segunda-feira, 3 de maio de 2021

Assédio sexual. O juridiquês e outros jargões



As recentes declarações da atriz Sofia Arruda ao assumir que foi vítima de assédio sexual por parte de alguém que alegadamente tinha muito poder numa estação televisiva e que, por causa disso, fora afastada durante anos dos ecrãs, só agora trouxe de uma forma mais visível  o tema do assédio sexual para a agenda mediática em Portugal, reproduzindo aquilo que já tinha começado a surgir em outubro de 2017, em Hollywood, e que ficou conhecido pelo movimento #MeToo (Eu também).

Agora o Expresso também contactou a apresentadora de televisão e atriz Catarina Furtado, que tinha assumido em 2018, num podcast da Rádio Comercial, ter sido assediada, sem na altura revelar mais detalhes. Mas aceitou agora aprofundar mais a questão e revelar pela primeira vez que foram três as pessoas com cargos superiores hierárquicos que a assediaram em momentos diferentes do seu passado profissional.

O assédio sexual não se encontra autonomizado no Código Penal, mas está criminalizado através da coação sexual (casos de contacto forçado da vítima com partes íntimas do corpo do agressor e com direito a penas até oito anos de prisão) e da importunação sexual (atos de exibicionismo ou formulação de propostas de teor sexual explícito e com penas até um ano de prisão). Todos os dias, são abertos pelo Ministério Público três casos por estes dois tipos de crimes, porém, a maior parte acaba arquivada.

Muita gente ainda deve estar lembrada da conduta do juiz desembargador Neto de Moura, quando citou a Bíblia para atenuar uma sentença por violência doméstica. Em 16 de janeiro de 2020, li a notícia que: 
«Neto de Moura havia mudado o nome com que assinava as suas decisões para Joaquim Moura. O acórdão de Neto de Moura que gerou mais polémica versa sobre um caso de violência doméstica, que envolveu agressões com uma “moca” com pregos.» Neto de Moura decidiu aplicar pena suspensa aos dois culpados alegando que o “adultério” da mulher era atenuante: 
“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”.
O juridiquês é a linguagem que se fala nos tribunais, que para a maioria do comum dos mortais que falam português é como se falassem chinês. E até mesmo para muitas pessoas licenciadas em Direito. É comum encontrar textos em juridiquês onde uma única frase se estende por um parágrafo inteiro, com dezenas de vírgulas e verbos condicionais, apostos com citações de artigos dos códigos penais. 

Quando o juridiquês é traduzido para outros idiomas menos tolerantes de frases infindáveis, o tradutor, para o público perceber, costuma quebrar estes parágrafos originais e ininteligíveis em várias frases mais coerentes, dado que quando o leitor chega ao meio do parágrafo-frase, a frase já deu tantas reviravoltas gramaticais e já agrupou tantas ideias que não é mais possível acompanhar o raciocínio sem voltar ao princípio. Daí que um amigo meu, em tom humorístico, tenha transformado o assunto assim, numa piada:
O quê? Uma velhinha de dois canos matou uma espingarda de sem anos? Não pode ser uoó Ramalho, vai pró. . . vira a página e torna a ler, vai-te. . .
Ah! Uma velhinha sem ânus foi morta por uma espingarda de dois canos. 
Chiça Ramalho, não pode ser, uma velhinha tem muitos anos. . . vira a página e torna a ler. 
Ah! Cem anos! E uma espingarda com dois ânus.
Atualmente, é importante ressaltar o incómodo da sociedade em face do "jargão jurídico", o que devia ser evitado ao máximo, a favor da clareza e transparência, e para nossa sanidade mental. Já lá vão uns anos quando, precisamente um tal Ramalho, teve o privilégio do convite para jantar em casa de um amigo, onde também estavam dois desembargadores, dois advogados e dois médicos, que nos anos de 1960 um deles havia dado guarida a Álvaro Cunhal na clandestinidade. Nunca lhe tinha passado pela cabeça, ao Ramalho, que os bastidores daquelas eminências fossem assim. Ora, nessa fase do campeonato, tudo levaria a crer que ele já estaria vacinado contra santas ingenuidades e filhos de Deus. Por isso, seria de esperar que já não se deixasse impressionar, mas impressionou, não apenas as ladainhas jurídicas, mas também um episódio de um encontro que um tal juiz desembargador havia tido com Álvaro Cunhal dos tempos da clandestinidade. E referiu-se aos olhos de lince do Cunhal que fulminou o juiz quando ele disse um suposto disparate. Como eram os olhos do Cunhal? Ele disse de outra maneira: “um olhar mefistofélico quase hipnotizante”.

É claro que os detalhes, perdem-se entre a memória e o esquecimento. A não ser a tal ladainha do juiz desembargador, uma narrativa de quando ainda jovem estudante, que mais parecia a Ceia dos Cardeais adulterada (do latim adulterāre, que neste caso tanto dá para significar falsificar como cometer adultério). Mas essa ladainha já o Ramalho se tinha fartado de ouvir a um colega, embora com outros contornos, trinta anos antes quando ainda andava no primeiro ano da Faculdade. Assim, o juiz desembargador, contou a sua história, quando ainda jovem estudante: "
Confirmo o que havia dito, ter amado uma rapariga linda de morrer, que mais tarde veio a dar em prostituta, porque o pai, que era um estupor, casou-a com o labrego de um abastado lavrador" :
Ele e ela ainda eram muito jovens, e ele passou os dias que lhe restaram, antes de ir para a Faculdade, a rondar a quinta do lavrador. Até que um dia, viu-a. Então, conseguiu persuadi-la a abrir o portão da eira e deixá-lo entrar, para depois os dois se infiltrarem num velho cabaneiro onde o caseiro guardava a palha, e onde estava por lá um carro de madeira de duas rodas, ao alto, todo escangalhado. Bem, ele não contava que o lavrador estivesse à coca, a topar a cena toda. A verdade é que os dois foram surpreendidos por ele no enlace de uma foda. E sendo o lavrador um homem alto, forte e machacaz, não esteve com meias medidas, desancou o jovem, que viria a ser mais tarde um juiz desembargador, com uma valente bofetada e um pontapé no cu. O jovem desandou às arrecuas, descalço e com as calças na mão. E, aos saltinhos, pelo lajedo da eira, lá se escapuliu por uma quelha, escondido do mundo, conforme pôde. Depois disso, já todos sabíamos que ele tinha ido estudar Direito para Coimbra. E que só soube muito mais tarde que a jovem rapariga havia deixado o lavrador e desaparecido para parte incerta.

Sem comentários:

Enviar um comentário