quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Terra Santa


Podíamos dizer Palestina como se diz hoje, mas em 163 a.C. esse nome referia-se a uma pequena faixa junto ao Mediterrâneo que pouco mais era do que é hoje a faixa de Gaza. Portanto, Palestina, nem sequer é mencionada no Novo Testamento. Deriva da palavra grega 'Philistia'  que os gregos usavam para se referirem a uma região próxima da Judeia. Com o tempo, Philistia passou a ser Palestina, para designar toda a região de Canaã. Esta região vai das montanhas da Síria, a Norte, até às estepes do deserto do Negueve a Sul. E na sua largura vai do Mediterrâneo até ao deserto da Arábia. O mapa da região dessa época que é apresentado aqui, corresponde aproximadamente ao primeiro século com a configuração geopolítica dada pelo Império Romano. 
Precisamos entender todo o processo histórico, dentro da configuração territorial romana para chegarmos à Palestina do primeiro século da presente era. 




Depois de Alexandre Magno este território ficou incluída na região Mesopotâmica/Ásia Central, sob o governo dos Selêucidas que governavam a Síria. O Egito ficou sob a alçada dos Ptolemeus. Assim, o território onde é hoje a Palestina ficou num espaço disputado entre os Ptolemeus e os Selêucidas. Sabemos que a dinastia Selêucida na Síria foi de várias formas mais agressiva que a dos Ptolemeus. Em certas épocas sob Antíoco III (223-187 a. C.), o seu reino abarcou a Arménia, a Pártia, e um pouco da Índia. Já a dinastia dos Ptolemeus era mais tolerante com a vida cultural e religiosa, em especial com os Judeus.

Os Selêucidas trouxeram grande desconforto para a Palestina, sobretudo a partir do governo de Antíoco Epifânio, que invadiu Jerusalém, 143 anos depois de Seleuco e seus sucessores ter começado a reinar na Síria. Nesse período, muitos judeus incorporaram a cultura helénica às suas práticas religiosas e sociais, especialmente entre a “nobreza alta de Jerusalém”. Entre 175 e 163 a. C., estes judeus helenizados, cujos interesses eram prejudicados pelas regulamentações detalhadas da Torah, romperam com as instituições tradicionais. Encorajados por Antíoco, fundaram em Jerusalém uma polis no estilo grego, que completaram com um ginásio e um conselho dominado pelos nobres não sacerdotais da família de Tobias. Este desiderato alcançou o seu clímax em 167 a. C., quando Antíoco demoliu as muralhas da cidade de Jerusalém e construiu uma nova fortaleza - Acra - para a guarnição síria. Inclusivamente estabeleceu-se no próprio Templo um culto dedicado ao deus grego - Zeus, e Antíoco publicou um decreto proibindo a prática da religião judaica na Judeia. Os tradicionalistas responderam com revolta armada. Sob a liderança de uma família de ricos sacerdotes rurais - os Macabeus - fizeram guerra aos Selêucidas que durou vinte anos. Em 164 a. C., Judas Macabeus abateu o culto de Zeus, que viera a ser conhecido por ‘abominação da desolação’. Ficou assim restabelecido o culto tradicional dos judeus, evento que ainda hoje se celebra no feriado da Hannukah.

Esse momento da história ganha contornos marcantes com a aproximação aos Romanos por iniciativa dos Macabeus. Com a vitória dos Hasmoneus, Judas Macabeu é nomeado sumo sacerdote. Os Romanos, que tinham grande interesse na região, até porque significava o livre acesso ao Egito, e com esse horizonte em mente, estabeleceram o primeiro tratado com a dinastia dos Macabeus. O tratado era amplamente favorável aos Macabeus e oferecia a segurança que precisavam no ambiente hostil da dinastia dos Selêucidas. O ano de 142 a.C. marca o início da independência da Judeia. Com o estabelecimento da família dos Macabeus, é definida uma dinastia vitalícia na Judeia, os Hasmoneus, que vai permanecer até ao ano 63 a.C. 
Com o apoio de Roma, os Hasmoneus vão ampliar continuamente o território, anexando a Idumeia (região dos árabes), cidades no litoral do Mediterrâneo, e a região de Decápolis (cidades de cultura helenizada). A geopolítica hasmoneia era baseada especialmente na imposição do Judaísmo e na remoção da cultura grega, abolindo as instituições típicas como o ginásio e os templos pagãos. Os traços de corrupção e degeneração foram-se evidenciando na dinastia hasmoneia, até que em 63 a.C. o general Pompeu entrou em Jerusalém, sitiou e conquistou a área do Templo, provocando um banho de sangue. Entrou e profanou o Santo dos Santos, assumindo a Judeia como Estado vassalo de Roma, sob a fraca autoridade do sumo sacerdote Hircano II, do qual tirou o título de rei.

A anexação da Idumeia e a ligação da família Herodes à família dos Hasmoneus viabilizaram a introdução dos Herodes no governo da região. Os Herodes possuíam boas relações com os Romanos, devido aos serviços militares prestados pelos Herodes quando Jerusalém foi invadida pelos Partos, sendo reassumida posteriormente por Herodes, apoiado pelo governador da Síria. Dessa forma, a família Herodes conseguiu os auspícios dos Romanos em 43 a. C, sendo Herodes declarado como rei de uma Judeia que abarcava Galileia, Pereia e Samaria. Num futuro próximo, Herodes vai exercer o controlo de numerosas cidades gregas da costa do Mediterrâneo, e vai distribuir a população da Judeia, reduzindo o excesso de população no território judaico original. 

Quando foi conquistada por Pompeu, as terras dos judeus não se tornaram, imediatamente, uma unidade administrativa do Império Romano, guardando uma certa autonomia, ainda que governada por monarcas politicamente subordinados a Roma, um dos quais foi Herodes, que reinou de 37 a.C. a 4 a.C. Uma grande parte da opinião pública (entre os judeus) estava contra Herodes, por ser idumeu, praticamente incircunciso, um filho de Esaú. Este período de Herodes, podemos dizer que a vida política se apresentou sempre conturbada e à beira de levantamentos e conspirações, sempre abafadas de forma violenta pelo mesmo Herodes.

Após a morte de Herodes, o território foi dividido em três principados entre os seus filhos: Arquelau, Herodes Antipas e FilipeA partir de 6 d.C., tornou-se uma província romana sob jurisdição parcial do governador da Síria. A administração do território foi entregue a governadores romanos da ordem equestre, chamados 'prefeitos'. Mais tarde, foram também chamados 'procuradores'. Arquelau foi chamado a Roma e partiu para o exílio. Idumeia, Judeia e Samaria foram entregues a Arquelau Herodes; Antipas Herodes ficou com a Galileia e Filipe ficou com a região de Basã. Entretanto, Arquelau não conseguiu suportar as pressões e os conflitos na região da Judeia, sendo substituído por Procuradores Romanos. Dessa maneira, as regiões da Galileia e Judeia eram governadas por dois atores principais: Na Judeia e Samaria, um oficial romano; na Galileia, Herodes Antipas. 
Grande admirador da cultura greco-romana, Herodes lançou um audacioso programa de construções, que incluía as cidades de Cesareia e Sebástia e as fortalezas em Heródio e Massada.

Quando Roma assumiu o controlo direto da Judeia, um fariseu rabino conhecido como Judas da Galileia tinha criado um grupo revolucionário altamente militante, os Zelotas. Não eram, estritamente falando, uma seita como eram os Fariseus e os Essénios. Eram um movimento, com filiados de várias seitas.




À medida que aumentava a opressão romana sobre os judeus, crescia a insatisfação, que se manifestava por revoltas esporádicas, até que rompeu uma revolta total, em 66 d.C. 
Por volta de 44 d.C., as atividades tinham-se intensificado de tal modo que algum tipo de luta armada já parecia inevitável. Mas foi em 66 d.C. que a luta irrompeu. Toda a Judeia se levantou em revolta organizada contra Roma. Foi um conflito desesperado, tenaz, mas inútil. Vinte mil judeus foram massacrados pelos romanos só em Cesareia. Em quatro anos as legiões romanas ocuparam Jerusalém, arrasando a cidade, saqueando e destruindo o Templo. Entretanto, a fortaleza montanhosa de Massada resistiu por mais três anos, comandada por um descendente de Judas da GalileiaAs legiões romanas lideradas pelo general Tito, superiores em número e armamento, conquistaram a Judeia e arrasaram a cidade de Jerusalém e o Templo, corria o ano 70 da nossa era. 

No entanto, a resistência em Massada, só havia sido exterminada em 73. Apenas por um breve período em 132 a soberania judaica se fez sentir a seguir a uma revolta liderada por Simão Barcoquebas. Mas logo a seguir, no tempo de Adriano, Jerusalém e a Judeia foram reconquistadas. Adriano decidiu mudar os nomes, passando a Judeia a ser Palestina, e Jerusalém passou a ser chamada Élia Capitolina. Grande parte da população foi massacrada e os sobreviventes tiveram então que partir definitivamente, que veio a ser conhecida por diáspora.

Foi neste enquadramento que os Evangelhos surgiram, uma realidade de opressão, descontentamento cívico e social, ansiedade política, perseguições incessantes e rebeliões intermitentes. Em relação à liberdade política, tais aspirações foram brutalmente extintas pela guerra devastadora que ocorreu entre 66-74. Contudo, quando transpostas para a forma religiosa, o cenário entra numa outra dimensão. Realmente, a revolta de 66 foi instigada em grande parte pela agitação e propaganda feita pelos Zelotas em nome de um Messias cujo advento seria iminente. O termo Messias, então, não significava divino. Estritamente definido, significava simplesmente um rei abençoado; e, na mentalidade popular, veio a significar um rei abençoado que seria também um libertador. Em outras palavras, era um termo de conotação especificamente política, algo bem diferente da ideia cristã posterior de um "filho de Deus". Este termo, essencialmente mundano, foi usado para Jesus, chamado "Jesus, o Messias" ou - traduzido para o grego "Jesus, o Cristo". Só mais tarde é que esta designação se contraiu para "Jesus Cristo", e um título puramente funcional se distorceu em um nome próprio.

A região da Galileia era, presumivelmente, o lar de Jesus durante pelo menos 30 anos de sua vida. Os três primeiros Evangelhos do Novo Testamento são principalmente um relato do ministério público de Jesus na província, particularmente nas cidades de Nazaré e Cafarnaum. A Galileia é também citada como o lugar onde Jesus curou um homem cego.

Ao adotar o Cristianismo como religião oficial do império, Roma dispensou especial proteção ao território que a partir de então começou a ser chamado de "Terra Santa". A cidade de Jerusalém voltou a florescer e transformou-se num importante centro de peregrinação, ao qual afluíam peregrinos de todas as regiões do império. Construíram-se basílicas notáveis e a cidade foi embelezada pelos imperadores bizantinos. Após a divisão do Império - em Romano do Ocidente e Romano do Oriente, a Palestina ficou sob jurisdição de Bizâncio (Constantinopla). Em 611 dá-se a invasão dos Sassânidas, que ao fim de três anos acabaram por conquistar Jerusalém. Todos os templos foram destruídos. O imperador bizantino Heráclio, em 628, voltou a recuperar a Terra Santa.

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