição não-ptolemaica de Abu Simbel, que se sabia ter sido construída por Ramsés II, conseguiu-se identificar o nome deste faraó, o primeiro nome puramente egípcio a ser decifrado. Champollion estudara copta e apercebeu-se de que esta, a língua litúrgica da igreja copta, descendia da língua codificada nas inscrições hieroglíficas. Eram logogramas, sinais que representam uma palavra ou um conceito únicos, bem como de fonogramas. Algumas suposições, como o indicador do género, e o logograma de Ré, o deus-Sol, vieram a provar-se corretos. A escrita hieroglífica não tinha vogais, por isso não sabemos como era pronunciada a língua.

A escrita dos Maias


Quando o conquistador espanhol Cortés pilhou aldeias na costa do golfo do Iucatão em 1519, encontrou livros nas casas dos habitantes maias. Os livros maias foram escritos em folhas de papel de casca de árvore branqueada e dobrada como um biombo japonês, encadernadas entre capas de madeira. Sobreviveram apenas quatro. Em 1562, o provincial franciscano do Iucatão, o bispo Diego de Landa, destruiu todos os livros maias que conseguiu apanhar, por serem contra o cristianismo. No entanto a história tem destas ironias, foi ele que decifrou a chave do sistema de escrita maia.

Em baixo – Glifos em pedra. Existem inúmeras inscrições gravadas na pedra e pintadas em recipientes de cerâmica, e nas paredes das cavernas. Em 1973, após aturados estudos, mostrou-se como as inscrições nos monumentos de locais importantes como Palenque, podiam ser usadas para “ler” os monumentos onde eram colocadas e os rituais levados a cabo pelos governantes.


Popol Vuh é um livro sagrado maia que narra o nascimento do mundo. O códice foi escrito em língua indígena por nativos cristianizados. É possível observar diversas influências do cristianismo neste livro, que permaneceu oculto até 1701, quando foi traduzido por um sacerdote espanhol. Segundo o Popol Vuh, no começo tudo era escuro e silêncio, só existiam o céu e o mar. Até que Tepeu e Gucumatz criaram as árvores, os animais e os homens. Os deuses queriam alguém para louvá-los, então primeiro criaram os homens de barros. Mas eles não se multiplicavam nem podiam andar, então os deuses desmancharam os homens. Depois os deuses fizeram os homens de madeira, porém eles também não se multiplicavam e não louvavam seus progenitores e foram desfeitos. Os animais então levaram milho aos deuses, e do milho foi feito o homem. O livro narra a epopeia dos deuses gémeos Hunahpú e Ixbalanqué. Estes deuses venceram os senhores do Xibalbá, o submundo maia, em seu próprio jogo. Assim se tornaram o sol e a lua.

A herança perdida das tradições indígenas


Um totem ou tóteme é qualquer objeto, animal ou planta que seja cultuado como um símbolo ancestral de uma comunidade. A religião derivada do culto do totem é denominada totemismo. É em relação ao totem que as coisas são classificadas em sagradas ou profanas dentro da comunidade. A etimologia da palavra é derivada de dodaim, que significa aldeia ou residência de um grupo familiar. Numa outra latitude americana deriva do ojibwa, ou uma língua relacionada, e significa o mesmo “grupo de afinidade”. 

Uma das principais funções dos tótemes era registar as lendas, linhagens e acontecimentos notáveis familiares ou de clã. Erguiam-se postes da vergonha como lembretes simbólicos de dívidas em falta, discussões, assassínios e outros acontecimentos indignos que não podiam ser discutidos publicamente.