quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A “Armadilha de Tucídides”



A CHINA E OS ESTADOS UNIDOS RUMAM PARA UM NOVO CONFLITO...

A “Armadilha de Tucídides” é um termo que Alisson cunhou já há algum tempo. Graham Allison foi o fundador da Harvard Kennedy School of Government e é autor de um conjunto de obras de geopolítica que se tornaram de leitura obrigatória no mundo inteiro. Foi conselheiro dos secretários da Defesa americanos desde Reagan até Obama. Biden ouvia-o com frequência, quando era vice-Presidente de Obama.

A razão é a Armadilha de Tucídides, um padrão mortal de stress estrutural que ocorre quando um poder em ascensão desafia um governante. Este fenómeno é tão antigo quanto a própria história. Sobre a Guerra do Peloponeso que devastou a Grécia antiga, o historiador Tucídides explicou: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso instilou em Esparta que tornou a guerra inevitável”. Nos últimos 500 anos, essas condições ocorreram 16 vezes e houve guerra em 12 desses casos. Hoje, uma China imparável que se aproxima de uma América imóvel, parece anunciar o 17º caso. A menos que Xi Jinping esteja disposto a reduzir as suas ambições ou Washington aceite tornar-se o número dois no Pacífico. Um conflito comercial, um ataque cibernético ou um acidente no mar podem em breve transformar-se num novo conflito mundial. A Armadilha de Tucídides é a melhor lente para entender as relações EUA-China no século XXI. 

Os Estados Unidos têm de aprender com a História para evitar que o seu confronto com a China conduza a um conflito militar que teria proporções inimagináveis. 
No entanto, Graham Allison enfatiza que a guerra não é inevitável. Allison também revela como potências conflituosas mantiveram a paz no passado - e quais os passos dolorosos que os Estados Unidos e a China devem dar para evitar o desastre hoje.

Graham Allison tem uma grande reverência pelo grande historiador da Grécia Antiga e à sua obra monumental sobre a Guerra do Peloponeso, ainda hoje objecto de estudo nas academias. Tucídides descreve a guerra entre Esparta e Atenas no século V a.C. – as “potências” do mundo de então –, pretendendo demonstrar que uma guerra entre a potência dominante e a que desafiava o seu domínio, acabou por destruir ambas e levá-las ao declínio. Foi nesta “Armadilha de Tucídides” que caíram a maioria das grandes potências ao longo da História.

Allison começa, justamente, com Portugal versus Espanha (mais exatamente, os Reinos de Aragão e Castela), em finais do século XV – que não levou a um confronto aberto entre as duas potências, porque os Reis Católicos, que desafiavam o poderio marítimo português, apelaram à intermediação do Papa. O resultado foi o Tratado de Tordesilhas. No início do século XX, quando os Estados Unidos desafiaram a hegemonia do império britânico, a transição também se fez sem guerra, graças ao discernimento da diplomacia britânica e ao muito que havia em comum, cultural e politicamente, entre as duas grandes potências de então. O terceiro exemplo é o da Guerra Fria, que se prolongou desde os anos após a II Guerra até 1989. A capacidade de mútua destruição nuclear entre as duas superpotências impediu uma guerra, que mesmo assim esteve à beira de acontecer por duas vezes.

«Ah, se ao menos nós soubéssemos!» Foi o máximo que o então chanceler alemão teve para dizer. Mesmo quando pressionado por um colega, Theobald von Bethmann Hollweg não conseguiu explicar como é que as suas decisões e as de outros estadistas europeus tinham levado à guerra mais devastadora que o mundo conhecera até então. Quando, finalmente, a carnificina da I Guerra Mundial terminou em 1918, os principais intervenientes tinham perdido tudo aquilo por que haviam lutado: o Império Austro‑Húngaro dissolveu‑se, o kaiser alemão abdicou, o czar russo foi destituído, a França sofreu os efeitos da guerra durante uma geração, e a Inglaterra foi despojada do seu tesouro e da sua juventude. E para quê? Se, ao menos, soubéssemos. […] Na citação mais frequentemente repetida no estudo das relações internacionais, o historiador da Grécia antiga Tucídides explicou que «Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu a Esparta que tornaram a guerra inevitável.» Tucídides referia‑se à Guerra do Peloponeso, um conflito que devastou a sua pátria, a cidade‑estado de Atenas, no século V a.C. e que, com o tempo, fez desaparecer quase por completo toda a Grécia Antiga. Tucídides, outrora soldado, viu Atenas desafiar a potência grega dominante na altura, a cidade‑estado marcial de Esparta. Assistiu ao eclodir das hostilidades armadas entre as duas potências e descreveu detalhadamente os resultados horríveis dos combates em número de vítimas. Não viveu anos suficientes para assistir ao fim triste da guerra, quando Esparta, ainda que enfraquecida, venceu Atenas, mas, para ele, foi melhor assim. Enquanto outros identificaram um vasto leque de causas que contribuíram para a Guerra do Peloponeso, Tucídides foi ao cerne da questão. Quando chamou a atenção para «a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu a Esparta», identificou a principal razão que está na génese de algumas das guerras mais catastróficas e enigmáticas da história. Pondo de parte as intenções, quando uma potência em ascensão ameaça ocupar o lugar de uma potência dominante, a tensão estrutural que daí resulta leva a que um confronto violento seja a regra e não a excepção. Foi o que aconteceu entre Atenas e Esparta no século V a.C. e entre a Alemanha e a Grã‑Bretanha há um século, e o que quase originou uma guerra entre a União Soviética e os Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960. Como em muitos outros casos, Atenas acreditou que o seu avanço seria benéfico. Durante a metade de século que precedeu o conflito, Atenas tinha emergido como um símbolo de civilização. Filosofia, teatro, arquitetura, democracia, história e mestria naval — Atenas tinha tudo isso, ultrapassando tudo o que se vira até então. O seu rápido desenvolvimento começou a ameaçar Esparta, que se tinha habituado à sua posição de potência dominante no Peloponeso. À medida que a confiança e o orgulho dos Atenienses iam aumentando, também se iam reforçando as suas exigências de respeito e as suas expectativas de que fossem tomadas providências que refletissem as novas realidades do poder. Segundo Tucídides, eram reações naturais à mudança da sua posição. Como podiam os Atenienses não pensar e não esperar que os seus interesses merecessem mais consideração? Como podiam os Atenienses não esperar ter uma maior influência na resolução das diferenças?»




Tucídides começa o seu livro pela história dos gregos da Ática e do Peloponeso

Antes da História, não havia, com efeito, movimento comercial e os povos não se aproximavam uns dos outros sem medo, seja por terra, seja por mar; cada povo arava a sua própria terra apenas o bastante para obter dela os meios de sobrevivência, não tendo recursos excedentes e não plantando para o futuro, pois a perspectiva de saque por algum invasor, especialmente por não haver ainda muralhas, gerava incerteza. Assim, acreditando que poderiam obter em qualquer parte o sustento para as suas necessidades diárias, os povos achavam fácil mudar de paragem e por isto não eram fortes, quer quanto ao tamanho de suas cidades, quer quanto a recursos em geral. E sempre as melhores terras eram mais sujeitas a tais mudanças de habitantes. Os recursos mais consideráveis que se acumularam em algumas regiões em decorrência da fertilidade de suas terras ocasionaram divergências internas que as arruinaram, e ao mesmo tempo as tornaram mais expostas à cobiça de tribos que lhes eram estranhas, mais tarde chamadas de 'bárbaras'.

A Ática esteve livre de disputas locais, graças à aridez de seu solo, e, portanto, foi habitada sempre pela mesma gente desde épocas remotas. Os homens mais influentes de outras regiões da Hélade, quando expulsos de suas cidades em decorrência de guerra ou sedição, refugiavam-se em Atenas, comunidade firmemente estabelecida, e, adotando a cidadania ateniense, que desde os tempos mais recuados fizeram a cidade cada vez maior em termos de habitantes. Tanto foi assim que a Ática se tornou insuficiente para abrigá-los e, portanto, muitos tiveram eventualmente de emigrar.

Antes da Guerra de Troia, a Hélade presumivelmente não existia como qualquer entidade conjunta. Antes da época em que viveu Hélen, filho de Deucalião, as diversas tribos, principalmente a pelásgica, davam os seus próprios nomes às várias regiões; quando, porém, Hélen e seus filhos se tornaram poderosos na Ftiótide e foram chamados a ajudar outras cidades, aqueles povos daí em diante passaram mais frequentemente a ser chamados 'Helenos', por causa de suas ligações, embora muito tempo tenha passado antes de a designação prevalecer para todos eles. A melhor evidência disto é Homero. Com efeito, apesar de ter vivido muito tempo depois da Guerra de Troia, ele em parte alguma de suas obras usa tal denominação para todos, ou mesmo para qualquer deles, exceto para os comandados de Aquiles da Ftiótide, que foram de facto os primeiros Helenos. Homero nos seus dois grandes poemas, chama os demais de Danaos, Argivos e Aqueus.

Na realidade, mesmo após a guerra de Troia a Hélade ainda enfrentava problemas de migrações e fixação. Não foi só o retorno dos Helenos de Troia, tão demorado, a causa de muitas mudanças. Também começaram a surgir dissidências generalizadas nas cidades e, consequentemente, habitantes de muitas delas, exilados ou emigrados, fundaram novas cidades. Os expulsos de Arne pelos Tessálios, sessenta anos após a captura de Ílion, fixaram-se na região chamada Beócia, anteriormente chamada Cadmies. Somente um pequeno número deles habitava aquela terra antes, e de lá saíram os poucos participantes na expedição contra Ílion. Por outro lado, também os Dórios, haviam ocupado o Peloponeso oitenta anos após a Guerra de Troia, juntamente com os Heráclides. Dessa forma, quando penosamente e após um longo lapso de tempo a Hélade se tornou politicamente estável, e a sua população já não sujeita à expulsão de suas terras, começaram a ser fundadas colónias. Os Atenienses colonizaram a Jónia - a faixa ocidental da Anatólia junto ao Mar Egeu que abrangia a maior parte das suas ilhas. Os povos do Peloponeso, também chamados Lacedemónios, ocuparam a maior parte da Itália e da Sicília, assim como mais algumas regiões do resto da Hélade. Por conseguinte, Tucídides faz notar que todas estas colónias foram fundadas após a Guerra de Troia.



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