sexta-feira, 11 de março de 2022

Os judeus do Cáucaso



No século IX, Eldad ha-Dani visitou o Cáucaso e observou que os judeus das montanhas possuíam um excelente conhecimento do Talmude. Em determinada época os talmudistas de Derbent e de Chemakha, no Azerbaijão, eram muito reputados. Um viajante judeu, um tal de Judas Tchorny, achava que os judeus tinham chegado ao Cáucaso não depois, mas antes da destruição do Primeiro Templo, tendo vivido isolados de tudo, sob proteção persa, até ao século IV. Apenas mais tarde, quando os tártaros invadiram a Pérsia, os Bergjuden encontraram judeus da Babilónia que lhes ensinaram o Talmude. Portanto, apenas nessa época eles teriam adotado a tradição e os ensinamentos rabínicos. Mas isso não está comprovado. Para provas de sua antiguidade, seria preciso antes voltar-se para os vestígios arqueológicos, como as ruínas abandonadas do Azerbaijão denominadas Chifut Tebe, ‘Colina dos Judeus’, ou Chifut Kabur, ‘Túmulo dos Judeus’. São muito antigas. Quanto à língua, é um dialeto irânico ocidental moderno — isto é, não anterior ao século VIII ou IX, até mesmo X —, o que parece contradizer uma ascendência Caldeia direta, tal como propõe Pantyukov a partir de Quatrefages. Quatrefages, aliás, achava que os lesguianos, alguns svanos e khevsurs também tinham origens judaicas; em georgiano, khevis uria quer dizer ‘judeu do vale’.

O barão Peter Uslar, mais sensatamente, sugere uma migração judaica frequente e regular para o Cáucaso ao longo de dois mil anos, cada leva integrando-se mais ou menos às tribos locais. Uma explicação do problema da língua seria que os judeus trocaram mulheres com uma tribo irânica, os tatas, que chegaram mais tarde; eles próprios teriam vindo na época dos Aqueménidas como colonos militares para defender o desfiladeiro de Derbent contra os nómadas das planícies do Norte.

Cazares ou czares eram um povo de origem turcomana seminómade que dominou a região da Ásia Central a partir do século VII ao X. A palavra czar parece estar ligada a formas verbais túrquicas, significando "errante". Há lendas que sugerem que os judeus asquenazes são cazares que se converteram ao Judaísmo e passaram a fazer parte do povo judeu. Devido a ausência de evidências genéticas para a teoria cazar, ela não é levada a sério pelos académicos. A teoria mais aceita é a de que os judeus asquenazes são descendentes de judeus naturais que se casaram com cazares, assim sendo tanto descendentes dos judeus convertidos quanto dos hebreus originais.

A Cazária, Império Cazar ou Canato Cazar, foi um estado não-eslavo hoje extinto que existiu nas estepes entre o mar Cáspio e o mar Negro e parcialmente ao longo do rio Volga. É hoje considerado um símbolo tradicional da Rússia. Os Cazares foram importantes aliados do Império Bizantino contra o Império Sassânida, e também uma significativa potência regional em seu momento de máximo esplendor. Empreenderam uma série de guerras, todas vitoriosas, contra os califados árabes, evitando assim, possivelmente, a invasão muçulmana na Europa Oriental. Nos finais do século X, o seu poder declinaria frente à Rússia de Kiev, desaparecendo da história.

Os judeus de antes da Diáspora têm uma longa tradição guerreira. Esse conjunto de factos parece opor-se a uma origem Cazar. Ao contrário, a hipótese de Vsevolod Miller, de que os Bergjuden é que teriam levado o judaísmo aos Cazares, soa mais plausível. Um facto bastante convincente é que, tirando alguns rebeldes que se juntaram a Chamil, a maioria dos Bergjuden do Daguestão, talvez em virtude das perseguições muçulmanas, escolheu o lado russo durante as guerras do Cáucaso. Depois da vitória, as autoridades czaristas os recompensaram concedendo-lhes igualdade de direitos em relação às outras tribos caucasianas e acesso a postos na administração. Em primeiro lugar temos os documentos históricos, depois esse documento vivo que é a língua; em seguida, os resultados da antropologia física e cultural; as pesquisas etnológicas de campo; e a genética. Se nos pautarmos pelos documentos históricos, parece estabelecido que os judeus viviam no Cáucaso muito antes da conversão dos Czares.”

Os Bergjuden, então, praticamente não participavam da administração, exceto alguns arquivistas e funcionários subalternos. Seria interessante examinar a situação no Daguestão. Todos, na sala, sabiam pertinentemente que não havia chance de a Wehrmacht chegar ao Daguestão. Alguns inclusive suspeitavam – à exceção, talvez, de Korsemann e Bierkamp que, ao contrário, o Grupo de Exércitos A não tardaria a evacuar o Cáucaso. Ainda que Hoth conseguisse fazer a sua junção com Paulus, seria apenas para recuar o 6º Exército para o Tchir, quem sabe para o baixo Don. Bastava examinar um mapa para compreender que a posição do Grupo de Exércitos A ia-se tornando insustentável.
Köstring devia ter algumas certezas em relação a isso. Logo, era impensável encrespar-se com os povos montanheses por questão tão irrelevante quanto a dos Bergjuden: assim que estes percebessem o retorno do Exército Vermelho, haveria distúrbios - ainda que para provar, um pouco tardiamente decerto, a sua lealdade e o seu patriotismo. Recentemente, um dos Einsatzkommandos liquidara um sanatório para crianças tuberculosas numa zona remota da região de Krasnodar. A maior parte das crianças era de origem montanhesa, os conselhos nacionais protestaram vigorosamente, escaramuças custaram a vida de vários soldados.

Anoitecia. Uma geada espessa cobria tudo: os galhos retorcidos das árvores, os fios e postes das barreiras, a erva abundante, a terra dos campos quase nus. Era como um mundo de horríveis formas brancas, angustiantes, feéricas, um universo cristalino de onde a vida parecia banida. Olhei para as montanhas: o vasto paredão azul obstruía o horizonte, guardião de outro mundo, este, oculto. O sol, possivelmente para as bandas da Abecásia, caía por trás das cristas, mas a sua luz ainda vinha roçar os cumes, depositando sobre a neve sumptuosas e delicadas centelhas cor-de-rosa, amarelas, laranja, fúcsia, que corriam delicadamente de um pico ao outro. Era de uma beleza cruel, de tirar o fôlego, quase humana, mas ao mesmo tempo transcendendo todas as mazelas humanas. Pouco a pouco, bem ao fundo, o mar tragava o sol e as cores apagavam-se uma a uma, fazendo a neve passar de azul a um cinza alvar que reluzia serenamente na noite. As árvores incrustadas pela geada apareciam nos feixes dos faróis como criaturas em pleno movimento. Eu me sentia do outro lado, naquele país tão bem conhecido das crianças, do qual não se volta mais.
Os Judeus estiveram presentes na Arménia e na Geórgia contemporânea desde o Cativeiro de Babilónia. Os registos existem desde o século IV, mostrando que havia cidades arménias possuindo populações judaicas que variam de 10 000 a 30 000, juntamente com importantes assentamentos judaicos na Crimeia. A presença de judeus nos territórios correspondentes à Bielorrússia, Ucrânia e a parte europeia da Rússia moderna pode ser percebida entre os séculos VII e XIV. Sob a influência das comunidades judaicas caucasianas, Bulan - o General dos Cazares, e as classes dominantes da Cazária (localizada no que hoje é a Ucrânia, sul da Rússia e Cazaquistão), podem ter adotado ou se convertido ao judaísmo em algum momento no meio ou final do século VIII, ou início do século IX. Após a conquista do reino da Cazária por Esvetoslau I (969), a população Cazar judaica pode ter sido assimilada, ou migrado em parte.

Nos séculos XI e XII, a população judaica pode ter sido restrita a uma região separada em Kiev, conhecida como Cidade Judaica (antigo eslavo oriental: Жидове, Zhidove, ou seja, "Os Judeus"). A comunidade de Kiev estava orientada para Bizâncio. Outras comunidades ou grupos de indivíduos são conhecidos de Czernicóvia, e, provavelmente, Volodimíria. Naquela época, provavelmente terão sido encontrados judeus também no nordeste da Rússia, nos domínios do Príncipe André, o Pio (1169–1174), embora seja incerto até que ponto eles teriam vivido lá permanentemente. Embora o nordeste da Rússia tenha uma população judaica baixa, países a oeste tinham populações judaicas em rápido crescimento, à medida que as ondas de pogroms dos países da Europa Ocidental marcavam os últimos séculos da Idade Média. Uma parte considerável das populações judaicas moveram-se para países mais tolerantes da Europa Central e Oriental, bem como do Médio Oriente. Muitos judeus da Europa Ocidental migraram para a Polónia a convite do governante Casimiro III o Grande.

Os judeus asquenazes, de origem europeia, representam cerca de 90% dos mais de 13 milhões de judeus existentes no mundo atualmente. Segundo a hipótese conhecida como 'renana', os asquenazes descendem dos judeus que fugiram da Palestina após a conquista muçulmana, no ano 638 d.C. Ainda de acordo com esta teoria, eles se radicaram no sul da Europa e depois, no final da Idade Média, cerca de 50 mil deles se deslocaram da Renânia, na Alemanha, para a Europa do Leste. Alguns, entretanto, consideram esta hipótese inverosímil, porque o cenário seria impossível em termos demográficos, pressupondo um salto da população dos judeus da Europa oriental de 50.000 indivíduos no século XV a cerca de 8 milhões no começo do século XX. A taxa de natalidade seria, assim, dez vezes superior àquela da população local não judia. Isto apesar das dificuldades económicas, as doenças, as guerras e os pogroms, que arruinaram as comunidades judaicas.

Para tentar ver isto de forma mais clara, um estudo publicado na revista britânica Genome Biology and Evolution comparou os genomas (que formam o património genético) de 1.287 indivíduos sem vínculo familiar descendentes de oito grupos de populações judias e 74 de não judias. O geneticista Eran Elhaik (da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, em Baltimore, Estados Unidos) analisou estes dados, em busca de mutações no código de DNA ligadas à origem geográfica de um grupo. Estes indicadores já tinham sido utilizados no passado para lançar luz às origens dos bascos ou dos pigmeus do sul da África. Entre os judeus da Europa, o geneticista encontrou assinaturas ancestrais que apontam claramente para o Cáucaso e também, mais em menor medida, para o Médio Oriente. Segundo Eran Elhaik, estes resultados sustentam a teoria rival da hipótese renana, conhecida com o nome de 'hipótese Cazar'. De acordo com esta teoria, os judeus do leste europeu descendem dos Cazares, uma mistura de clãs turcos que se instalaram no Cáucaso nos primeiros séculos de nossa era e, influenciados pelos judeus da Palestina, se converteram ao judaísmo no século VIII. Os judeus Cazares construíram um império florescente, atraindo os judeus da Mesopotâmia e do Império Bizantino. Mas o império Cazar ruiu no século XIII, atacado pelos mongóis e debilitado pelas epidemias da peste negra.
Não pareciam russos típicos. "São judeus da montanha", explicou-me um amigo moscovita. "Vêm do Azerbaijão, anteriormente uma república soviética na região do Cáucaso". Fiz, de imediato, a associação. Os mercados de Moscovo guardam a tradição de contar com comerciantes do Cáucaso, que trazem produtos agrícolas de suas terras natais, premiadas com um clima mais ameno do que o cortante frio moscovita. Etnias como chechenos, azerbaijanos, ossétios, ingushétios, entre outros, predominam na paisagem das feiras livres. Em sua maioria muçulmanos, apresentam feições que lembram os turcos, como tez bem clara, muitas vezes com fartos cabelos e bigodes negros. A vestimenta mais frequente é o casaco de couro preto, para ajudar a enfrentar as intempéries da capital russa. Os nativos de Moscovo às vezes se referem de forma pejorativa aos originários do Cáucaso, chamando-os de "tchorney" (negros, em russo). Os judeus da montanha, portanto, também traziam a Moscovo algumas tradições comuns do Cáucaso, como os trajes e a presença maciça no comércio. Instalados no ondulado relevo caucasiano, há muitos séculos, e convivendo com a população maioritariamente muçulmana do Azerbaijão, ainda representam mais um exemplo histórico de resistência cultural e religiosa, já que mantiveram as tradições praticamente intactas, apesar das décadas de opressão e ateísmo soviético. E se destacam por manter vivo um fenómeno provavelmente único na atualidade, o da predominância judaica num centro urbano da Diáspora e que remete aos tempos do shtetel, na Europa Oriental. Krasnaya Sloboda, em solo azerbaijano, concentra quatro mil habitantes, que em sua esmagadora maioria são judeus da montanha.

A teoria mais difundida sustenta que após o fim do exílio judaico na Babilónia, há cerca de 2,5 mil anos, alguns grupos permaneceram na região que corresponde à Pérsia histórica e ao atual Irão. De lá, os judeus buscaram refúgio nas montanhas do Cáucaso. Os "gorski ivrei" (judeus da montanha, em russo) falam o tat, dialeto originário do persa e modelado por uma influência hebraica. Antes de os comunistas tomarem o poder no Azerbaijão, em 1920, Krasnaya Sloboda abrigava 11 sinagogas. O Kremlin permitiu que apenas uma continuasse. Visitei-a em 1993, depois de desembarcar em Baku, a capital azerbaijana, e seguir de carro até àquele shtetel oriental. Acompanhei os serviços religiosos num sábado pela manhã. Conversei com líderes comunitários que me falaram, com entusiasmo, do renascimento e fortalecimento das tradições, agora livres das amarras do regime soviético, recentemente extinto. A cashrut, por exemplo, era uma característica marcante da rotina alimentar judaica, que visualmente mantinha os contornos de uma pequena cidade reconstruída no período da URSS. Ou seja, edifícios modestos em sua estrutura e acabamento, numa "arquitetura igualitária" imposta por Moscovo.

Segundo o Congresso Judaico Mundial, a comunidade judaica hoje, no Azerbaijão, país com população total de 8 milhões, contabiliza cerca de 20 mil integrantes, dos quais 15 mil seriam judeus da montanha, espalhados por cidades como Baku e Kuba, além da pequenina Krasnaya Sloboda. O restante da população judaica é formado por ashkenazi com raízes na Rússia ou por judeus originários da vizinha Geórgia, conhecidos na sociedade israelita como "gruzinim". Desde 1989, ao redor de 30 mil judeus azerbaijanos, entre os da montanha e os ashkenazi, emigraram para Israel. Depois de minha visita a Krasnaya Sloboda, retornei a Baku. Mas, antes de embarcar em mais um vôo da Aeroflot, visitei a família de Albert Agarunov, protagonista de uma história rara em tempos modernos. Trata-se de um judeu que se transformou em herói nacional num país muçulmano. Voluntariamente, Albert alistou-se para participar na guerra travada, nos anos 90, entre os vizinhos arménios e azerbaijanos. O jovem morreu em combate. Sua coragem e heroísmo tornaram-se célebres em todo o país.

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