terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Uma questão de ressentimento








O estudo filosófico do ressentimento remonta a Nietzsche. Nietzsche, no seu pensamento mais forte, fala da tendência que resulta da sua própria condição contrária. O ressentido não elimina, mas acomoda, como se tratasse de um amortecedor. A essência do ressentimento reside na pulsão de eliminação fundada na culpabilidade. Mas na verdade não é de culpabilidade que se trata, mas sim de defeito. 

Este é o jargão nietzschiano: “O ressentimento é a face niilista de um combate que é preciso empreender no devir, com ele, mas para o transformar em futuro”. Dito por outras palavras: não é boa ideia combater o “ressentimento”, porque ao combatê-lo está-se a ser tão ressentido quanto o que se quer combater. Ou seja, o combate ao ressentimento vai gerar mais ressentimento de ambos os lados. A intelectualidade académica, a certa altura, quando numa aula algum professor pertencente a essa intelectualidade dizia apenas 'o ressentido', e não 'a ressentida', fazia questão de ressalvar que se tratava de qualificar o ente ou o sujeito. Se fosse 'sujeita ressentida', ou 'enta ressentida', para além de erro gramatical, era um oximoro, portanto, a palavra “sujeita” veiculava uma conotação pejorativa na psicologia popular do senso comum.

O ressentimento pode resultar de uma variedade de situações que envolvem uma transgressão percebida de um indivíduo, que muitas vezes é desencadeada por expressões de injustiça ou humilhação. Fontes comuns de ressentimento incluem incidentes que humilham publicamente, como aceitar tratamento negativo sem expressar qualquer protesto; sentir-se objeto de discriminação ou preconceito. Sentir-se usado ou aproveitado por outros; e ter conquistas não reconhecidas, enquanto outros têm sucesso sem mérito. O ressentimento também pode ser gerado por interações diádicas, como rejeição emocional ou negação por outra pessoa, constrangimento deliberado ou depreciação por outra pessoa, ou ignorância, rebaixamento ou desprezo por outra pessoa.

O ressentimento também pode ser fabricado e desenvolvido para ser mantido. Focando nas queixas passadas (isto é, memórias perturbadoras de experiências dolorosas) continuamente, ou tentando justificar a emoção (isto é, com pensamentos/sentimentos adicionais). Assim, o ressentimento pode ocorrer como resultado do processo de luto, e pode ser sustentado pela ruminação obsessiva.

O ressentimento acabou por entrar na política como uma forma de protesto. O ressentimento como forma de protesto de uma ação passada, que persiste como uma ameaça presente. É o caso do ressentimento contra o racismo pós-colonial. Isso representa uma ameaça e como tal é desafiada ao se ressentir como forma de protesto. O ressentimento afirma o que os opressores negaram e negam, perpetuando a condição da vítima de racismo. O ressentimento está focado na situação ou evento prejudicial do passado e não nas pessoas do aqui e agora. 

O ressentimento, quando não é saudável, pode vir na forma de raiva hostil com um motivo de retaliação. O
 ónus tem de continuar a recair sobre a civilização ocidental ou europeia. E é a isso que João Miguel Tavares se refere quando diz que são os próprios europeus, sobretudo nas instituições e meios académicos, a serem mais papistas que o papa, "desejosos de se mostrarem condescendentes e progressistas". A partir de 1970 meteu-se na cabeça dos académicos, sobretudo franceses, que o chamado processo de 'racialização', não era um fenómeno universal, mas sim criado no que também chamavam 'mundo ocidental'. O termo 'racialização' surgiu na década de sessenta do século XX para exprimir o processo social, político e religioso a partir do qual certas camadas da população de etnia diferente eram identificadas em relação à maioria da população, tendo em conta que esta identificação estava diretamente associada ao seu aspeto, características fenotípicas ou à sua cultura étnica, normalmente associada a preconceitos relativamente à diferença.

Convém distinguir os conceitos de 'racismo' e de 'racialização'. Por exemplo, no caso das vítimas de racismo, estas ao sofrerem de um processo de 'racialização' estabelecem, nesse processo com as pessoas que as vitimizaram, uma relação que as distingue como raça. Mas esta distinção, de um modo geral, não tem qualquer conteúdo racista. É um processo que se desenvolve sem conteúdo ideológico, mas resultante da vivência quotidiana.

Em sociologia, 'racialização' ou 'etnização' é o processo de atribuir identidades raciais ou étnicas no relacionamento com um grupo, o qual não se identificou como tal. É um processo de significação resultante de relações socias, sem conteúdo biológico. As categorias raciais têm sido historicamente usadas como uma maneira de permitir que uma figura ou grupo opressivo discrimine outros grupos ou indivíduos que eram vistos como diferentes dos opressores. A racialização é um processo longo, e os membros de cada grupo são categorizados com base em suas diferenças percebidas em relação àquelas que são consideradas elite dentro de uma sociedade.



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