quarta-feira, 17 de abril de 2024

Jürgen Habermas



O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas foi confrontado enquanto adolescente com a história viva do nacional-socialismo; a experiência da desumanidade coletiva do seu país marcou-o definitivamente. Compreender a possibilidade dessa experiência tão radicalmente distinta dos ideais de liberdade, justiça e autonomia da tradição de Kant, Hegel e Marx, mas acontecida precisamente na mesma cultura, impôs-se-lhe como desafio incontornável. A discussão entre Habermas e John Rawls sobre concepções de democracia (deliberativa, procedimental, etc.) é um produtivo ponto de abordagem desta questão na filosofia política contemporânea.

Sem deixar de considerar o pessimismo civilizacional expresso pela geração da Escola de Frankfurt anterior à sua, Habermas procura responder-lhe. Para ele, o projeto do Iluminismo não está morto. No núcleo do seu trabalho está a elaboração de uma teoria da democracia para o nosso tempo, bem como uma causa: mostrar que este projeto não é um projeto ingénuo. É esta causa que está por trás de importantes polémicas teóricas que trava nos finais do século XX com filósofos franceses como Jean-François Lyotard ou Jacques Derrida. Quando no pensamento francês esta ideia já se tinha tornado ultrapassada, Habermas não deixa nunca cair a ideia de emancipação. Habermas estudou em Göttingen, Zurique, Bona e Frankfurt. Escreveu a sua tese de doutoramento sobre Schelling (1954) e a tese de Habilitation sobre a esfera pública (1962) — um tema que, aliado ao da racionalidade comunicacional, estruturará todo o seu pensamento. A tese de Habilitation de Habermas será terminada em Marburgo devido a um desentendimento com Horkheimer.

Ao longo da sua muito produtiva vida académica, ensinou entre a Alemanha e Nova Iorque, na New School for Social Research. Algumas das suas obras fundamentais são Conhecimento e Interesse (Erkenntnis und Interesse, 1968), Técnica e Ciência como «Ideologia» (Technik und Wissenschaft als «Ideologie», 1968), Teoria da Ação Comunicacional (Theorie des kommunikativen Handelns, 1981), O Discurso Filosófico da Modernidade (Der Philosophische Diskurs der Moderne, 1985) e Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats (Entre Factos e Normas: Contribuições para Uma Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, 1992). Publicou também bastante, mais recentemente, sobre democracia, bem como sobre a Europa e a União Europeia, e sobre as relações entre naturalismo e religião em diálogo com o ainda cardeal Ratzinger, que viria a ser o Papa Bento XVI.

O Discurso Filosófico da Modernidade é uma meditação sobre a história da filosofia contemporânea, com a tradição alemã no seu núcleo, e do ponto de vista filosófico talvez a mais fascinante das suas obras.Isto quer dizer que a visão que Habermas tem da filosofia contemporânea não considera o nascimento da filosofia analítica nos autores de língua alemã - Frege, menos considerado pelo seu recato avesso a protagonismos, ainda que Bertrand Russel o tenha relevado para grande plano; e Wittgenstein, que ao contrário de Frege deu muito que falar com a sua excentricidade quase mística. Habermas é um leitor do que melhor se faz da filosofia analítica em inglês, mais no âmbito da filosofia da linguagem e da filosofia política. Nada disso é tradição em língua alemã. 

Para Habermas, do núcleo da tradição alemã, tem muito respeito pelo grande triunvirato - Kant; Hegel; Marx. O filósofo alemão com quem Habermas se envolveu em polémica foi Dieter Henricha, propósito da famigerada Metafísica tão delapidada por Heidegger e seus epígonos. Não deixa de ser interessante contrastar as ideias habermasianas com o grande paladino da Fenomenologia Alemã - Edmund Husserl, com o regresso às formas de vida, elas próprias.

Ora, concentrando todo o discurso da Modernidade que já vinha pensada de Kant e Hegel, à qual Marx lhe pregou um bom acrescento com a sua historicidade, assim Habermas se filiou no outro triunvirato que deu a chancela da Escola de Frankfurt - Horkheimer, Benjamin e Adorno. Habermas tornou-se muito crítico dos pensadores franceses que se extraviaram no apelidado pensamento pós-moderno, com Foucault e Derrida à cabeça, sem negligenciar a dupla dos patronos: Nietzsche e Heidegger.

Portanto, o Discurso Filosófico da Modernidade tem como ponto central a sua teoria: Da Ação Comunicacional. Esta aparece como fundamentação de um projeto iluminista e democrático, superando a filosofia da consciência husserliana, mas não através de qualquer relativismo pós-modernista. Do ponto de vista teórico, o próprio Habermas considera que ultrapassar a ligação existente entre uma determinada linhagem de crítica social e a filosofia do sujeito é uma precondição da crítica social. É através da Teoria da Ação Comunicacional que pretende levar a cabo uma crítica da razão centrada no sujeito. Esta é a raiz da ligação do pensamento de Habermas à teoria da linguagem. 

Em termos de teoria social, Habermas pretende também substituir, no lugar fundamental que esta ocupava, a categoria marxista do trabalho pela categoria da comunicação. Para a teoria da ação comunicacional, Habermas nas suas ligações com os analíticos ingleses foi buscar inspiração aos diversos estudos sobre a linguagem, nomeadamente aos atos de fala de J. L. Austin e John Searle. Habermas pretende pôr em relevo o potencial ético e crítico desta abordagem da linguagem; a sua ideia central é a de uma pragmática universal também inspirada em Kant.

A competência comunicacional representa assim uma possibilidade de acordo subjacente a toda a interação humana. A ação comunicacional é o nome da ação social coordenada através de atos de fala, nos quais e pelos quais os falantes pretendem a verdade, retidão e sinceridade. A partir da perspectiva pragmática, torna-se claro o envolvimento de tais pretensões de validade no entendimento linguístico. É uma teoria da linguagem apoiada na racionalidade. Os falantes têm de se envolver em modos de comportamento para os quais existem boas razões para a construção de uma sociedade plena de valores democráticos. E isso faz-se através do entendimento intersubjetivo. É por assim dizer uma ética discursiva, de linhagem kantiana, que conduz a uma teoria social e política da modernidade, uma teoria fundamentadora, racionalista e universalista.

Contrariando o pendor pessimista de anteriores autores da Escola de Frankfurt como Adorno e Horkheimer, Habermas pretende recuperar o potencial emancipador e universalista do projeto civilizacional da modernidade e mostrar que a razão instrumental não tem o papel totalmente dominante nas sociedades contemporâneas que as críticas pessimistas lhe atribuem. Ele pensa que o diagnóstico de Adorno e Horkheimer (o diagnóstico do carácter totalitário, monolítico, da razão instrumental) é excessivo e esquece um outro tipo de racionalidade, em ação também ele nas sociedades contemporâneas, a que chama racionalidade comunicacional, e que vê como orientada não para a manipulação e reificação de todas as realidades naturais e sociais, mas sim para o entendimento mútuo e a ação consensual. Esta diferença é o que lhe permite articular a sua resposta aos críticos e adversários da civilização europeia com o epíteto de "O Ocidente".

Sem comentários:

Enviar um comentário