Pecado significa
desobediência. Portanto, se Abrão desobedecesse matar o filho, cortando-lhe o
pescoço, estaria a cometer um pecado mortal, porque estava a desafiar a
autoridade de Deus, ou de Javé. É o mesmo conceito fundamentalista, o da obediência
à vontade de Deus, que está por trás do assassinato de infiéis e apóstatas. Se
os entusiastas desta submissão morrerem em cumprimento da vontade de Deus, obterão
o estatuto sagrado de mártir, pelo que terão no céu não sei quantas virgens à
sua espera.
Porque não podemos
ter uma vida ética impelida pelos nossos próprios sentimentos? Porque existe um
deus escondido, feito polícia, a espiar o que fazemos mesmo no abrigo privado
da nossa casa. Mas o medo da punição divina nada acrescenta à nossa situação
moral para que sejamos boas pessoas. Muito menos as ameaças de terrores após a
morte se nos portarmos mal, ou a recompensa de imensas mulheres virgens no céu
se nos oferecermos como mártir ao nos explodirmos matando o maior número
possível de inocentes infiéis.
Ora, as questões
do nosso tempo que envolvem a moral nada têm a ver com doutrinas de uma moralidade
religiosa fanática e demente. Pelo contrário, à luz dos Direitos Humanos são
doutrinas absolutamente imorais.
Há, contudo, por
parte de pensadores evoluídos com um arcaboiço filosófico muito sofisticado,
como por exemplo o filósofo analítico americano Alvin Plantinga, de que o
motivo para agirmos moralmente não tem a ver com a vingança ou castigo de Deus,
mas o amor por Deus e pelos nossos congéneres humanos. E exemplificam o
argumento com as várias organizações de caridade. Mas é preciso estarmos
atentos à camuflagem pia, por muito bem-intencionada que seja. Vejam-se as
reportagens apresentadas por certos órgãos de comunicação social sobre a pouca
vergonha e indecência de certas igrejas com a corrupção financeira e outros
tipos de imoralidades.
2.
Quando éramos jovens
estudantes de liceu, uma vez por ano pela Páscoa da Ressurreição, íamos todos
em filinha à desobriga pascal. E para isso tínhamos de nos confessar a um de
meia dúzia de padres que vinham das freguesias limítrofes para se instalarem na
sacristia da igreja matriz, à nossa disposição para o ato da confissão. O primeiro
pecado que os rapazes confessavam era o da masturbação. E o segundo era que dizíamos
palavrões obscenos. E os pecados ficavam por aí, porque o padre dizia que já
chegavam para nos sentenciar a penitência: rezar três Pai-Nossos e duas Ave-Marias.
E se um daqueles padres mais concupiscentes perguntasse que palavrões eram
esses nós dizíamos: “caralho, piça, cona, foda-se e vai-te foder”.
Ora, com estas moralizações
cristãs nós não respondíamos pela deriva trágica que os mais timoratos de
alguns de nós sofressem do ridículo que os mais libertinos ousavam gozar. E
assim alguns não escaparam a danos mentais provocados pelo conflito entre os
escapes das forças da natureza e a condenação dos mesmos. A expressão sexual
adolescente daqueles tempos era deixada ao Deus dará e fosse o que Deus
quisesse. deixem marcas perenes como uma das maiores torturas. A ansiedade da
culpa na idade da inocência era suficientemente forte para deixar marcas e
truncar a sexualidade futura.
É inacreditável,
mas era incutida na cabeça dos jovens que a masturbação era pecado porque ia
contra o propósito divino da criação. Daí a violação ser considerada um mal menor,
e a gravidez adolescente um efeito colateral, mas tolerável pelo resultado
virtuoso da criação. A conceção, para o cristianismo católico, era uma dádiva
divina. E a mesma premissa moral, por raciocínio invertido, estava na base da
afirmação católica de que a contraceção era pecado, porque tinha o mesmo efeito
da masturbação, a esterilidade. Além de fazer mal à saúde, colidia com o
mandamento divino da procriação. O celibato dos padres era um compromisso com
uma outra virtude excecional.
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