segunda-feira, 16 de setembro de 2019

As alterações climáticas e o desafio do projeto: “Covering Climate Now”




Muitos de nós hoje tem um sentimento de injustiça em relação às gerações a quem deveríamos entregar um mundo melhor tem de reflectir-se na necessária urgência de convocar todos para a procura de respostas. É o que hoje estão a fazer 250 órgãos de comunicação social de todo o mundo, entre jornais, rádios, televisões, blogues e podcasts, a reforçar durante uma semana na cobertura sobre a crise climática na iniciativa Covering Climate Now. Porque já não há dúvida de que esta é a batalha para que todos estamos convocados.

“Esta é a batalha das nossas vidas”, disse António Guterres. O desafio gigantesco que temos pela frente, contrariado pelo lento ritmo na mudança da nossa consciência para uma nova mundivisão, e para novos modos de vida, vai precisar de muitos anos para inverter o desarranjo a que chegámos. E isso, ao dar-nos consciência de que é um problema que ficará para as gerações mais novas enfrentarem e imporem soluções, põe muita gente furiosa. É o caso de Mark Herstgaard, fundador do Covering Climate Now, na foto em baixo.


Comecei a interessar-me pelo debate à volta das alterações climáticas na mesma altura em que criei este blogue em 2007, inspirado no blogue ‘De Rerum Natura’ também iniciado nesse ano, sendo Carlos Fiolhais e Desidério Murcho dois dos seus fundadores, e que eu já conhecia há algum tempo pelo meu envolvimento em debates que se vinham fazendo no âmbito da relação filosofia/ciência, tendo como pano de fundo as edições que se vinham publicando na Gradiva de Guilherme Valente, nas duas chancelas principais: Ciência Aberta e Filosofia Aberta. 

Na altura havia ficado surpreendido com Jorge Buescu, a partir de um seu post em 3 de abril de 2007, em que fazia uma crítica serrada aos ambientalistas fundamentalistas, estando na berlinda o Greenpeace. Embora Jorge Buescu não negasse o “aquecimento global”, a forma como fazia a crítica, a mensagem que deixou foi a contrária. E depois da intervenção de alguns comentadores, cujo conteúdo acabou por não revelar grande dissenso, Carlos Fiolhais fechou a cadeia de comentários com o seguinte golpe de misericórdia: “Escrevi outro dia no Sol sobre "Verdade Inconveniente" de Al Gore, que eu fui ver ao vivo. Ele é um verdadeiro artista. O que ele diz pondera estar certo, mas a maneira como diz tem mais a ver com um pregador evangélico do que com um divulgador de ciência. Mas o facto de misturar tão bem ciência e política é no mínimo curioso...”

Um caso para que Jorge Buescu chamava a atenção, era o Consenso de Copenhaga numa resposta a um dos comentadores: “Caro Miguel Carvalho: para voltar um pouco atrás, o livro do Lomborg tem 25 capítulos, dos quais apenas 1 se refere ao clima. E, 6 anos depois da publicação, é mais ou menos consensual na comunidade científica que trouxe dados genuinamente novos para a discussão. Procure no Google o Consenso de Copenhaga, por exemplo”. E eu fui então ver de que se tratava, porque desconhecia.

Lomborg, professor adjunto do Copenhagen Business Scholl, diretor do Centro de Consenso de Copenhaga, e ex-diretor do Instituto de Avaliação Ambiental em Copenhaga, tornou-se conhecido internacionalmente pelo seu best-seller e polémico livro: The Skeptical Environmentalist”, lançado em 2002. Em 2006 editou How to Spend $50 Billion to Make the World a Better Place. Em 2007 veio à luz com outro livro: Cool It: The Skeptical Environmentalist's Guide to Global Warming.

Em 2002, Lomborg e o Instituto de Avaliação Ambiental criaram o Consenso de Copenhaga, financiado pelo governo dinamarquês e pela revista The Economist, com o objetivo de estabelecer as prioridades para promover o bem-estar global, utilizando metodologias baseadas na teoria da economia do bem-estar. Em 2006, com o apoio do governo, foi criado o Centro do Consenso de Copenhaga. Mas 2012, quando a polémica de Lomborg já escaldava, as verbas governamentais foram retiradas e o centro fechou, sendo reinstalado nos Estados Unidos. 

Mas depois a saga de Lomborg continuou, quando já ninguém bem ponderado acreditava na sua boa-fé. Em 2015 a Universidade da Austrália Ocidental estabeleceu uma parceria para abrir um centro australiano, mas a medida gerou controvérsia e foi descoberto que a ideia havia partido do governo, que havia feito pressão sobre a Universidade com a oferta de financiamento. Os estudantes reuniram-se e protestaram, não apenas pelos meios obscuros usados na transação, mas também porque a baixa reputação científica de Lomborg iria manchar a reputação da Universidade. Parceiros científicos internacionais ameaçaram retirar. O escândalo foi tanto que o contrato acabou por ser anulado.

Afinal, Lomborg promovia campanhas sobre as alterações climáticas que era do mais pseudocientífico que havia. Ele não negava a realidade do aquecimento global, mas era um forte opositor do Protocolo de Quioto, e outras medidas para reduzir as emissões de carbono no curto prazo, argumentando que nós deveríamos nos adaptar à elevação da temperatura porque era inevitável, e era melhor investir em pesquisa e desenvolvimento de longo prazo para solucionar problemas que considerava mais importantes, como a pobreza, a poluição, a SIDA, a malária e a desnutrição.

O Comité Dinamarquês para a Desonestidade Científica condenou The Skeptical Environmentalist como "claramente contrário aos padrões para a prática da boa ciência". Obra desonesta, embora pessoalmente o autor tenha ficado ilibado porque a falta foi considerada devido a incompetência, e não a fraude científica. Lomborg admitiu não ser um especialista em problemas ambientais. Apesar da maciça rejeição da comunidade científica, ele tornou-se uma celebridade e as suas publicações têm sido de grande utilidade como um apoio para que políticos, e lobistas económicos justifiquem a sua recusa em adotar medidas para reduzir as emissões que provocam o aquecimento global.

O Consenso de Copenhague - que reuniu oito dos mais influentes economistas do mundo (incluindo os ganhadores do Prémio Nobel Robert Fogel, da Universidade de Chicago; Douglas North, da Universidade de Washington; e Vernon Smith, da Universidade de George Mason - teve a árdua tarefa de definir como 50 mil milhões de dólares deveriam ser investidos para melhorar o mundo. Foram escolhidas, inicialmente, dez áreas com desafios para o desenvolvimento: conflitos civis, mudanças climáticas, educação, estabilidade financeira, governança, fome e subnutrição, migração, reforma de mercado, água e saneamento e doenças infeciosas. Esta lista inicial foi somente mais uma das críticas que Lomborg teve que enfrentar. 

Quando perguntado sobre a origem dessa lista e o porquê de ela não incluir nenhum desafio em relação ao papel das mulheres - como estava explícito nos Objetivos do Milênio das Nações Unidas, Lomborg limitou-se a explicar que os desafios foram retirados de avaliações das mais diversas agências das Nações Unidas ao longo dos quatro anos precedentes. A relação custo-benefício era a tese inicial de Lomborg, de que investir no meio ambiente era um péssimo negócio. Os quatro melhores investimentos, de acordo com a decisão do Consenso, foram, respectivamente, o controlo da SIDA, o combate à subnutrição através de micro-nutrientes (vitaminas, ferro, zinco e etc), a liberalização do mercado e o controlo da malária. Dentre os quatro piores investimentos, três seriam ações em relação ao meio ambiente: “Não é dizer que não há aquecimento global e que os problemas relacionados ao meio-ambiente são inexistentes. Na verdade, a questão é como investir o dinheiro de forma inteligente. Para que investir muito dinheiro para obter pouco retorno, se podemos investir pouco dinheiro e obter muito retorno?” – questionou Lomborg.

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