segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Himiar e Axum - Reinos do Mar da Eritreia - séculos I a V d.C.





O Reino de Himiar, antigamente chamado Reino Homerita pelos gregos e romanos, foi um estado localizado no sudoeste da Arábia entre cerca de 110 a.C. e cerca de 900 d.C. Tendo começado com a antiga cidade de Zafar, como capital, mais tarde a capital passou para a cidade de Saná. Tendo começado guerras com o vizinho Reino de Sabá em 25 a.C., a conquista definitiva só foi conseguida em 280 d.C.  Catabã foi conquistada em 200 d.C.; e Hadramaute em 300 d.C. O Reino de Himiar controlou a Arábia até que finalmente caiu sob a tutela dos invasores do Reino de Axum, em 525 d.C.

O Reino de Axum também conhecido como Reino de Aksum, Cidade-estado de Axum, ou Império de Aksumite foi um reino africano que se tornou conhecido pelos povos da região por volta do século I d.C.. Localizava-se no território onde atualmente fica o norte da Etiópia, e abrangendo a atual Eritreia, Djibuti e Sudão, bem próximo do Mar Vermelho e do rio Nilo, estendeu-se no seu auge por grande parte do sul da Arábia durante o reinado de Kaleb, rei de Axum. Os axumitas estabeleceram-se na região por volta do século V a.C., na cidade de Axum, e passaram a conquistar outras áreas próximas, cobrando tributos dos povos derrotados. A partir do século II d.C., conquistaram várias cidades da Península Arábica e o Reino de Cuxe, ampliando consideravelmente o império. No século IX a capital mudou-se para Jarma, devido ao declínio das conexões comerciais e às recorrentes invasões externas. À medida que o reino se tornou uma grande potência na rota entre Roma e a Índia, ganhou o monopólio do comércio do Oceano Índico.

Os missionários enviados à Arábia pelo imperador Constâncio II, em 356, sentiram-se frustrados com a forte e bem-sucedida concorrência de catequistas judeus, aqueles que fontes muçulmanas chamavam de rabban’iyun. No fim do século IV, quando a vida dos judeus na cristandade começava a se tornar bem mais difícil, o judaísmo fez a sua conquista mais espetacular na Arábia, ao obter a conversão do Reino de Himiar, que correspondia, em termos de território, ao atual Iémen. Era bem conhecido este reino como potência dominante na península Arábica, que se aguentou por cerca de 250 anos. Durante muito tempo, supôs-se que a conversão da gente de Himiar ao judaísmo se limitava a um pequeno círculo em torno do rei Tiban As’ad Abu Karib, o último da linha de Tubban. Como a elite himiarita enterrava os mortos na grande necrópole de Beit Shearim, não há dúvidas quanto à direção de sua fé religiosa ou à sua ligação com a Palestina judaica. Fontes muçulmanas posteriores falam até de rabinos vindos de Tiberíades para fazer preleções para a corte himiarita. Seja isso verdade ou não, fica evidente que nos séculos que antecederam a aparição de Maomé, em 610, os judeus constituíam uma grande presença no mundo etnicamente árabe do Hedjaz e de Himiar.

Os reis himiaritas devem ter abandonado o politeísmo e se convertido ao judaísmo por volta do ano 380 d.C., várias décadas após a conversão do Reino de Axum ao cristianismo, em 328 d.C. Nenhuma alteração ocorreu na escrita, calendário ou idioma em Himiar, ao contrário de Axum após a conversão. Esta data marca o fim de uma era em que inúmeras inscrições registam os nomes e ações dos reis e dedicam edifícios a deuses locais, como, por exemplo Uagal e Simiada. E deuses principais  como Almacá. A partir de 380, os templos foram abandonados e as dedicações aos deuses antigos cessaram, substituídas por referências a Ramanã, o Senhor do Céu ou Senhor do Céu e da Terra. 

O contexto político para essa conversão pode ter sido do interesse da aristocracia himiarita em manter a neutralidade e boas relações comerciais com os impérios concorrentes de Bizâncio, que adotou o cristianismo pela primeira vez sob Constantino, e o Império Sassânida com Zoroastro e Maniqueu. Os imperadores bizantinos há muito sondavam a península Arábica e procuravam controlar o lucrativo comércio das especiarias na rota com a Índia. Os bizantinos esperavam estabelecer um protetorado convertendo os habitantes ao cristianismo. Algum progresso foi feito no norte da Arábia, mas os bizantinos tiveram pouco sucesso em Himiar. A economia de Himiar  era baseada na agricultura e o comércio exterior estava centrado na exportação de incenso e mirra. Por muitos anos, o reino também foi o principal intermediário entre a África Oriental e o Mediterrâneo. Esse comércio consistia basicamente na exportação de marfim da África para ser vendido no Império Romano. Os navios de Himiar viajavam regularmente pela costa da África Oriental, e também exercia uma grande influência cultural, religiosa e política nas cidades comerciais da África Oriental, enquanto estas permaneceram independentes.

As ruínas de Zafar espalham-se por mais de 120 hectares na Montanha Mudawwar, 10 km ao norte e noroeste da cidade de Yarim. Zafar foi a primeira capital autossuficiente em termos agrícolas. Até o início do século III, o comércio floresceu. Mais tarde, fracassou talvez por causa do domínio dos Nabateus ao norte de Hejaz e por causa da guerra intertribal, razão pela qual os Catanitas foram espalhados pela Arábia, particularmente a leste. O século VI trouxe uma drástica perda de cidades e população.

A primeira invasão por parte do Reino de Axum ocorreu em algum momento do século V e foi desencadeada pela perseguição aos cristãos. A monarquia judaica em Himiar terminou durante o reinado de Dunaas, que em 523 atacou a população cristã de Najrã. Até ao ano 500, na véspera da regência de Martadilã Ianufe (c. 500-515), o reino de Himiar exercia controlo sobre grande parte da península Arábica. Foi durante este reinado que Himiar começou a se tornar um estado tributário do Reino de Axum.

O segundo e definitivo ataque do Reino de Axum ocorreu em 525 d.C. quando Elesbão lançou com o apoio do Império Bizantino um ataque em larga escala que terminou com o derrube e morte de Dunaas e a ocupação de Himiar por tropas axumitas, iniciando a restauração das igrejas danificadas. Os judeus estavam instalados em terras árabes havia tanto tempo que se tinham tornado uma parte orgânica daquele mundo. Em escavações recentes em Zafar, cidade construída entre vulcões, foi encontrado um anel do século II ou III, com um sinete de cornalina, entalhado com a imagem da Arca da Torá, estilizada exatamente da mesma maneira como ela aparece nos pisos de mosaico das primeiras sinagogas, e com o nome Yishaq bar Hanina gravado em hebraico, da direita para a esquerda.

Tinha havido tantas conversões ao longo dos séculos, desde que os asmoneus impuseram à força o judaísmo aos itureus e idumeus do deserto, de etnia árabe, que é impossível distinguir os judeus árabes que na sua origem eram emigrantes da Palestina, antes ou depois da destruição do Templo pelos Romanos, das multidões de árabes antes pagãos que haviam optado pelo judaísmo, e não pelo cristianismo, como sua fé monoteísta. Estudos recentes do DNA de judeus iemenitas modernos, realizados pela geneticista Batsheva Bonne-Tamir, confirmaram que descendem de beduínos e árabes do sudoeste da Arábia convertidos ao judaísmo.

Essa fusão, no período pré-islâmico, de identidades árabes e judaicas fortaleceu-se quando o último rei judeu, Dhu Nuwas, o Senhor dos Peiot (também conhecido como Yusef As’ar), foi derrotado em batalha por Elesbão, rei cristão de Axum, em 525. 
O Reino de Axum era uma das quatro grandes potências do século III, ao lado da Pérsia, Roma e China. O domínio axumita no Mar Vermelho culminou durante o reinado de Elesbão que, a pedido do imperador bizantino Justino I, invadiu o Reino Himiarita para acabar com a perseguição aos cristãos perpetrada pelo rei judeu Dunaas. Com a anexação do Reino de Himiar, o Reino de Axum atingiu a sua maior extensão territorial. No entanto, o território foi perdido nas guerras com os Persas.

Em Constantinopla, o poder do Império Bizantino, com Justino I, começou a ver-se ameaçado com o inimigo sassânida vindo de Leste, e de Himiar vindo de Sul. Como o Reino de Axum era cristão, Justino I, achou por bem pedir auxílio ao Rei de Axum. E este, sob a liderança de Elesbão, achou por bem invadir Himiar em 525. E foi bem sucedido, derrotando Dhu Nuwas e pondo fim à história do sonho de um estado federado híbrido (árabe e judeu). Consta que Dhu Nuwas se matou fazendo a sua montaria saltar para o mar do alto de um penhasco. Mas isso não passa de uma lenda. O certo é que o último e mais agressivo rei de Himiar, que pelos vistos era judeu, não sobreviveu à sorte do seu exército que foi vencido.

O Reino de Axum, por sua vez, a partir do século VII, com a ascensão dos islâmicos, entrou num lento declínio. O tráfego comercial do Mar Vermelho, por esta altura, já tinha novos donos. É possível que se tenham juntado outros fatores ambientais. Os últimos três séculos foram considerados a era das trevas para o Reino de Axum, que entrou em colapso por volta da década de 960. Mas depois de um longo período de obscuridade, Axum, por volta dos finais do século XV, parece ter ressuscitado. A Igreja de Santa Maria de Sião tinha sido reconstruída em 1404. No século XVI já havia por lá novos bairros de belas moradias. Porém, em 1535, a cidade foi invadida e destruída por Amade ibne Ibraim Algazi, um famoso chefe militar da Somália. No século XVII, Axum foi vítima de pragas de gafanhotos, cólera e fome, acabando a população por ser toda dizimada. Mas para a Etiópia, a importância simbólica do Reino de Axum, seja pelo cristianismo, seja pela realeza, nunca mais foi esquecida.

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