««[…] Em busca de melhor sorte e de enriquecer facilmente, Lúcio Licínio Lúculo veio ocupar o lugar de cônsul da Hispânia em 151 a.C. E com ele veio o pretor Sérgio Sulpício Galba. Fiéis à política belicista do Senado, vinham para a Hispânia para enriquecer e acabar de vez com a resistência lusitana, custasse o que custasse. Ora, Galba não conseguia estancar as terríveis perdas que bandos de Lusitanos lhe estavam a causar. Então Lúculo foi forçado a dirigir-se para a Bética a fim de ajudar Galba. […]»»
Ocupando o
território entre Douro e Tejo na faixa atlântica da Península
Ibérica, havia um povo com o nome de Lusitanos, cuja verdadeira origem
ainda hoje é controversa. Dada a inexistência de escavações arqueológicas
sistemáticas na zona, embora haja algum apoio dos escassos documentos
arqueológicos e epigráficos, muito do que se conhece resulta da leitura de
textos de autores da época: Políbio, Diodoro, Estrabão, Apiano, Plínio, etc. É
claro que a discrepância entre eles é tão grande que se torna
difícil traçar o verdadeiro retrato dos Lusitanos e da Lusitânia nos seus
limites geográficos. Uns consideram que se tratava de uma etnia de origem
pré-ibérica, que terá sido subjugada pelos Celtas aquando das primeiras
invasões, mas que posteriormente se terá de novo autodeterminado. Outros autores
entendem que são genuinamente um povo indo-europeu oriundo das zonas helvéticas.
Rufo Festo Avieno, século IV, dedica a seu amigo Probo a descrição geográfica das costas da Europa, desde as Ilhas Britânicas até ao Mar Negro (Ponto Euxino). Avieno pode ter feito algumas viagens, mas muitas das descrições são copiadas de outras mais antigas, como por exemplo: O Périplo Massaliota, séc. VI a.C., um manual de algum autor de Massília (Marselha) que na altura era uma colónia grega.
Caminho marítimo entre o Mediterrâneo e o Atlântico Norte conhecido pelo menos desde o século VI a.C. por fenícios, oriundos do que é hoje o Líbano e a Palestina; e por gregos, sobretudo os fócios, habitantes da Fócia, na Ásia Menor, provavelmente os primeiros colonos que fundaram Marselha. É já do tempo da Idade do Ferro, mas recolhe conhecimento anterior do tempo da "rota do estanho". Este documento é o primeiro que descreve os vínculos comerciais à volta da Europa, também testemunhado pelas evidências arqueológicas deste período e anteriores.
Segundo Diodoro de
Sicília, a sociedade lusitana era uma sociedade aristocrática na medida em que
o poder político, social e a maior parte da riqueza estavam nas mãos de um
reduzido número de pessoas que integravam a sociedade. Estes aristocratas
mostravam o seu status social pela posse de uma panóplia completa de
guerreiros. O regime de governo era a chefia militar que ocorria em momentos
específicos, concretamente em caso de guerra. Os caudilhos, ou chefes
militares, eram eleitos em assembleias populares.
Na
guerra civil entre César e Pompeu, os lusitanos combateram ao lado de uma das
fações. Foi nesta altura que se procedeu ao traçado da estrada que iria de
Mérida a Astorga – Rota da Prata. A partir da época de Augusto, as fontes
literárias mantêm um respeitoso silêncio acerca do território lusitano, e
quando no século II aparecem algumas informações, constata-se que surgiram
vários municípios flávios e que há muitos outros com estatuto desconhecido. E
as divindades romanas vão ganhando raízes no primitivo panteão dos lusitanos. O objetivo
principal da presença romana na Península Ibérica era impedir que os
cartagineses nela circulassem e agissem em inteira liberdade. Mas depois, é
claro, foram interesses económicos em proveito próprio que motivaram a decisão
romana de se apoderar da Península Ibérica. A ocupação romana da Hispânia foi uma operação necessária na
estratégia romana da Segunda Guerra Púnica. Mas depois as guarnições foram ficando, fosse por inércia política, fosse por outros interesses económicos. Daí que a partir de certa altura as populações nativas passassem a sentir a necessidade de fazer alguma coisa para evitar a opressão.
O alistamento de lusitanos pobres em diversos exércitos para obterem algum
ganho nos despojos, era um procedimento habitual desde os finais do século III a.C. Em 218
a.C. já havia tropas lusitanas nos exércitos que combatiam com Aníbal, em
Itália, tropas às quais Aníbal recordou, num discurso, os sacrifícios que
tinham de suportar nas suas terras, pois a dedicação à pastorícia nunca
lhes proporcionaria proveitos significativos.
Politicamente, o
ano de 197 a.C. foi especialmente significativo para a Hispânia. Nesse ano é
concluída a divisão do território conquistado em duas províncias: A Citerior,
mais próxima de Roma, e a Ulterior, mais afastada: Lusitânia, Tarraconense e Bética. Esta reforma administrativa da Hispânia
determinará todo o processo político de conquista, e afetará, evidentemente, as
terras lusitanas.
A forma como as
comunidades lusitanas se integraram no mundo romano não foi através de
deditiones, como habitualmente acontecera nas regiões ibéricas ou celtibéricas
onde o proto-urbanismo estava mais desenvolvido do que nas lusitanas, mas sim
através de acordos e pactos. Assim, em 151 a.C. a derrota lusitana possibilitou
um acordo com Marco Atílio, que supunha a submissão de alguns lusitanos e
vetões. Pouco tempo depois este acordo foi quebrado pelos lusitanos. Galba
pretendeu estabelecer outro acordo com os lusitanos, mas também não o
conseguiu. Em 145 a.C. dá-se uma nova tentativa, por parte dos lusitanos, de
estabelecer um pacto com o governador Vetílio, em troca da promessa de
obediência a Roma, tentativa essa gorada pela intervenção do próprio Viriato. Mas o seu poder acaba por ser reconhecido quando o senado de Roma o considerou amicus populi romani reconhecendo a sua liderança nas terras da Lusitânia. Roma colocava Viriato ao mesmo nível de outros reis aliados importantes. Deste modo, a própria sociedade lusitana tenderia a evoluir para formas mais complexas de organização política que, a certa altura, poderia ser uma monarquia governada por Viriato. Mas a história não se fez assim. Viriato morre em 139 a.C.
Falar de lusitanos é o mesmo que chamar povo de Viriato, líder que se notabilizou na luta pela liberdade contra o Império Romano na segunda metade do século II a.C. Uma grande parte da biografia de Viriato difundida no seio dos portugueses é lendária. Atualmente os historiadores defendem que se tratava de um líder político, um excelente estratega militar, que ao comando de um corpo de guerreiros composto por elementos de diversas tribos, se impôs contra a subjugação romana, cuja campanha de aguentou durante oito anos. Teve, contudo, um desenlace infeliz, uma conspiração movida pelos romanos culminou no seu assassinato à traição.
Para o estudo de
Viriato apenas dispomos de fontes romanas. Na tradição oral ibérico-lusitana
não há nada sobre a sua pessoa. E se alguma coisa houvesse, teria sido
modificada e manipulada pelos seus inimigos romanos. A sua pátria parece ter
sido a Serra da Estrela – Mons Hermínius. Diodoro de Sicília diz que Viriato é
de origem lusitana, “nascera na parte ocidental do território perto do Oceano”.
Também se ignora o ano em que nasceu. A data é estimada fazendo a seguinte
conta: tendo à volta de 20 anos quando aparece pela primeira vez na História – 150
a.C. Então deverá ter nascido cerca de 170 a.C. Mas a baliza oficial está
compreendida entre 181 – 139 a.C.
Ora, Viriato foi o
grande estratega da guerrilha ofensiva, e não apenas defensiva contra os
romanos, como havia sido em Numância. A característica essencial da estratégia
de Viriato era o ataque. O seu objetivo político-militar era a independência da
sua pátria em relação a Roma. Mas para isso faltava-lhe quase tudo menos
audácia – capacidade organizativa e administrativa, recursos materiais para
além dos saques e homens para lutar. Por isso a sua estratégia não ia além da
tática de desgaste, que apesar de algumas investidas terem sido letais, o
resultado era apenas dilatório.
Viriato era um
mestre na dissimulação da fuga. Fingia fugir para de imediato atacar. Aproveitava-se
do efeito surpresa que na confusão tirava proveito do seu maior conhecimento do
terreno. O assalto a colunas de abastecimento e a destacamentos de apoio eram
muito proveitosos. Apesar de as opiniões sobre a estratégia de Viriato serem
elogiosas nos relatos dos autores romanos, a verdade é que Viriato comandou a
guerra lusitana mais pela força das circunstâncias do que por uma decisão pensada.
As negociações
entre Viriato e Cepião são sobejamente conhecidas através de relatos de Apiano,
Diodoro e Dião Cássio. Ocorreram no ano de 139 a.C. visto que Tito Lívio
reporta a morte de Viriato a esse mesmo ano. Viriato formou uma comissão com
três dos seus soldados – que eram homens provenientes da província romana da
Bética que se tinham passado para o seu lado – e foram negociar ao acampamento
romano. E foi aqui que Viriato cometeu um erro de palmatória: não foi difícil a
Cepião convencer estes homens a assassiná-lo com promessas de vantagens
pessoais e posse de terras. Quando regressaram ao acampamento de Viriato
mataram-no enquanto dormia. Sem demora fugiram para o acampamento romano em
busca da recompensa, mas os seus cálculos saíram-lhes furados.
Em Roma este
assassinato foi considerado um ato indigno. E o sentimento dos lusitanos foi de
uma dimensão inaudita. Os lusitanos realizaram exéquias como se de um ente
divino se tratasse. O cadáver foi queimado sobre uma pira gigantesca e
ofereceram inúmeras vítimas aos deuses. Foram imolados animais de várias
espécies. Em seguida, perante as suas cinzas, mais de duzentos pares
pronunciaram cânticos de celebração e promessas de combates em sua honra. E a
luta dos lusitanos contra os romanos, ainda que por pouco tempo. A morte de
Viriato, como esperaram os romanos, foi o fim da resistência lusitana.
A época do
Humanismo, com o renascimento do estudo do mundo clássico e da literatura
antiga, proporcionou a ressurreição da recordação histórica das raízes lusitanas
do povo português, e a reabilitação heróica de Viriato. Luís de Camões dedicou-lhe
uma emotiva evocação na sua epopeia nacional – Os Lusíadas. Os vestígios de um
acampamento romano, localizado nas proximidades de Viseu, foi dado como
correspondência ao que era relatado por alguns autores como “A Cova de Viriato”.
Para Portugal, Viriato passou a marcar o seu herói mais antigo que está na raiz
mais profunda da nacionalidade portuguesa.
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