terça-feira, 8 de março de 2022

Vi finalmente um uniforme SS: o ucraniano deixou-me ali e um Untersturmführer levou-me até Möritz



Era um jovem tenente, o militar que me veio buscar, que se apresentou e me deu as boas-vindas: “Minha tarefa é recebê-lo e levá-lo para a cidade no meu veículo.” Apertei-lhe a mão. Vamos nos dar bem com certeza, disse-lhe amavelmente. Quando estiver triste, venha-me procurar e beberemos do meu conhaque. Fez-me um gesto largo com a mão: “Na minha opinião, doutor, seu conhaque não vai durar muito tempo.” Segui o tenente. Perto das tendas notei uma série de grandes montes salpicados de neve. De vez em quando, através da área do aeródromo, repercutia uma detonação surda. O avião que me trouxera já partia de novo lentamente para o fim da pista. Parei para vê-lo descolar e o tenente me imitou. O vento soprava bem forte, era preciso ficar piscando os olhos para não se deixar cegar pela neve fina levantada da superfície do solo. Em posição, o avião girou sobre si mesmo e, sem fazer a menor pausa, acelerou. Deu uma guinada, depois outra, perigosamente próximo à rampa coberta de neve; depois as rodas deixaram o solo e ele subiu gemendo, dando grandes solavancos, antes de desaparecer na massa opaca das nuvens.

Olhei novamente o monte de neve ao meu lado e percebi que era formado de cadáveres, empilhados como feixes de lenha, seus rostos congelados estampando um bronze um pouco esverdeado, semeado por barbas volumosas, com cristais de neve nas comissuras dos lábios, nas narinas, nas órbitas. Devia haver centenas deles. Perguntei ao tenente: “Não os enterram?” Bateu com o pé: “Como quer que os enterremos? O solo é como ferro. Não podemos desperdiçar explosivos. Nem trincheiras cavamos.” Caminhávamos; onde o tráfego formara trilhos, o solo estava liso, escorregadio, era melhor andar pela lateral, pela neve fofa. O tenente me conduzia em direção a uma linha baixa e comprida, coberta de neve. Eu achava que se tratava de bunkers, mas, ao me aproximar, constatei serem na verdade vagões semienterrados, com as paredes e os tetos protegidos por sacos de areia e degraus escavados diretamente no solo levando até às portas. No interior, oficiais azafamavam-se pelo corredor, os compartimentos haviam sido transformados em escritórios; lâmpadas fracas espalhavam uma luz suja e amarelada, e deviam alimentar uma estufa em algum lugar, pois não fazia muito frio.

O tenente sugeriu que eu esperasse em um dos compartimentos, após ter tirado uma pilha de papéis de cima dos assentos. Percebi decorações de Natal, grosseiramente recortadas em papel colorido e coladas no vidro atrás do qual se amontoavam terra, neve e os sacos de areia enregelados. “Quer chá?”, perguntou o tenente. “Não posso oferecer mais nada além disso.” Aceitei e ele se retirou. Tirei a minha capa e depois sentei-me no banco. O tenente voltou com duas chávenas de um arremedo de chá e me estendeu uma; bebeu a sua de pé na entrada do compartimento. “Não teve sorte”, disse ele timidamente, “em ter sido enviado para cá logo antes do Natal.” Dei de ombros e soprei o meu chá pelando: “Pois fique sabendo que me estou borrifando para o Natal.” — “Para nós, aqui, é muito importante.” Apontou a decoração. “Os homens prezam muito isso. Espero que os russos nos deixem em paz. Mas não se pode contar com isso.” Eu estava a achar aquilo curioso, parecia-me que os oficiais deveriam estar a preparar a retirada em vez de o Natal. “Os deslocamentos são rigorosamente controlados e não podemos levá-lo à cidade imediatamente. O senhor terá uma ligação esta tarde.

Um pouco mais tarde, entrou outro oficial, saudou-me distraidamente e pôs-se a bater vigorosamente numa máquina de escrever. Saí para o corredor, mas havia muita gente ali. Comecei a sentir fome, não me haviam oferecido nada e eu não queria pedir. Saí para fumar um cigarro do lado de fora, onde se ouvia o ronco dos aviões em meio a detonações mais ou menos espaçadas, depois voltei para esperar sob a percussão monótona da máquina de escrever. O tenente voltou a meio da tarde. Eu estava faminto. Apontou para o meu equipamento e disse: “Venha daí.” Segui-o até um Opel munido de correntes. Ele desejou-me boa sorte e eu Feliz Natal.

O carro partiu chocalhando. A pista, balizada por painéis táticos fixados em postes, tábuas e até mesmo pernas de cavalos congeladas, fincadas com os cascos para cima, estava escorregadia, e mesmo com as correntes o Opel derrapava com frequência nas curvas; em geral o oficial o realinhava, mas às vezes enfiava o carro na neve fofa e tínhamos que sair e empurrar para desvencilhá-lo. A cada paragem, oficiais deixavam o carro, outros ocupavam seu lugar; o vento aumentara ainda mais e aquilo ia-se tornando uma tempestade de neve: avançávamos lentamente, como às apalpadelas.

Finalmente surgiram as primeiras ruínas, chaminés de tijolo, bases de paredes alinhadas ao longo da estrada. Entre duas pancadas de chuva, avistei um painel: ESTALINEGRADO - ENTRADA PROIBIDA - PERIGO DE MORTE. Voltei-me para o meu vizinho: “É uma piada?” Ele me fitou com um olhar apagado: “Não. Porquê?” A estrada descia, serpenteando, uma espécie de penhasco. Abaixo, começavam as ruínas da cidade: grandes prédios perfurados por projéteis, incendiados, com as janelas escancaradas e sem vidraças. As ruas estavam atravancadas pelos escombros, às vezes removidos à pressa para abrir passagem aos veículos. Os buracos causados por projéteis e cobertos pela neve infligiam choques brutais aos amortecedores.

De ambos os lados desfilava um caos de carcaças de carros, camiões, tanques, alemães e russos misturados, às vezes até mesmo incrustados uns nos outros. Aqui e ali cruzávamos com uma patrulha, ou, para minha surpresa, com civis em andrajos, sobretudo mulheres, carregando baldes ou sacos. Tilintando suas correntes, o Opel atravessava uma ponte comprida, reparada com peças pré-fabricadas da engenharia, por cima de uma ferrovia: em baixo, estendiam-se centenas de vagões imóveis, cobertos pela neve, intactos ou esmagados pelas explosões. Em contraste com o silêncio da estepe, perturbado apenas pelo barulho do motor, das correntes e do vento, reinava ali um ruído constante, detonações mais ou menos abafadas, o grito seco dos PAK, o crepitar das metralhadoras.

Depois da ponte, o carro virou à esquerda, acompanhando a via-férrea e as carruagens de mercadorias abandonadas. À nossa direita perfilava-se um parque deserto e comprido; mais além, outros prédios em ruínas, encardidos, mudos, suas fachadas enfiadas na rua ou voltadas contra o céu como um cenário. A estrada contornava a estação, um grande edifício da época czarista, antigamente, ao que tudo indicava, amarelo e branco; na praça, em frente, aglomerava-se um novelo de veículos queimados, rasgados por impactos diretos, formas retorcidas que a neve mal amenizava. O carro enveredou por uma longa avenida diagonal: o barulho dos tiros intensificava-se, à frente eu percebia lufadas de fumaça preta, mas não fazia a menor ideia da localização da linha da frente. A avenida desembocava numa imensa praça vazia, atulhada de escombros, cercando uma espécie de parque delimitado pelos postes de luz.

O oficial estacionou o carro em frente a um prédio amplo, com, na esquina, um peristilo em semicírculo com colunas destruídas por disparos, sobrepujado por grandes sacadas quadradas vazias e escuras e, bem no topo, uma bandeira com a cruz gamada, pendendo frouxamente de uma vara. “O senhor chegou”, diz acendendo um cigarro. Saí do veículo, abri a bagageira e retirei o meu equipamento. Alguns soldados armados com submetralhadoras mantinham-se sob o peristilo, mas não avançavam. Assim que fechei a mala do carro, o Opel partiu, fez uma rápida manobra e subiu a avenida em direção à estação, chocalhando ruidosamente as suas correntes.

Observei a praça desolada: no centro, uma roda de crianças de pedra ou gesso, provavelmente restos de uma fonte, parecia zombar das ruínas em volta. Quando avancei em direção ao peristilo, os soldados me saudaram, mas barraram o caminho. Um deles me pediu os documentos num alemão estropiado e lhe estendi a minha caderneta de soldado. Examinou-a, devolveu-a com uma saudação e deu uma ordem lacónica, em ucraniano, a um de seus companheiros. Este me fez sinal para segui-lo. Subi os degraus entre as colunas, com o vidro e o estuque rangendo sob minhas botas, e penetrei no prédio escuro por uma ampla abertura sem portas. Logo em seguida alinhava-se uma fileira de manequins de plástico cor-de-rosa vestindo os mais diversos trajes: vestidos femininos, macacões de trabalho, fatos completos; as figuras, algumas delas com o crânio rebentado por projéteis, ainda sorriam idiotamente, as mãos erguidas ou apontadas num gestual juvenil e desordenado. Atrás, na penumbra, viam-se prateleiras ainda repletas de utensílios domésticos, vitrines espatifadas ou derrubadas, balcões cobertos de gesso e escombros.

Segui o jovem ucraniano através dos corredores dessa loja fantasma até uma escada vigiada por dois tropas; a uma ordem da minha escolta, afastaram-se para me dar passagem. Fui guiado até um subsolo iluminado pela luz amarela e difusa de lâmpadas racionadas: corredores, recintos fervilhando de oficiais e soldados da Wehrmacht, vestindo uniformes díspares, casacos regulamentares, agasalhos cinzentos de malha, capas russas com insígnias alemãs. Quanto mais avançávamos, mais a atmosfera se tornava quente, húmida, opressiva, eu suava abundantemente sob minha peliça. Continuamos a descer, depois atravessamos uma ampla sala de operações iluminada por um lustre de cristal, com móveis estilo Luís XVI e taças de cristal espalhadas por entre mapas e dossiês; uma ária de Mozart crepitava de um gramofone portátil instalado sobre duas caixas de vinho francês. Os oficiais trabalhavam de calça desportiva, de sandálias e até de short; ninguém me dava a mínima. Além da sala abria-se outro corredor, e vi finalmente um uniforme SS: o ucraniano me deixou ali e um Untersturmführer [patente paramilitar do Schutzstaffel (SS)] levou-me até Möritz.



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