Hoje volto a lembrar-me do que já lá vão quase trinta anos quando cruzei Karl Popper com Sigmund Freud e a sua psicanálise, uma pseudociência pelos critérios de ciência de Popper. Longe de buscar o seu fundamento em algum resquício atávico ou primitivo do instinto animal, Freud achou que a pulsão de morte deve ser reconhecida como elemento que, além de não contradizer a função do logos, faz parte do próprio núcleo desse logos. A pulsão de morte é um dos conceitos centrais da teoria psicanalítica. Desconhecê-la implica retirar uma parte substancial da subjetividade de qualquer ponto de vista que pretenda uma aproximação do real humano, tanto no plano individual como no coletivo.
O pensamento de Freud poderá ser caracterizado por um ceticismo alerta e crítico diante de alguns dos valores máximos do Iluminismo: a crença na soberania da razão, a fé no progresso e a veneração incondicional pelo saber científico. Evidentemente isso não quer dizer que Freud não seja tributário da razão iluminista, mas cujos pontos chave da sua investigação assenta nos sintomas do logos, abrindo caminho ao impensado do saber, além de mostrar os devastadores efeitos produzidos pelo retorno daquela parte da verdade que o paradigma técnico/científico ataca, ou simplesmente prefere desconhecer. A dialética entre Eros e Tanatos designa o facto de que a condição humana é atravessada pelo paradoxo de reinarem nela os desejos que promovem a vida, mas também a destruição. As pulsões de vida e de morte se enlaçam, constituindo uma estrutura intrincada, isto é, uma estrutura na qual os representantes de Eros (o amor e o desejo) devem estabelecer barreiras e limites à tendência letal da pulsão de morte.
Uma pessoa com 80 anos tem aproximadamente 1000 vezes mais risco de falecer, se for infetada pelo SARS-CoV-2, do que uma pessoa de 20 anos. Graças ao progresso tecnológico e à melhoria dos cuidados de saúde, a esperança de vida dos europeus tem vindo a aumentar consideravelmente desde o século XIX. Se a esperança de vida de hoje fosse a mesma da última década do século XIX, a mortalidade da Covid-19 seria negligenciável. Mas, de acordo com uma equipa de cientistas norte-americanos, este indicador estagnou por volta da década de 1990. Desde aí que a idade da pessoa mais velha do mundo não aumenta. A equipa de especialistas do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova Iorque (EUA), usou bases de dados demográficos para concluir que o limite máximo da longevidade da nossa espécie foi atingido e fixa-se à volta dos 115 anos, ainda que o recorde até à data conseguido esteja nos 122 anos atingido por uma mulher francesa - Jeanne Louise Calment - falecida em 4 de agosto de 1997.
Há experiências em modelos animais que já mostraram que a alteração de fatores associados ao ambiente e à genética pode “alterar substancialmente a duração de vida”. Mas mais importante do que vivermos muito tempo, será sermos capazes de viver muito tempo com qualidade de vida. Ou seja, aumentar a longevidade travando o envelhecimento. E é isso que um frenético grupo de cientistas está a tentar obter.
A evolução exponencial da mortalidade com a idade, foi constatada e proposta em 1825 por Benjamin Gompertz, que propôs uma nova metodologia para o cálculo da variação do risco de morte com a idade. Foi feita com base em informações puramente estatísticas, sem consideração das causas específicas ou dos mecanismos que tinham causado as mortes. Porém, numerosos trabalhos posteriores vieram a demonstrar que a probabilidade de morte por muitas causas específicas (mas não todas) evolui de uma forma adequadamente modelada pela Lei de Gompertz, com um fator que varia com a doença específica e com características da sociedade, assim como o sistema de saúde e o nível de desenvolvimento económico do país.
As pessoas precisam de treinar o instinto que une os pontos mais profundos do mundo para melhor o compreenderem. Neste tempo de inteligência virtual cada vez mais nebulosa, os computadores às vezes não sabem distinguir o lixo do bom senso. Uma coisa é a ciência. Outra coisa são os cientistas. A ciência em si avança sempre, e amanhã estará um passo mais à frente do que estava ontem. Mas os cientistas são apanhados no caminho das perplexidades. E uma boa parte deles não gosta de ser apanhada. E é assim que começa o baralhamento. Sim, é muito frequente os cientistas mais arrogantes serem os que mais se baralham. Depois da licenciatura vem o mestrado. Depois do mestrado vem o doutoramento. E ao fim de cinco anos e uma sucessão de publicações vêm os convites e os prémios. E se o desempenho for bom fica praticamente garantida uma cátedra prestigiada. Este é um tipo de cientista. Não são todos iguais. A maior parte dos cientistas fica obcecada pelas certezas quando está a fazer experiências na tentativa de encontrar uma solução para um problema. E isso tolda as decisões. A investigação é mais produtiva quando o cientista se sente mais confortável com a incerteza.
Voltando à longevidade, que não tem nada a ver com o direito à vida, podemos transferir aquele raciocínio, aplicado à ciência, para as nossas escolhas ao longo da vida. E as pessoas pensam que morrer é a pior coisa para a vida de uma pessoa. Mas não pode ser, na medida em que é a única certeza que nós temos, ninguém escapa, mais tarde ou mais cedo, à morte. Em contrapartida, certas vicissitudes e sofrimentos podem acontecer ou não. Estas coisas são do domínio da incerteza, a que as pessoas chamam sorte ou azar. E nesse caso as nossas escolhas, que estão sob a tutela da estatística, não podem ser tomadas sem um grau de risco, porque é isso que a incerteza nos oferece. Temos sempre que arriscar sob os auspícios do otimismo da vontade na ação. Retomo aqui a frase de Romain Rolland, que depois Gramsci também a utilizou: “devemos ser pessimistas pela inteligência; e otimistas pela vontade”.
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