quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Traços da Conferência de Paz entre os beligerantes da Primeira Guerra Mundial



Depois da vitória dos Aliados, todos os povos dominados ficaram com a esperança de uma era de direitos e justiça, em virtude dos compromissos formais e solenes estabelecidos pelas várias potências, diante de todo o mundo, na luta da civilização contra a barbárie. Em uma carta ao secretário de Estado norte-americano Robert Lansing, em 18 de junho de 1919, Ho Chi Minh, em Paris para a Conferência de Paz com o “Grupo de Patriotas Anamitas”, antevia a independência do Vietname moderno e, nesse compasso de espera, apelava aos vitoriosos para conceder uma lista de “liberdades”. Eram as reivindicações do povo anamita por ocasião da vitória dos Aliados. 

Entre todos os beligerantes da Primeira Guerra, a Sérvia pode ser apontada como o maior vencedor. A decisão dos líderes sérvios de arriscar uma guerra geral, em vez de aceitar o ultimato austro-húngaro em sua totalidade, resultara em derrota e ocupação completas do país pelas Potências Centrais em 1915. Mas, apenas três anos depois, a ousadia foi justificada e compensada. Com o triunfo da libertação, veio o cumprimento de objetivos nacionais para além dos sonhos dos sérvios de 1914, na incorporação não apenas da Bósnia, mas também da Croácia e da Eslovénia. Era a Jugoslávia sob domínio sérvio. Graças ao apoio das potências da Entente, os sérvios aprenderam que podiam incendiar um continente em busca de seus próprios objetivos nacionais e sair vitoriosos no longo prazo. Essa corrente imprudente do nacionalismo sérvio ressurgiria no início dos anos 1990, após o colapso da Jugoslávia, para horror da Europa e do resto do mundo.

A Áustria, depois da Primeira Guerra Mundial, ficou proibida de se unir à Alemanha. Esses sentimentos pró-Anschluss haviam de persissitir até Hitler o levar a vias de facto. Em 1921, Salzburgo (99%) e Tirol (98%) votaram esmagadoramente pela união com a Alemanha em plebiscitos provinciais. Na maior parte, contudo, a proibição da Anschluss fortaleceu os socialistas cristãos, o único partido que queria uma Áustria independente; saíram vitoriosos nas eleições de 1920 e ocuparam a chancelaria até 1938, quando a Alemanha de Hitler finalmente anexou a Áustria. Na Hungria, a restauração do reino pelo almirante Horthy levou Carlos [último imperador da Áustria de 1916 até 1918, também rei da Hungria e Croácia como Carlos IV e rei da Boémia como Carlos III] a fazer duas quixotescas tentativas pós-guerra de voltar ao poder, ambas em 1921 e ambas sem o apoio de Horthy, que muito corretamente pressentiu que os Aliados nunca permitiriam a um Habsburgo reinar em Budapeste. Após a segunda tentativa, os Aliados deportaram o monarca deposto à ilha da Madeira, onde morreu de pneumonia em 1922, aos 34 anos de idade.

Enquanto esperavam pelo princípio da autodeterminação nacional, para passar do ideal à realidade através do reconhecimento efetivo do direito sagrado de todos os povos a decidir o seu próprio destino, os habitantes do antigo Império de Aname na Indochina Francesa, apresentaram aos nobres governos da Entente, em geral, e ao honorável governo francês, humildes reivindicações. Pediam a amnistia geral para todas as pessoas nativas que tivessem sido condenados por atividade política; a reforma do sistema de justiça da Indochina, concedendo à população nativa as mesmas garantias judiciais dos europeus e a supressão total dos tribunais especiais, instrumento de sujeição ao terror e opressão contra elementos mais responsáveis do povo anamita; liberdade de imprensa; liberdade de associação; liberdade de emigrar e viajar para o exterior; liberdade de ensino e criação, em cada província, de escolas técnicas e profissionais para a população nativa; substituição do regime de decretos arbitrários por um regime de direito.

A percepção de que a autodeterminação nacional, se é que seria aplicada, gerou movimentos anticoloniais na África e radicalizou o movimento pelo governo autónomo na Índia. Gandhi e Jinnah pressupunham, ambos, que a Inglaterra iria recompensar as contribuições da Índia na Primeira Guerra Mundial com uma transição para um autogoverno logo em seguida, e ficaram chocados em novembro de 1918 quando a lei marcial foi estendida para o pós-guerra, uma medida claramente dirigida contra os seus próprios apoiantes. Em fevereiro de 1919, quase três anos antes de assumir a liderança formal do Congresso Nacional indiano, Gandhi lançou sua primeira campanha de desobediência civil contra a autoridade britânica abarcando toda a Índia. 

Nada tendo recebido em troca de incentivar os seus seguidores a se juntar ao exército e lutar pelo Império Britânico na Primeira Guerra, ele assumiu a postura oposta no início da Segunda, redobrando seus esforços de resistência no movimento “Quit India” (Saiam da Índia). A cooperação hindu-muçulmana refletida no Pacto de Lucknow de 1916 se desfez em meados da década de 1920, mas elementos dela lançaram as bases do que seria a divisão da Índia em 1947 – principalmente a aceitação, por parte do Congresso Nacional indiano, da Liga Muçulmana como representante dos muçulmanos do país e do conceito de Jinnah sobre eleitorados hindus e muçulmanos separados em futuras eleições.

Com exceção das terras continentais chinesas incorporadas ao Império Japonês, todas as ex-colónias alemãs estavam tecnicamente sob a tutela de seus novos proprietários na condição de mandatos da Liga das Nações, mas nenhuma recebeu independência até 1960, e a última, a Namíbia, finalmente a alcançou 30 anos depois. O atraso decorreu do facto de o mandato do ex-Sudoeste Africano Alemão estar sendo administrado pela África do Sul, que, após a Segunda Guerra, caiu sob controlo de um regime de apartheid cujas origens também datavam do período de 1914 a 1918. 

Depois da Primeira Guerra Mundial, vários líderes africâneres da “Rebelião Maritz” da África do Sul, em outubro de 1914, continuaram a sua luta dentro do sistema político sul-africano, usando o Partido Nacional, fundado em 1914, como seu veículo, mas suas fileiras não incluíam o próprio “Manie” Maritz, que liderava um grupo marginal adepto nazi. Os líderes africâneres não teriam mais êxito em impedir que a África do Sul fosse à guerra com a Alemanha em 1939 do que tiveram em 1914, mas, após a Segunda Guerra, seu partido ressurgiu para se tornar o partido da maioria do eleitorado exclusivamente branco e acabaria por romper os laços com a Grã-Bretanha para estabelecer a República da África do Sul (1961) e aplicar a política de apartheid até 1994. Último presidente branco da África do Sul, F. W. de Klerk concedeu independência à Namíbia em 1990, mesmo ano em que libertou Nelson Mandela da prisão.

Entre os beligerantes da Primeira Guerra Mundial, o Japão saiu com maiores ganhos a um custo menor do que qualquer outro país. Em uma guerra que gerou 8,5 milhões de mortes militares, os japoneses sofreram apenas 500, enquanto ganhavam a península de Shantung com o porto de Tsingtao e a baía de Jiaozhou, mais as antigas ilhas alemãs do Pacífico ocidental das Carolinas, Marianas e Marshalls. Entre 1913 e 1929, a produção industrial do Japão mais do que triplicou. Mas partia de um ponto tão baixo que a sua base industrial muito menor representou apenas 2,5% da produção industrial do mundo em 1929. Uma facção linha-dura dos almirantes japoneses considerou uma falta ao estatuto pelo Tratado Naval de Washington, em 1922. O Japão 60% da frota da marinha britânica. Isso passou a ser uma reação premonitória por parte do Japão, que viria a fazer estragos aos Estados Unidos.

A decisão Aliada de atender à reivindicação do Japão sobre a península de Shantung desencadeou o Movimento de Quatro de Maio, assim nomeado em função do dia em que a notícia chegou a Pequim (4 de maio de 1919), levando milhares de universitários chineses a se reunir na praça Tiananmen para extravasar sua frustração contra as potências ocidentais e contra a fraqueza de sua própria República chinesa. Muitos líderes do Movimento Quatro de Maio recorreram à Rússia soviética como sua fonte de ideias e inspiração, e participaram da fundação do Partido Comunista chinês, em 1921. 

Na Conferência de Paz de Paris, o Japão havia reforçado ainda mais a popularidade da sua própria retórica: “Ásia para os asiáticos”. Estabeleceu os alicerces para a sua esfera de influência na grande Ásia do Leste. Inúmeros chineses e outros asiáticos apostaram o seu futuro e, em última análise, as suas vidas, considerando que a dominação japonesa seria mais benigna do que o imperialismo ocidental.

Embora Shantung tenha sido o gatilho do Movimento Quatro de Maio, o Japão a devolveu à China em 1922, ainda que em troca de novas concessões em outras partes do país. Outros asiáticos decepcionados em Paris durante o verão de 1919 também se voltaram ao mesmo comunismo depois de se decepcionar com o Ocidente. O nacionalista vietnamita Ho Chi Minh encaminhou uma correspondência ao secretário de Estado de Wilson, Lansing, pedindo a independência de seu país, de acordo com o princípio da autodeterminação nacional. Em 1923, Ho Chi Minh saiu de Paris para Moscovo, onde se tornou um agente da Internacional Comunista de Lenin (Comintern) e embarcou em sua longa busca para estabelecer um Vietname independente e comunista.

Sem comentários:

Enviar um comentário