quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Como os acontecimentos de 9 de novembro de 1938 não acordaram o resto da Europa



Na chamejante e tumultuosa noite de 9 de novembro de 1938, Noite de Cristal, o Terceiro Reich tomara deliberadamente um caminho do qual ainda hoje muita gente perde o apetite. Nesse dia o número e cadáveres de judeus depois de torturados era impreciso. Enquanto bandos de camisas pardas agiam com sadismo, as autoridades estatais ficavam inertes, olhando para o lado. Assassinatos, roubo e incêndio de sinagogas, de lares e de lojas. Decretos oficiais, devidamente publicados na imprensa governamental, determinavam à comunidade judia uma multa no valor de um bilião de marcos. Anos mais tarde, em 1994, um colono judeu foi a Hebron e disparou desenfreadamente numa mesquita onde palestinianos estavam a rezar. Matou 29. E ele justificou assim: «Estou a vingar o massacre árabe que teve lugar aqui, em 1929, do qual resultou na morte de 67 judeus. Como mataram judeus aqui, e nós somos judeus, logo, estamos autorizados a fazer o que quisermos dentro deste lugar.»

Em 9 de novembro de 1938, aquela abjeta barbaridade perpetrada durante a noite tinha um responsável: Adolf Hitler. Era inequívoca, a sua aprovação, e indispensável para que que fosse lançada; ele tinha sido inequívoco sobre as orientações dadas a Göring, para levar adiante a eliminação dos judeus da vida alemã. Doravante o senhor absoluto do Terceiro Reich demonstraria pouco comedimento nos seus propósitos já delineados no livro escrito na prisão. Um génio que havia contaminado toda a Alemanha, embriagada com as suas posteriores conquistas. Mas eram sementes envenenadas, que viriam a resultar na sua total autodestruição. Isso não significa que muitos alemães não tivessem ficado horrorizados com esse inferno de 9 de novembro, da mesma maneira que os americanos, os ingleses e outros estrangeiros. Mas nem os dirigentes das igrejas cristãs, nem os generais, nem outros representantes da digna Alemanha formularam um protesto aberto de imediato. Submeteram-se ao que o general von Fritsch chamava “o inevitável” ou o “destino da Alemanha”. Em Saarbrücken, em Weimar, em Munique, Hitler proferiu discursos petulantes de aviso ao mundo exterior, e principalmente aos ingleses, para cuidarem de seus próprios assuntos e não se imiscuírem com o destino dos alemães dentro das fronteiras do Reich.



Sinagoga em chamas

Ribbentrop, ministro do Exterior alemão, tinha ido a Roma persuadir Mussolini a assinar uma aliança militar entre Alemanha, Japão e Itália, de acordo com um esboço já dado aos italianos em Munique; mas Mussolini procurou ganhar tempo. Não se achava ainda preparado para fechar as portas à Inglaterra e à França. O próprio Hitler acalentou a ideia, nesse outono, de tentar separar a França de sua aliada do outro lado do Canal da Mancha. Quando a 18 de outubro ele recebeu o embaixador francês, François-Poncet, para uma visita de despedida na lúgubre fortaleza do Ninho de Águia, muito acima de Berchtesgaden, no alto de uma montanha, irrompeu num rancoroso ataque contra a Inglaterra. Os ingleses é que estavam destruindo o espírito de Munique. E assim por diante. A França era diferente. Hitler afirmou que desejava maior amizade e relações íntimas com ela. Para demonstrá-lo, achava-se disposto a assinar imediatamente um pacto de amizade, garantindo suas atuais fronteiras, renunciando de novo, dessa forma, às reclamações alemãs em relação à Alsácia-Lorena. Propunha regulamentar quaisquer futuras divergências com consultas.

O Ninho de Águia, o refúgio de Hitler, construído penosamente durante três anos, era difícil de alcançar. Eram 16 Km de uma estrada cheia de curvas, ladeando a montanha, que levava a uma extensa passagem subterrânea, perfurada na rocha, e que conduzia por um elevador a uma cabana a 230 metros, encarapitada numa elevação de mais de 1.830 metros, no cume de uma montanha. Dali se descortinava uma paisagem maravilhosa dos Alpes. Salzburgo podia ser vista à distância. Descrevendo-a mais tarde, François-Poncet admirava-se: «Este edifício foi obra de uma mente normal ou de um espírito atormentado pela megalomania obcecada por visões de domínio e solidão?» O pacto foi assinado devidamente em Paris a 6 de dezembro de 1938, pelos ministros do Exterior alemão e francês. A França nessa época se repusera um pouco do pânico derrotista dos dias de Munique.

A 24 de novembro Hitler emitiu uma ordem secreta determinando que a Wehrmacht fizesse preparativos para a ocupação militar de Dantzig. O Führer já olhava além da conquista final da Checoslováquia. Antes do Natal, em 1938, o Ministério checo, a fim de apaziguar novamente o Führer, dissolvera o Partido Comunista e suspendera todos os professores judeus das escolas alemãs. A 12 de janeiro de 1939, o ministro do Exterior, Chvalkovsky, numa mensagem ao Ministério do Exterior alemão, salientou que seu governo «fará todo o possível para provar sua lealdade e sua boa vontade para a mais completa satisfação de todos os desejos da Alemanha». No mesmo dia chamou a atenção do encarregado alemão em Praga para os rumores difundidos de que a incorporação da Checoslováquia ao Reich estava iminente.

Foram os checos, em Praga, no início de março de 1938, que tiveram de se defrontar com os movimentos separatistas na Eslováquia e na Ruténia, fomentados pelo governo alemão. Se os separatistas fossem derrotados pelo governo central, então o Führer, quase seguramente, tiraria partido das consequências do distúrbio a fim de marchar também para Praga. O governo checo, a 6 de março, demitiu do cargo o governo autónomo da Ruténia, fazendo o mesmo, na noite de 9 para 10 de março, com o governo eslovaco. No dia seguinte, ordenou a prisão de monsenhor Tiso, o primeiro-ministro eslovaco, e proclamou a lei marcial na Eslováquia. A própria atitude corajosa desse governo, que se mostrara tão servil a Berlim, veio a se constituir rapidamente num desastre que o destruiu.

A ação enérgica do cambaleante governo de Praga apanhou Berlim de surpresa. Göring partira para férias em San Remo. Hitler estava às vésperas de sair de Viena, a fim de celebrar o primeiro aniversário do Anschluss. Mas nesse momento o improvisador máximo se pôs a trabalhar febrilmente. A 11 de março, ele decidiu tomar, por ultimato, a Boémia e a Morávia. O texto foi redigido nesse dia, por ordem de Hitler, pelo general Keitel e enviado ao Ministério do Exterior alemão. Conclamava os checos a se submeterem à ocupação militar sem resistência. Entretanto, ficaria no momento como “alto segredo militar”. Retornando a Bratislava, sede do governo eslovaco, no sábado, 11 de março, Sidor convocou uma reunião de seu novo gabinete. Às 22h a sessão foi interrompida por estranhos e inesperados visitantes. Seyss-Inquart, o quisling nazista da Áustria, e Josef Bürckel, o Gauleiter nazi da Áustria, acompanhados por cinco generais, entraram pela reunião e disseram aos ministros que proclamassem imediatamente a independência da Eslováquia. Se não o fizessem, Hitler, que decidira resolver o problema da Eslováquia agora, e de modo definitivo, se desinteressaria do destino dos eslovacos.

Quando Tiso e Ducansky chegaram à chancelaria em Berlim, às 19:40h de 13 de março, encontraram Hitler ladeado tanto de Ribbentrop como pelos generais de maior posto: Brauchtisch, comandante do exército alemão e Keitel, chefe do OKW. Os eslovacos também o desapontaram. Depois de Munique ele se afastara dos seus amigos, os húngaros, para não permitir que tomassem a Eslováquia. Pensou que a Eslováquia quisesse a independência. A questão consistia: desejava a Eslováquia chegar à independência ou não? Era uma pergunta não de dias, mas de horas. No caso afirmativo, ele a apoiaria e lhe daria inclusive garantias. Se hesitasse ou se recusasse a separar-se de Praga, deixaria o destino da Eslováquia sujeito aos acontecimentos pelos quais não seria mais responsável. Nesse ponto, Ribbentrop entregou ao Führer uma comunicação, que acabava de receber, anunciando que tropas húngaras se movimentavam para a fronteira eslovaca. O Führer leu-a, informou a Tiso de seu conteúdo e expressou a esperança de que a Eslováquia chegaria a uma rápida decisão.

Tiso não tomou decisão nesse momento. Solicitou perdão ao Führer se, sob o impacto das palavras do chanceler, não pudesse decidir-se imediatamente. Nessa noite, no Ministério do Exterior, Ribbentrop igualmente redigiu a proclamação da independência e a traduzira em eslovaco a tempo de Tiso levá-la de volta a Bratislava, onde a leu, numa forma ligeiramente alterada. Dessa forma nasceu, a 14 de março de 1939, a Eslováquia “independente”. Embora os representantes diplomáticos da Inglaterra se apressassem a comunicar a Londres a forma pela qual se processou o nascimento, Chamberlain acabou por utilizar rapidamente a secessão da Eslováquia como desculpa para a Inglaterra de não honrar a sua garantia à Checoslováquia.

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