quinta-feira, 2 de maio de 2019

Pecados e imoralidades

1.
Pecado significa desobediência. Portanto, se Abrão desobedecesse matar o filho, cortando-lhe o pescoço, estaria a cometer um pecado mortal, porque estava a desafiar a autoridade de Deus, ou de Javé. É o mesmo conceito fundamentalista, o da obediência à vontade de Deus, que está por trás do assassinato de infiéis e apóstatas. Se os entusiastas desta submissão morrerem em cumprimento da vontade de Deus, obterão o estatuto sagrado de mártir, pelo que terão no céu não sei quantas virgens à sua espera.

Porque não podemos ter uma vida ética impelida pelos nossos próprios sentimentos? Porque existe um deus escondido, feito polícia, a espiar o que fazemos mesmo no abrigo privado da nossa casa. Mas o medo da punição divina nada acrescenta à nossa situação moral para que sejamos boas pessoas. Muito menos as ameaças de terrores após a morte se nos portarmos mal, ou a recompensa de imensas mulheres virgens no céu se nos oferecermos como mártir ao nos explodirmos matando o maior número possível de inocentes infiéis.

Ora, as questões do nosso tempo que envolvem a moral nada têm a ver com doutrinas de uma moralidade religiosa fanática e demente. Pelo contrário, à luz dos Direitos Humanos são doutrinas absolutamente imorais.

Há, contudo, por parte de pensadores evoluídos com um arcaboiço filosófico muito sofisticado, como por exemplo o filósofo analítico americano Alvin Plantinga, de que o motivo para agirmos moralmente não tem a ver com a vingança ou castigo de Deus, mas o amor por Deus e pelos nossos congéneres humanos. E exemplificam o argumento com as várias organizações de caridade. Mas é preciso estarmos atentos à camuflagem pia, por muito bem-intencionada que seja. Vejam-se as reportagens apresentadas por certos órgãos de comunicação social sobre a pouca vergonha e indecência de certas igrejas com a corrupção financeira e outros tipos de imoralidades.


2.
Quando éramos jovens estudantes de liceu, uma vez por ano pela Páscoa da Ressurreição, íamos todos em filinha à desobriga pascal. E para isso tínhamos de nos confessar a um de meia dúzia de padres que vinham das freguesias limítrofes para se instalarem na sacristia da igreja matriz, à nossa disposição para o ato da confissão. O primeiro pecado que os rapazes confessavam era o da masturbação. E o segundo era que dizíamos palavrões obscenos. E os pecados ficavam por aí, porque o padre dizia que já chegavam para nos sentenciar a penitência: rezar três Pai-Nossos e duas Ave-Marias. E se um daqueles padres mais concupiscentes perguntasse que palavrões eram esses nós dizíamos: “caralho, piça, cona, foda-se e vai-te foder”.

Ora, com estas moralizações cristãs nós não respondíamos pela deriva trágica que os mais timoratos de alguns de nós sofressem do ridículo que os mais libertinos ousavam gozar. E assim alguns não escaparam a danos mentais provocados pelo conflito entre os escapes das forças da natureza e a condenação dos mesmos. A expressão sexual adolescente daqueles tempos era deixada ao Deus dará e fosse o que Deus quisesse. deixem marcas perenes como uma das maiores torturas. A ansiedade da culpa na idade da inocência era suficientemente forte para deixar marcas e truncar a sexualidade futura.

É inacreditável, mas era incutida na cabeça dos jovens que a masturbação era pecado porque ia contra o propósito divino da criação. Daí a violação ser considerada um mal menor, e a gravidez adolescente um efeito colateral, mas tolerável pelo resultado virtuoso da criação. A conceção, para o cristianismo católico, era uma dádiva divina. E a mesma premissa moral, por raciocínio invertido, estava na base da afirmação católica de que a contraceção era pecado, porque tinha o mesmo efeito da masturbação, a esterilidade. Além de fazer mal à saúde, colidia com o mandamento divino da procriação. O celibato dos padres era um compromisso com uma outra virtude excecional.

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