quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Ben-Gurion escolheu o nome: Israel. Abdullah ganhara uma parte de Jerusalém



Do aeroporto de Kalandia, o alto-comissário voou de Jerusalém para Haifa, de onde, à meia-noite, partiu de navio para a Inglaterra. Tropas britânicas evacuaram a fortaleza Bevingrado no Complexo Russo. A corrida para controlar o Complexo Russo começou de imediato. O Irgun tomou o Albergue Nikolai. Tiros ricocheteavam pela cidade. Nusseibeh correu para Amã para implorar ao rei Abdullah que salvasse a cidade (“que já foi saqueada pelos cruzados”) e estava prestes a ser saqueada novamente. O rei prometeu que o faria.

Às quatro horas da tarde de 14 de maio de 1948, nos arredores próximos de Jerusalém, Rabin e seus soldados do Palmach, exaustos pela luta para manter a estrada aberta, escutavam pelo rádio o anúncio de David Ben-Gurion, presidente da Agência Judaica. Que nome devia ter o novo Estado dos judeus na Palestina? Alguns sugeriram Judeia ou Sião — mas esses nomes eram associados a Jerusalém e os sionistas ainda estavam em luta para manter apenas uma pequena parte da cidade. Outros tinham proposto Ivriya ou Herzliya. “A Terra de Israel”, leu Ben-Gurion em voz alta, “foi o berço do povo judeu. Ele havia aceitado repetidamente a partilha em dois Estados, mas agora os judeus tinham de resistir a uma invasão dos exércitos regulares árabes com um objetivo abertamente declarado de aniquilação. A própria sobrevivência do Estado de Israel era uma ameaça. Por outro lado, suas opiniões vinham evoluindo desde os anos 1920 e início dos 1930 com as expectativas de uma Palestina compartilhada ou um Estado federativo. Agora, diante da guerra total, tudo estava em disputa.

Onze minutos depois, o presidente Truman anunciou de facto o reconhecimento de Israel. Encorajado por Eddie Jacobson, Truman reassegurara secretamente a Weizmann seu apoio à partilha. No entanto, quase perdera o controlo da Administração quando seus diplomatas na ONU tentaram suspendê-la. Seu secretário de Estado, George Marshall, chefe do Estado-Maior em tempo de guerra e decano do serviço público americano, opunha-se abertamente ao reconhecimento. Mas Truman apoiou o novo Estado, e Stalin foi o primeiro a reconhecer oficialmente Israel.

Em Nova York, Weizmann, agora quase cego, permanecia em seu quarto no Hotel Waldorf Astoria. Ben-Gurion e seus colegas contactaram-no para ser o primeiro presidente. Truman convidou Weizmann para fazer a sua primeira visita oficial à Casa Branca, antes de viajar para Israel. O presidente dos Estados Unidos foi elogiado por Eddie Jacobson, o rabino, pela ajuda a Israel. Nusseibeh levou um tiro na coxa, e acabou com a perna amputada. Mas a guerra irregular havia terminado. Agora tinha-se iniciado a guerra a sério. Os exércitos dos Estados da Liga Árabe — Egito, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano — invadiram Israel com a missão específica de liquidar os judeus, segundo as palavras de Azzam Paxá, secretário da Liga Árabe.

Considerando que a Legião Árabe de Abdullah, com 9 mil homens e treinada pelos britânicos, era a melhor entre eles, o rei foi oficialmente nomeado comandante supremo das Forças da Liga Árabe. Ele era ao mesmo tempo um beduíno orgulhoso e filho do sultanato otomano; havia comandado exércitos quando adolescente e fora “o cérebro” da Grande Revolta Árabe. Suas ambições não conheciam limites e eram igualmente urgentes, daí seu apelido “o Apressado”. No entanto, Abdullah tinha esperado um longo tempo para essa chance de conquistar Jerusalém. Com o correr dos anos, conversava frequentemente com Weizmann e empresários judeus, oferecendo aos judeus uma pátria caso eles o aceitassem como rei da Palestina. Visitou Jerusalém muitas vezes, encontrando-se com seu aliado Ragheb Nashashibi; no entanto, detestava o mufti, acreditando que o sionismo florescia principalmente graças a “esses partidários árabes que não aceitam solução”.

O rei negociara secretamente um pacto de não agressão com os sionistas: ele ocuparia as partes da Cisjordânia atribuídas aos árabes em troca de não se opor às fronteiras determinadas pela ONU para o Estado judeu. “Não quero criar um novo Estado árabe que permita aos árabes montarem nas minhas costas”, explicou ele à enviada sionista Golda Myerson (mais tarde Meir). “Quero ser o cavaleiro, não o cavalo.” Mas agora o cavalo tinha disparado: a guerra, particularmente o massacre de Deir Yassin, o obrigou a combater os judeus. Além disso, os outros Estados árabes estavam determinados a limitar as ambições de Abdullah. O comandante de Abdullah, Glubb Paxá, que dedicara a vida a prover os hachemitas com um exército decente, relutava agora em arriscá-lo. A importância de Jerusalém aos olhos dos árabes e muçulmanos, e cristãos árabes, era bem conhecida. Qualquer desastre sofrido pelo povo da cidade nas mãos dos judeus teria consequências de longo alcance para os muçulmanos. Tudo que temos hoje em nossas mãos precisa ser preservado — a Cidade Velha e a estrada para Jericó precisava de ser preservada.

As forças de Glubb irromperam através de Sheikh Jarrah, que estava nas mãos dos judeus, até ao portão de Damasco. Dentro da Cidade Velha, primeiro os irregulares e depois os legionários árabes cercaram o Bairro Judeu, lar de algumas das mais antigas famílias judias na Palestina, muitos deles estudiosos hassídicos idosos. A defesa foi feita por somente 190 combatentes da Haganah e do Irgun.

Rabin tentou sem êxito atacar o portão de Jaffa, mas simultaneamente outras tropas irromperam pelo portão de Sião penetrando na Cidade Velha. Oitenta homens do Palmach juntaram-se aos defensores antes de perder o portão de Sião. Mas agora a Legião Árabe chegava com toda a força. A batalha pela Cidade Velha seria desesperada; os combates, comentou Glubb, aconteciam “de casa em casa, por passagens escuras, subindo e descendo estreitas escadas que cortam pátios, e indo para baixo nos porões”, através do “apinhado viveiro que era o Bairro Judeu, por cima de entulho e destroços de milénios”.

Dos 213 defensores, 39 estavam mortos e 134 feridos. “Assim a Cidadela de David caiu nas mãos do inimigo”, escreveu Begin. Das 27 sinagogas, 22 foram demolidas. Pela primeira vez desde a reconquista muçulmana em 1187, os judeus perdiam acesso ao Muro Ocidental. Glubb usou a fortaleza de Latrum para fechar a estrada para Jerusalém ocidental. Ben-Gurion ordenou repetidamente a tomada de Latrum, a um custo altíssimo de vidas, mas os ataques fracassaram. Os hierosolimitas judeus, já vivendo nos porões, começaram a passar fome, até que os israelitas criaram uma nova rota para as provisões, a assim chamada estrada de Burma, ao sul de Latrum.

Em 11 de junho, o mediador da ONU, conde Folke Bernadotte, neto de um rei sueco que havia negociado com Himmler a salvação de judeus nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial, teve êxito em mediar uma trégua e propôs uma nova versão da partilha dando toda Jerusalém ao rei Abdullah. Israel rejeitou os planos de Bernadotte. Entretanto, Ben-Gurion derrotou um quase motim quando Menachem Begin, já tendo concordado em fundir suas forças do Irgun com as do Estado, tentou desembarcar o seu próprio carregamento de armas: o exército israelita afundou o navio. Em vez de começar uma guerra civil, Begin se retirou da clandestinidade para entrar na política regular.

Quando a trégua de Bernadotte terminou, reiniciou-se a guerra. No dia seguinte, um Spitfire egípcio bombardeou Jerusalém ocidental. Os empolgados legionários atacaram a Cidade Nova pelo portão de Sião e então avançaram na direção de Notre Dame: “Virando a cabeça, eles podiam ver o Domo da Rocha e al-Aqsa”, escreveu Glubb. “Eles estavam combatendo no caminho de Deus”, enquanto os israelitas tentavam capturar a Cidade Velha. O novo Estado contava agora com 88 mil homens ao todo, contra os 68 mil árabes. Nos dez dias que precederam uma segunda trégua, os israelitas tomaram Lydda e Ramla.

O sueco então sugeriu que Jerusalém deveria ser internacionalizada. Em 17 de setembro de 1948, o conde sueco voou para a Cidade Santa. Mas os extremistas do Lehi, liderados por Yitzhak Shamir (futuro primeiro-ministro de Israel), decidiram aniquilar tanto o homem como seus planos. Quando Bernadotte dirigia por Katamon, indo de sua sede na Casa do Governo para encontrar-se com o governador Dov Joseph em Rehávia, sinalizaram para que seu jipe parasse num posto de fiscalização. Três homens desceram de outro jipe brandindo metralhadoras Sten: dois deles dispararam rajadas contra os pneus e o terceiro metralhou Bernadotte no peito antes de fugirem a toda velocidade. O conde morreu no Hospital Hadassah. Ben-Gurion suprimiu e desmantelou o Lehi, mas os assassinos jamais foram apanhados.

Abdullah havia assegurado a Cidade Velha. Na Cisjordânia, o rei reteve o sul, e os iraquianos, o norte. Ao sul de Jerusalém, a vanguarda egípcia podia ver a Cidade Velha e varria os subúrbios meridionais. Em meados de setembro, a Liga Árabe reconheceu um “governo” palestino sediado em Gaza, que era dominado pelo mufti e pelas famílias de Jerusalém. Mas quando os combates foram retomados, os israelitas derrotaram e cercaram os egípcios, conquistando o deserto do Neguev. Humilhados, os egípcios mandaram o mufti de volta para o Cairo, com a carreira política finalmente desacreditada. No fim de novembro de 1948, o tenente-coronel Moshe Dayan, agora comandante militar de Jerusalém, concordou com um cessar-fogo com os jordanos. Durante a primeira metade de 1949, Israel assinou armistícios com todos os cinco Estados árabes; em fevereiro de 1949, o Knesset, Parlamento de Israel, reuniu-se no prédio da Agência Judaica na King George V Avenue em Jerusalém para eleger formalmente Weizmann para o cerimonial cargo de presidente. Weizmann, com 75 anos, viu-se ignorado pelo primeiro-ministro Ben-Gurion e frustrado por ter um papel não executivo. Ele morreu em 1952.

O Armistício, assinado em abril de 1949 e supervisionado pela ONU, que estava sediada na Casa do Governo britânica, dividia Jerusalém: Israel ficou com a parte oeste e com uma ilha de território no monte Scopus, enquanto Abdullah manteve a Cidade Velha, Jerusalém oriental e a Cisjordânia. O acordo prometia aos judeus acesso ao Muro, ao cemitério do monte das Oliveiras e às tumbas do vale do Cédron, mas isso nunca foi respeitado. Judeus não tiveram permissão de rezar no Muro pelos dezanove anos seguintes. E as lápides de seus cemitérios foram vandalizadas.

Os israelitas e Abdullah temiam perder suas metades de Jerusalém. A ONU persistiu em debater a internacionalização da cidade, e então ambos ocuparam Jerusalém ilegalmente, e somente dois países reconheceram a posse de Abdullah sobre a Cidade Velha. O chefe de gabinete de Weizmann, George Weidenfeld, um jovem vienense que recentemente fundara a sua própria editora em Londres, lançou uma campanha para convencer o mundo de que Israel deveria manter Jerusalém ocidental. Em 11 de dezembro, Jerusalém foi declarada capital de Israel. O vitorioso árabe foi Abdullah, o Apressado, que, 32 anos após a Revolta Árabe, finalmente ganhara uma parte de Jerusalém: “Ninguém”, disse ele, “vai tirar Jerusalém de mim a não ser que me matem”.

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