quinta-feira, 18 de abril de 2024

O furor nos tempos da depressão entre as duas grandes guerras


Tal como nos anos 20 e 30 do século XX, poucas pessoas do dito “povo” se preocupam. Naquele tempo, em toda a Europa, bares, estádios de futebol, salões de baile e cinemas ficavam apinhados. Ainda se fazia a catarse da Depressão, da Guerra de 14-18, e da pandemia da gripe pneumónica. As pessoas procuravam aquilo que fizesse a vida valer a pena. Queriam divertir, procurando o que pudesse tornar a sua existência mais tolerável.




O que as pessoas mais queriam era entretenimento, e não intelectuais com palavreado a saber a “alta cultura”. A disseminação do entretenimento de massas já tinha feito enormes progressos durante a década de 1920, mas ainda não era o grande negócio que se tornaria em breve. Os progressos tecnológicos foram uma das principais causas, com a rádio e os discos de música no topo da moda. Milhões de pessoas, no mesmo instante, na sua privacidade, ouviam os seus artistas prediletos.

A maior parte dos impulsos e das inovações vinha dos Estados Unidos. O país representava tudo o que era novo, vibrante e excitante para milhões, sobretudo para os jovens da Europa Ocidental. A música popular e o cinema eram as forças mais dinâmicas. A Inglaterra, tendo a mesma língua e fortes laços culturais com os Estados Unidos, era mais aberta que qualquer outro país à influência americana (ainda que na década de 1930 tenham sido impostas barreiras para evitar que músicos britânicos ficassem sem trabalho, substituídos por talentos americanos importados). Os jovens se apressavam a abraçar as novidades. Tentativas de deter a maré estavam fadadas ao fracasso. O consumismo em expansão acarretou uma demanda insaciável por tudo o que os novos meios de comunicação cultural tinham a oferecer.




Com a amplificação, os cantores já não precisavam ter vozes poderosas. Podiam empunhar o microfone em vez de projetar a voz à distância e obter um som muito melhor do que poucos anos antes. O primeiro da música popular, cuja fama cruzou o Atlântico na década de 1930, foi Bing Crosby. O mesmo ocorreu com Frank Sinatra poucos anos depois. Cantores europeus também ganharam enorme popularidade, que na maior parte das vezes se limitava a seu próprio país. As cantoras também ganharam renome em seus próprios países e às vezes fora deles. Édith Piaf, “o pequeno pardal”, que começou a trilhar o caminho do estrelato em meados da década de 1930, em poucos anos era a mais conhecida artista popular da França (e, nos anos seguintes, uma celebridade internacional).




A guerra e a rádio como entretenimento para os soldados produziram suas próprias estrelas. Vera Lynn, já bem conhecida, no fim da década de 1930, pela rádio e por seus discos, como vocalista de algumas das mais conhecidas orquestras dançantes da Inglaterra, foi apelidada de “Namorada das Forças Armadas”. Dificilmente se encontraria um soldado britânico que não conhecesse seu maior sucesso, “We’ll Meet Again”, música em perfeita sintonia com a época. “Lili Marlene”, na voz de Lale Andersen, embora não apreciada pelos oficiais nazis, tornou-se a favorita da Wehrmacht e, extraordinariamente, cruzou as linhas e tornou-se sucesso também entre os soldados Aliados na versão em inglês, cantada por Marlene Dietrich.




O novo som das big bands nasceu também nos Estados Unidos, com o sucesso da Paul Whiteman Orchestra na década de 1920 (dando a Bing Crosby a sua primeira grande oportunidade como cantor). Havia também algumas bandas importantes integradas por músicos negros, como a de Fletcher Henderson. Mas os negros ainda eram discriminados no mercado. Alguns dos maiores intérpretes de jazz, como o trompetista Louis Armstrong, que ganhou fama com as bandas Hot Five e Hot Seven, na década de 1920, adaptaram-se às novas tendências e tornaram-se astros das novas bandas antes de ter as suas próprias. Na década de 1930, quando o sucesso que fazia em seu próprio país, embora digno de nota, ainda era limitado pelo preconceito racial, que vedava aos artistas negros os contratos mais polpudos, Armstrong conquistou grande aclamação popular na Europa.




Duke Ellington, o mais complexo e inovador de todos os primeiros “reis do jazz”, viveu algo parecido quando sua banda tocou no London Palladium, em 1933 — “os aplausos foram magníficos, era aplauso em cima de aplauso”, comentou ele. Seis anos depois, sua segunda turnê europeia chegou ao clímax em Estocolmo, em abril de 1939, com muita festa de seus fãs suecos por seu quadragésimo aniversário. No entanto, até mesmo Armstrong e Ellington estavam perdendo terreno para novas tendências da música popular, cuja nova febre era o swing. O expoente máximo (e maior beneficiário) dessa transição foi Benny Goodman, cujo pai tinha fugido do terror antissemita na Rússia para os Estados Unidos. Goodman, apelidado “Rei do Swing”, era um excelente clarinetista cuja banda tocava uma versão autêntica do jazz, beneficiada por arranjos de Fletcher Henderson (que, como muitos outros músicos negros de destaque, tinha vivido tempos difíceis durante a Depressão). Mas Goodman tinha muitos imitadores menos inovadores e menos talentosos. Eles transformaram o swing basicamente em música para dançar, explorando o filão do “furor dançante” que tomou conta de grande parte da Europa na década de 1930.




Na Alemanha nazi, no entanto, o swing, como o jazz, eram considerados “música de negros”. No entanto, o que o regime podia fazer era eliminar artistas populares que não se encaixassem em seus critérios de pureza racial. Entre eles estava o famoso artista de cabaré Fritz Grünbaum, judeu que tentou fugir da Áustria imediatamente depois do Anschluss, em 1938, mas foi barrado na fronteira checa. Ele foi mandado para o campo de concentração de Buchenwald e para o de Dachau, onde morreu em 1941. Fritz Löhner-Beda, também judeu e originário da Boémia, libretista famoso que tinha trabalhado em musicais e operetas com Franz Lehár, entre outros, foi preso em Viena depois do Anschluss, enviado a Dachau, depois a Buchenwald e, por fim, em 1942, a Auschwitz. Foi espancado até à morte no complexo industrial anexo, Monowitz. Ralf Erwin, judeu nascido na Silésia, compositor mais conhecido pela canção “Ich küsse Ihre Hand, Madame” [Beijo sua mão, madame] — famosa na voz do tenor Richard Tauber —, fugiu da Alemanha na época da ascensão do nazismo ao poder, em 1933. Foi capturado na França durante a ocupação e morreu num campo em 1943. No âmbito do entretenimento popular, como em muitas outras áreas da vida cultural, os nazis empobreceram grotescamente a Alemanha com suas políticas raciais absurdas e truculentas.



Com tantos jovens convocados para o serviço militar, os dias de glória do swing e das orquestras começaram a desaparecer. Os salões enfrentavam dificuldades óbvias, Muitas bandas interromperam suas atividades porque seus membros tinham sido convocados. Alguns continuavam tocando mesmo de farda, mas outros já não podiam fazer o mesmo. Muitos foram mortos em ação. Glenn Miller, renomado líder da orquestra americana da Força Expedicionária Aliada, que reunia 48 músicos, morreu em dezembro de 1944 no Canal da Mancha, quando o avião que o transportava da Inglaterra para a França, onde se apresentaria para soldados franceses, desapareceu. 

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