terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Lenda da Cabração




Cabração é uma antiga freguesia portuguesa do concelho de Ponte de Lima, com 16,43 km² de área e 118 habitantes (2011). Pela última Reorganização Administrativa do território das freguesias, de acordo com a Lei nº 11-A/2013 de 28 de janeiro, esta freguesia juntamente com a freguesia de Moreira do Lima passou a constituir a freguesia de Cabração e Moreira do Lima, com sede em Moreira do Lima.




Cabração é terra antiquíssima como se documenta pelo conhecimento que se tem da existência de um povoado castrejo pré-romano e do Convento da Carrapachana cuja localização não foi ainda possível determinar com absoluta segurança, apesar dos vestígios de ruínas no Outeirinho e na Costa. Mas, a humildade da terra não permitiu despertar até ao presente o interesse dos arqueólogos.

Não obstante, aqui nasceram algumas das mais ilustres figuras de Ponte de Lima como foi o Dr. Augusto Joaquim Alves dos Santos que, para além de eminente pedagogo, teólogo, escritor, político e cientista, foi o introdutor do estudo da Psicologia em Portugal, tendo na Universidade de Coimbra criado um laboratório, atualmente transformado em museu que ostenta o seu nome.




Rodeada de floresta e sem iluminação pública até há escassas quatro décadas, Cabração viveu ao longo de séculos isolada na encosta da serra, fechada sobre si mesma, temerosa do bulício que ocorria à sua volta. De importantes acontecimentos que vieram a ficar na História chegava, por vezes, o som longínquo que ecoava para além dos montes, umas vezes do lado da Galiza quando a Espanha esteve a ferro e fogo, outras mais a sul quando os realistas proclamaram em Viana do Castelo a restauração do regime monárquico. Na Cabração, apenas aqui foi hasteada a bandeira monárquica por essa altura, na casa que foi dos Carmo.

padre Miranda foi o último pároco que ali exerceu tal ofício. Era extraordinária a afluência diária de visitantes à localidade. O atendimento era geralmente feito durante a manhã até à hora de almoço. E, no exterior da capela de Nossa Senhora do Azevedo, podia ver-se uma longa fila de automóveis que por vezes chegava às três dezenas. A pequena capela enchia-se por completo de pessoas que invariavelmente recorriam aos serviços do gentil pároco. Este procurava saber os pecados que condenavam a “alma penada” a encostar-se à criatura que atormentava. E, com umas valentes bofetadas, sempre acompanhadas de algumas preciosidades do nosso mais requintado vernáculo, lá tratava de enviar a alma atormentada para “o alto do monte onde só ouvisse cantar o mocho”…

padre Manuel Lopes Miranda faleceu em 26 de Janeiro de 1978 e foi sepultado em jazigo de família, em Barcelos, no cemitério paroquial de Cristelo, sua terra natal. Com ele, a prática do exorcismo extinguiu-se na freguesia de Cabração. Resta na memória dos seus habitantes, sobretudo dos menos jovens, a forma como o mesmo era tratado – O “Pintinho”!




É de um Almanaque de Ponte de Lima que foi retirada a "Lenda da Cabração", escrita pelo Conde de Bertiandos em 1923: "Cabras são Senhor . . .".
Após o recontro no Rego do Azar, quis D. Afonso Henriques deambular pelas montanhas próximas, caçando ursos e javalis. Convidou alguns poucos ricos-homens e infanções. Quando estavam no sítio que hoje se chama Cabração, apareceu muito açodado o Capelão das freiras de Vitorino das Donas, que à frente de moços com cestos pesados andava desde manhã à busca do real monteador, com um banquete mandado do Mosteiro. Em boa hora vinha a refeição. Estendeu-se na relva uma toalha de linho e sentados em troncos de carvalho cortados à pressa, começou o jantar. Alegre ia correndo.

D. Nuno, o Soares, que o chamavam assim para o diferençar de seu avô, a quem chamavam D. Nuno o Velho, e cujas proezas ainda se recontavam em toda a terra da Cerveira, começou a trinchar um leitão assado. "Parece-me que tens mais jeito para matar infiéis", – disse-lhe o Rei brincando. "Ai Real Senhor, antes eu ficasse morto com os últimos que matei, que desde essa refrega não passo um dia que me não lembre do momento em que o bom cavaleiro Gonçalo da Maia exalou o derradeiro suspiro encostado ao meu peito."

"Quisera eu ouvir da tua boca essa heroica morte do Lidador", interrompeu o Monarca triste, mas curioso. E o Senhor da Torre do Loivo obedeceu, com voz pausada e lágrimas nos olhos. Ia escurecendo o dia e era tão esquisita a coincidência de estar ali um punhado de homens, senão solenizando um aniversário, festejando uma vitória, que talvez um pressentimento apertasse o coração dos guerreiros.

Dos lados da Galiza… Atentos, escutavam silenciosos a narração. De golpe ergueu-se o Espadeiro e olhou fito para as bandas da Galiza. "Que examinas D. Egas?" – perguntou o Príncipe. "Vejo além muito ao longe um turbilhão de pó, que se aproxima. São talvez inimigos que procuram encontrar-nos descuidados." De facto vagalhões de poeira negra encobriam multidão fosse do que fosse. O ruído do tropel era cada vez mais distinto.

"Sejamos prestes" – gritou o Rei, cingindo o seu enorme espadão. Todos fizeram o mesmo. "Cavalgar, cavalgar". Já não era outra a voz que se ouvia, enquanto cada um se dirigia para o lugar onde prendera o seu cavalo. O capelão olhou, escutou e sentou-se começando a comer aqui e além os deliciosos postres e bebendo aos goles pachorrentos um licor estomacal, resmungando… –"Deixá-los ir que voltam breve. Eu era capaz de apostar todo o mel deste monte, em como sei que inimigos são aqueles. E mais dizem que é mel igual ao do Himeto. A história do Lidador é que lhes esquentou a cabeça."

“Cabras são…” Pouco depois voltavam os monteadores rindo à gargalhada. – "Cabras são": – disse o rei ao apear-se, e, dirigindo-se ao padre: – "Bem fizestes vós que não bulistes". E D. Afonso tomando um púcaro e enchendo-o de vinho, acrescentou – "Bebei todos, que estais muito quentes e podeis ter um resfriado, e dizei-me depois se não valeu a pena o engano para nos refrescarmos agora com este delicioso néctar. Capelão, quero comemorar o caso de confundir rebanho de cabras com mesnada de leoneses e beneficiar o convento para vos honrar a vós que fostes, não sei se mais perspicaz, se mais valente do que nós debicando mui sossegadamente em todos os doces. Vou coutar aqui uma terra, para que as boas monjas possam de vez em quando apanhar bom ar da montanha e rir-se de nós." Riscou-se o couto e nessa noite os cavaleiros dormiram na ermida da Senhora de Azevedo. O dito do Rei “Cabras são” corrompeu-se em Cabração.

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