domingo, 23 de maio de 2021

Amazonas [1] – Guerreiras da Floresta da Amazónia


Guerreiras da Floresta, nome pelo qual as mulheres da Floresta Amazónica do Maranhão chamam a si mesmas, é um grupo de mulheres que já há mais de meia dúzia de anos se batem contra os madeireiros em seu território, através de novas táticas no combate ao desmatamento em uma das últimas áreas intactas da Floresta Amazónica do Maranhão. Têm sido fundamentais para reforçar a proteção e impedir que madeireiros entrem nos territórios indígenas. Por isso mesmo, também elas sofrem ameaças, muitas vezes resultando em assassinatos como o de Paulo Paulino Guajajara, morto em 2019 numa terra indígena vizinha. O resultado: em dois anos, o desmatamento na Terra Indígena Caru caiu de 2.000 para 63 hectares. São grupos de mulheres indígenas como este, que mostram o papel feminino nas ações de conservação da Natureza.




As ações são mais sofisticadas do que à primeira vista se podia pensar: numa manhã de dezembro de 2019, no Maranhão, meia dúzia de indígenas Guajajara encheu as mochilas de comida, mapas e um drone para patrulharem uma área de 173 mil hectares de floresta primária. Tão simples como isso. Despediram-se dos filhos, sem saber quando, ou se, os veriam de novo. Esta parte do Brasil, situada numa zona de transição entre a Amazónia e o Cerrado, onde resta um dos últimos trechos de floresta intacta e contígua no Maranhão, tem sido devastada por conflitos de terra e por uma das maiores taxas de desmatamento do país na última década.

Patrulhar ativamente o território em busca de invasores não é nada novo para os Guajajara, povo indígena que tem mais de 500 anos de experiência nisso. Hoje, eles usam tecnologia de satélites e esforços coordenados com agências de fiscalização para atingir os seus objetivos. Esta abordagem é relativamente nova, e o seu uso tem crescido nos anos recentes. Mas a existência de grupos de Guardiões da Floresta, formados somente por mulheres, é algo único.

Projeto Demonstrativo de Povos Indígenas (PDPI), é um programa desenvolvido por organizações indígenas, e implementado 
pelo Ministério do Meio Ambiente do governo federal, para melhorar a proteção territorial e cultural destes povos. Inicialmente, os Guardiões da Floresta eram predominantemente homens. Mas a tarefa veio a revelar-se extremamente difícil. Vendo isso, as mulheres Guajajara entraram no Programa e formaram o seu próprio grupo, que consistia originalmente de 32 participantes. Mas o caminho para serem levadas a sério e tratadas como iguais também não foram rosas, como diz Paula Guajajara: “Para buscar parcerias, nós andávamos, conversávamos, dormíamos no chão – tudo isso para buscar melhorias para nossa comunidade. Já expulsamos muitos madeireiros. Se não tivéssemos agido, não haveria floresta em pé.” Uma vez que se uniram, houve essa mudança muito forte. Tanto no contexto da redução das invasões, quanto para despertar a consciência coletiva para a proteção do território.



As Guerreiras da Floresta também foram essenciais para estabelecer a conexão com outros grupos indígenas que buscam igualmente proteger os seus territórios, como os Ka’apor, os Awá-Guajá e outras comunidades Guajajara. Elas não só se articulam com outros grupos indígenas, como também educam as comunidades vizinhas sobre a importância da conservação ambiental. Diz Maisa Guajajara:
“Nem todas as mulheres fazem trabalho de vigilância porque sabemos que é um trabalho perigoso, mas sempre há algumas que o fazem. As guerreiras geralmente fazem mais atividades fora do território: damos palestras na região para falar sobre as invasões. E aumentamos a consciencialização nos vilarejos falando sobre a importância de manter a floresta em pé.”
As Guerreiras da Floresta, por exemplo, são parceiras do projeto Mãe D’água, que, junto com a ONG Fórum da Amazónia Oriental (Faor), dá apoio a mulheres indígenas para fortalecer as suas ações coletivas contra o desmatamento e a poluição das águas. Essas ações incluem visitas a comunidades ribeirinhas vizinhas nas quais as guerreiras explicam os seus modos de vida, como a caça e os rituais. Para as guerreiras, quanto mais as comunidades da região souberem sobre a cultura Guajajara, mais respeitarão suas ações para defender o território.

As mulheres são muito mais afetadas pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental do que os homens. É bem evidente que as desigualdades entre os géneros, tais como a posse da terra e o acesso à tomada de decisões quanto a estratégias do foro energético, impactam negativamente o bem-estar humano e ambiental na região. Como são as comunidades indígenas que costumam estar na linha da frente na defesa dos seus territórios, são as mulheres que enfrentam as maiores dificuldades na utilização dos recursos, e na luta pelos direitos contra grandes projetos de extração dos seus recursos. Ter mais mulheres envolvidas em tudo, nomeadamente nas decisões ambientais e climáticas, só beneficia a sociedade como um todo. Maior participação feminina na formulação de políticas públicas aumenta a eficácia interventiva nas políticas tendo em vista contrariar a catástrofe climática.

A Terra Indígena Caru, por exemplo, sofreu uma perda florestal, desde 2000, de 4%. Ao passo que o estado do Maranhão perdeu quase 25% das suas florestas no mesmo período, de acordo com dados do Global Forest Watch. Essas manchas de floresta intacta são cruciais para a implementação de soluções mais sustentáveis, através do manejo da floresta por métodos naturais no sentido de restaurar os ecossistemas. Ora, tal necessidade, implica que se coloque uma barreira firme contra o desmatamento. 
Entre 2000 e 2015, as terras indígenas demarcadas tiveram dez vezes mais perda florestal do que os territórios não-indígenas. O Brasil abriga aproximadamente 900 mil cidadãos indígenas de 305 povos diferentes, a maioria dos quais vive em terras demarcadas. Mesmo assim, mais da metade das áreas reivindicadas pelos grupos indígenas ainda não recebeu o reconhecimento formal do governo brasileiro.


Sem comentários:

Enviar um comentário