domingo, 6 de março de 2022

Stalin com Harry Hopkins

 



“A maior fraqueza de Hitler”, disse Stalin a Harry Hopkins, em 31 de julho de 1941, “reside no enorme número de povos oprimidos que o odeiam e no comportamento imoral de seu governo”. Tais povos, acrescentou Stalin, “como muitos outros milhões de indivíduos nas nações ainda por conquistar, têm apenas uma fonte onde buscar o encorajamento e a força moral de que precisam para resistir a Hitler: os Estados Unidos”.

Em 6 de agosto, Hitler voou de Borisov a Berdichev para visitar o quartel-general de outro grupo de exércitos. Com ele, viajou Walther Hewel, que registou em seu diário: “Igreja do mosteiro arruinada. Caixões abertos, execuções, cidade horrível. Muitos judeus, vivendas antigas, solo fértil. Muito calor.” Hitler regressou ao seu quartel-general em Rastenburg. No dia seguinte, o comandante da polícia alemã no setor central, Von dem Bach, comunicou ao quartel-general da SS em Berlim que suas unidades haviam realizado trinta mil execuções desde a sua chegada à Rússia. A Brigada de Cavalaria da SS também enviou, nesse dia, um relatório para Berlim, comunicando que efetuara, até a data, 7.819 “execuções” na zona de Minsk. Para garantir o máximo sigilo, ambos os relatórios foram enviados no sistema de cifras Enigma. Assim, puderam ser lidos pelos serviços secretos britânicos. É provável que Hitler também tenha lido esses relatórios; cinco dias antes, o chefe da Gestapo, Heinrich Müller, escrevera, de Berlim, aos comandantes das quatro forças especiais, incluindo o general Nebe da força especial B, sublinhando que “o Führer deve ser continuamente informado, a partir de Berlim, acerca do trabalho das forças especiais no Leste”.

Muito longe de Leningrado, em direção sudeste, começaram em 8 de setembro, na região do Volga, as deportações dos seiscentos mil indivíduos de origem alemã radicados na região havia duzentos anos. Com as forças alemãs preparadas para entrar em Kiev, Stalin, receando eventuais sabotagens e perturbações, tomou a medida draconiana de deportar um povo inteiro. A partir daí, cerca de cem vilas e aldeias, de Marxstadt a Strassbourg, perderiam seus habitantes de língua alemã.

Em 9 de setembro, o comandante soviético da frente sudoeste, marechal Budyonny, pediu autorização a Stálin para abandonar Kiev, o que Stalin recusou. Nesse dia, no Atlântico norte, dezesseis submarinos atacaram um comboio de 65 navios mercantes a caminho da Grã-Bretanha. 
Na batalha que se seguiu, quinze navios mercantes foram afundados, mas não antes que um submarino atacante, o U-501, fosse obrigado a vir à superfície para escapar às cargas de profundidade lançadas por duas corvetas
canadenses, Chambly e Moosejaw, ambas em viagem de treino quando receberam a notícia do combate. Pouco depois desse êxito, a corveta Chambly foi bombardeada pela aviação alemã; enquanto afundava, um tripulante, Stoker Brown, foi sorvido pelo alçapão da torre de comando e desapareceu como mais uma vítima da guerra no mar.

Em 11 de setembro, o marechal Budyonny apelou novamente a Stalin por uma autorização para “uma retirada geral” de Kiev, apoiado pelo principal homem do Partido Comunista na cidade, Nikita Khrushchev. Poucas horas depois, era demitido de suas funções. Num telefonema para o general Kirponos, em Kiev, Stalin ordenou ao comando militar da cidade: “Parem, de uma vez por todas, de procurar novas linhas para onde recuar e procurem maneiras de resistir, apenas de resistir.”

Hitler ordenou a suspensão do assalto a Leningrado. A cidade deveria ser obrigada a render-se por causa da fome. Cinco divisões blindadas, duas divisões motorizadas e boa parte do apoio aéreo do exército de Von Leeb deviam abandonar a frente de Leningrado no intervalo de uma semana. Von Leeb protestou. As trinta divisões soviéticas encurraladas na cidade estavam à beira da destruição. As tripulações dos blindados alemães mais próximos já distinguiam as torres douradas do edifício do almirantado.

As forças alemãs encontravam-se às portas de Kiev, terceira cidade atacada na União Soviética, a seguir a Moscovo e Leningrado. Em 16 de setembro, após quatro dias de apelos urgentes do general Kirponos a Stalin, dizendo que era demasiado tarde para retirar as suas tropas da cidade e dos arredores, o marechal Timoshenko autorizara a retirada de Kiev. Passariam ainda, no entanto, outras 48 horas antes que Stalin confirmasse a ordem. Em 18 de setembro, dia em que teve início a tardia retirada, a primeira coluna de mil homens, comandada pelo general Kirponos, foi alvo de uma emboscada, ficando cercada. Atingido por estilhaços de mina na cabeça e no peito, Kirponos morreu em menos de dois minutos. Seus exércitos lutaram com bravura para escapar à ratoeira. Embora quinze mil homens tenham conseguido salvar-se, os alemães fizeram mais de quinhentos mil prisioneiros. Para o Exército Vermelho, era uma quebra grave, maciça, de sua força de combate, mas os alemães tinham bons motivos para estar preocupados; nessa semana, Berlim anunciou que 86 mil militares alemães haviam morrido em combate desde a invasão à Rússia três meses antes.

Em breve, tal quantidade seria mais do que duplicada. Nesse setembro, a recuperação das forças de Tito na Jugoslávia ocupada aumentaria as preocupações dos círculos militares alemães. Às primeiras horas de 17 de setembro, de um submarino britânico, com base em Malta, desembarcava na costa da Dalmácia, próximo a Petrovac, um agente britânico, o coronel D. T. Hudson, que imediatamente entrou em contacto com Tito e Mihailovic, comandante de Cetnik. Uma semana depois, os homens da resistência de Tito, setenta mil ao todo, com poucas armas e quase sem munição, capturaram a cidade de Uzice, onde se situava uma fábrica de espingardas que produzia quatrocentas armas por dia, e mantiveram-na durante dois meses. A resistência na Jugoslávia, tal como na Rússia, começava a perturbar e a imobilizar um número crescente de tropas alemãs.

Em 19 de setembro de 1941, as forças alemãs entraram em Kiev enquanto Leningrado era alvo do maior bombardeamento aéreo e de artilharia desde o início da guerra, quando 276 bombardeiros alemães conseguiram romper as defesas antiaéreas da cidade. Mais de mil habitantes morreram, incluindo muitos já feridos, que se encontravam num hospital atingido. Dois dias depois, 180 bombardeiros atacaram a ilha de Kronstadt, o mais importante núcleo de defesa de Leningrado; a cidade e seu estaleiro naval sofreram graves estragos.

Em 8 de outubro, no sul da Rússia, Mariupol caiu em mãos alemãs; as tropas de Hitler haviam chegado ao mar de Azov. “Em termos militares”, disse, no dia seguinte, aos jornalistas estrangeiros em Berlim, o assessor de imprensa de Hitler, Otto Dietrich, “a Rússia soviética foi derrotada”. No entanto, a resistência soviética não fora vencida nem haviam sido neutralizados os tanques T-34. E, na transmissão internacional da BBC, uma voz murmurava, em alemão, após se ouvir sete segundos passarem no relógio: “De sete em sete segundos, morre um alemão na Rússia. Será seu marido? Será seu filho? Será seu irmão?” Em 10 de outubro, Stalin retirou o general Zhukov de Leningrado, quando foram registadas na cidade as primeiras mortes por fome, para entregar-lhe o comando de uma recém-formada frente
ocidental e para deter o avanço dos alemães sobre Moscovo. A campanha contra o sistema judaico-bolchevique é o aniquilamento total dos alicerces de seu poder e o extermínio das influências asiáticas na região europeia. Este objetivo, explicava Reichenau, “impõe às tropas tarefas que ultrapassam a rotina limitada da guerra convencional”, de modo que o soldado alemão “deve estar plenamente persuadido da necessidade de castigar severa, mas legitimamente, a sub-humanidade judaica”.

Em 20 de outubro, 500 mil russos de ambos os sexos foram mobilizados em Moscovo para abrir 8.000 Km de trincheiras e de valas antitanque em volta da cidade. Ao mesmo tempo, foram instalados 300 Km de arame farpado. Os alemães estavam a apenas 100 Km da capital soviética. 
Em Londres, ao saber que os exércitos alemães estavam a 100 Km de Moscovo, Churchill e seus chefes de estado-maior decidiram que os tanques fornecidos aos russos deveriam ser acompanhados por sobressalentes para três meses, “sejam quais forem os sacrifícios necessários”.

Em 24 de outubro, forças alemãs entraram em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia. Em Vilna, 3.700 judeus, entre os quais 885 crianças, foram perseguidos pelas ruas do gueto e levados para Ponar, onde seriam fuzilados. Centenas de pessoas, escondidas em caves para escapar à ronda, foram arrastadas para a rua e abatidas.

Em Berlim, o burocrata Adolf Eichmann, encarregado da emigração judaica, aprovou uma proposta apresentada por Heirich Lohse, na semana anterior, para que os judeus que seriam deportados para Riga, vindos de Berlim, Viena e outras regiões do Reich, incluindo Luxemburgo, fossem gaseados no interior de camiões. A decisão sobre exterminá-los dessa forma foi redigida em 25 de outubro, pelo juiz Alfred Wetzel, conselheiro para assuntos judaicos no Ministério dos Territórios Ocupados do Leste; o juiz lembrou que o Dr. Viktor Brack, funcionário da chancelaria de Hitler cujo programa de eutanásia fora recentemente suspenso, havia “coordenado o fornecimento de instrumentos e de material para matar pessoas por meio de gás tóxico”. Para “colaborar com a instalação dos edifícios e das fábricas de gás necessários”, o Dr. Brack estava disposto a enviar a Riga seu especialista em química, Dr. Kallmeyer. O objetivo, explicava o juiz Wetzel, era “evitar incidentes como aqueles ocorridos durante os fuzilamentos de judeus em Vilna”, quando as execuções “foram realizadas à vista de todos”. O “novo processo garante que incidentes semelhantes não sejam possíveis”.

Em 31 de outubro, em Poltava, iniciou-se um período de seis dias de execuções, quando foram mortas 740 pessoas, discriminadas no Relatório da Situação Operacional na URSS no 143 como “três funcionários políticos, um sabotador, 137 judeus, 599 doentes mentais”. Os duzentos doentes restantes, internados no hospital psiquiátrico de Poltava, considerados “curáveis”, foram enviados como operários para uma fábrica de instrumentos agrícolas. Após as execuções, o hospital psiquiátrico foi transformado num hospital de campanha, e a “roupa íntima, o vestuário e os utensílios domésticos” dos antigos pacientes foram postos à disposição do novo hospital.

Em 7 de novembro, Stalin esteve na praça Vermelha, onde, do alto do mausoléu de Lenine, passou em revista às tropas, incitando-as, em seu discurso, a fazerem tudo para defender a “santa Rússia”. Os soldados saíram da praça Vermelha pela rua Gorki, seguindo para a frente de combate. O solo endurecera durante a noite, possibilitando o avanço dos tanques alemães, finalmente a salvo da lama
pegajosa que tudo invadia e impregnava e que constituíra um obstáculo tão grande ao seu avanço nas duas últimas semanas de outubro.

Tal como as bombas britânicas caíam em Berlim, as bombas alemãs caíam em Leningrado, enquanto na retaguarda das linhas alemãs, nos arredores de Minsk, na Rússia branca, doze mil judeus eram massacrados em fossas. Três dias depois, chegou a Minsk um comboio com mil judeus vindos de Hamburgo. “Sentiam-se”, recordou uma testemunha ocular, “como pioneiros trazidos para colonizar o Leste”. Poucos sobreviveriam aos massacres dos meses seguintes; os seis mil judeus de Frankfurt, de Bremen e do Reno que se juntaram a eles ainda nesse mês não tiveram melhor sorte. “Por mais que a guerra dure”, disse Hitler nas comemorações anuais do Putsch da Cervejaria em Munique, em 8 de novembro, “o último batalhão em campo será alemão”. E acrescentou, em tom de triunfo: “Estamos decidindo o destino da Europa para os próximos mil anos.” 

Em 9 de novembro, na Crimeia, as forças alemãs ocuparam Ialta. Em 12 de novembro, a temperatura na frente de Moscovo desceu a doze graus negativos. Muitos soldados alemães encontraram nas ulcerações provocadas pelo frio um inimigo inesperado e mutilante. Hitler, em Berlim, continuava a falar sobre o que aconteceria após a vitória sobre a Rússia. “Daremos aos nativos tudo de que precisam: comida em abundância e bebida de má qualidade. Se não trabalharem, vão para campos de concentração e serão privados de álcool.” Das laranjas ao algodão, acrescentava Hitler, “tudo por ser produzido naquele país”. A posição dos alemães, tão impressionante no mapa, piorava a cada dia. A partir de meados de novembro de 1941, o frio era tanto que as sentinelas que adormeciam acidentalmente em seus postos eram encontradas mortas, congeladas, na manhã seguinte. Os russos estavam mais habituados a sobreviver em temperaturas tão baixas. Além disso, defendiam a sua pátria e a sua capital. Em 17 de novembro, próximo de Volokolamsk, um soldado raso, Efim Diskin, único sobrevivente de sua bateria antitanque e também gravemente ferido, destruiu cinco tanques alemães com sua única arma. Mais tarde, recebeu o galardão de Herói da União Soviética.

Os russos começavam a preparar-se para uma ofensiva de grande envergadura, com o intento de salvar Moscovo. Muito habilmente, conseguiram ocultar dos pilotos de reconhecimento e dos serviços secretos alemães o avanço de suas reservas. O “inimigo”, comentou o general Halder em seu diário, em 18 de novembro, “não tem forças na retaguarda e, provavelmente, está numa situação ainda pior do que nós”. Quem vivia uma “situação” muito pior do que todos os combatentes que se defrontavam nos campos gelados da Rússia ou nas dunas da Líbia eram os três milhões de homens do Exército Vermelho, ou talvez ainda mais, capturados pelos alemães ao longo dos cinco meses anteriores. O destino de sete mil homens como esses foi descrito pelo comandante de um regimento da artilharia alemã, que os viu no campo de concentração. As janelas do edifício onde viviam, escreveu ele, “têm vários metros de altura e de largura e não têm resguardo de qualquer espécie. O edifício também não tem portas. Os prisioneiros vivem, assim, praticamente ao ar livre, e, todos os dias, morrem de frio às centenas, para não falar naqueles que sucumbem à exaustão”.

Nove dias depois, 4.500 judeus eram assassinados no porto de Kerch, na Crimeia; duas semanas depois, 14.300 judeus foram mortos em Sebastopol. Os massacres foram presenciados por centenas de pessoas e pormenorizadamente descritos nos Relatórios da Situação Operacional na URSS, distribuídos para altos funcionários e oficiais superiores alemães em trinta a sessenta exemplares. Na frente de Moscovo, as forças alemãs avançaram, em 23 de novembro, até 48 Km da capital, alcançando a aldeia de Istra, um centro de peregrinação da Rússia ortodoxa, conhecido pelos crentes como Nova Jerusalém. No dia seguinte, as cidades de Klin e de Solnechnogorsk foram tomadas pelos alemães, abrindo-se, assim, a principal autoestrada de Moscovo para o norte. Em Berlim, celebrou-se, em 25 de novembro, o quinto aniversário do Pacto Anticomintern. Um número considerável de estados estava associado ao objetivo de derrotar a Rússia comunista: Alemanha, Itália, Japão, Hungria, Espanha, Bulgária, Croácia, Dinamarca, Finlândia, Roménia e Eslováquia.

Contra-atacando a partir do norte, as forças soviéticas atravessaram o congelado Volga num ponto próximo de Kalinin. Ao sul, atravessando o canal de Moscovo, vindos do leste, expulsaram os alemães de Yakhroma, libertando o caminho de ferro em direção ao norte. Apesar da ordem de Hitler para que seus exércitos mantivessem as posições a todo custo, as divisões foram sendo repelidas lenta e difícil, mas inexoravelmente, por dois a oito quilômetros, e, ao norte de Moscovo, onde a ameaça havia sido mais grave, por 17 Km. Nesse dia, a Grã-Bretanha declarou guerra aos três parceiros de Hitler na luta contra a Rússia: Finlândia, Hungria e Roménia. Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Canadá fizeram o mesmo.

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