sábado, 25 de novembro de 2023

PREC = Período político entre 25 de abril de 1974 e 25 de novembro de 1975



Em 25 de abril de 1975 realizaram-se em Portugal as eleições para a Assembleia Constituinte. O Partido Socialista de Mário Soares foi o partido mais votado com 37,87% [116 deputados]; A seguir o PPD de Sá Carneiro obteve 26,39% [81 deputados]; O PCP teve 12,46% [30 deputados]; O CDS 7,61% [16 deputados]; e o MDP 4,14% [5 deputados]. Mas em julho e agosto desse ano a radicalização ideológica estava instalada. A extrema-direita, praticamente clandestina, a maioria refugiada em Espanha, começou a atacar as sedes do PCP a Norte do país, incendiando-as. O país parecia dividido entre o Norte e o Sul, cuja linha divisória passava algures em Rio Maior. 

Os 4º e 5º governos provisórios de Vasco Gonçalves, apoiado principalmente pelo PCP, recebiam à medida que os dias passavam uma contestação generalizada à direita do PCP que incluía o PS. O Partido Socialista tinha saído do 4º governo em julho depois do caso do Jornal República. Seguiu-se depois a saída do PPD do governo. E a extrema-esquerda chega a pedir a dissolução da Assembleia Constituinte. Em 25 de julho a Assembleia do MFA delibera que o Conselho da Revolução fique sob a sua dependência como órgão consultivo, que não é aceite. Dão-se clivagens ideológicas insanáveis no seio do MFA. O Caso República coincide com a entrevista de Cunhal a Oriana Falacci. Mário Soares e Almeida Santos já tinham abandonado o 4º governo provisório quando aconteceu a tão falada manifestação na Alameda, em 19 de julho, liderada pelo Partido Socialista em que se notabilizou pela sua coragem, Mário Soares.

Em 1 de agosto o 5º governo provisório, com a manutenção de Vasco Gonçalves a primeiro-ministro, ainda não tina sido empossado. Já tinham passado quatro semanas da queda do 4º governo. No dia 7 de agosto o Jornal Novo publica o Documento dos Nove. E em 18 de agosto Vasco Gonçalves, em Almada, profere um discurso que ficou célebre pelo seu comunismo bombástico. No Boletim do MFA, órgão da 5ª Divisão, que está ao lado de Vasco Gonçalves e do PCP, lê-se que a Revolução não tem donos e que o Processo Revolucionário continua firme. José Saramago, por sua vez a dirigir o DN, dando loas a Vasco Gonçalves, tinha feito em julho um saneamento inominável de jornalistas do Diário de Notícias.

Pinheiro de Azevedo, já empossado no 6º governo provisório, em 19 de setembro fala ao povo. Rodeado por Mário Soares e Sá Carneiro, a dada altura rebentam uns petardos no meio da assistência misturada com manifestantes. E é nesta altura que Pinheiro de Azevedo profere a célebre frase: «É só fumaça, o povo é sereno, o povo é sereno, o povo é sereno ... Por esta altura aparecera na imprensa mais umas declarações de Otelo Saraiva de Carvalho, que diz: « As armas roubadas estão em boas mãos». Em 26 de setembro dá-se o ataque à embaixada de Espanha, numa altura em que Franco anunciara a pena de morte para 5 terroristas bascos.

Em 6 de novembro aconteceu o maior debate de sempre, entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, numa RTP ainda a preto e branco, um frente a frente que durou 4 horas. E em 13 de novembro aconteceu uma manifestação de operários da construção civil, que cercou o Parlamento onde estava a Assembleia Constituinte reunida. Os deputados ficam sequestrados lá dentro durante 12 horas. A residência oficial do primeiro-ministro, estando ao lado da Assembleia da República, em São Bento, também apanhou de tabela. E mais uma vez, o primeiro-ministro, Pinheiro de Azevedo, fez mais umas declarações a que já se habituava a surpreender. 
E em 20 de novembro Pinheiro de Azevedo, como Primeiro-ministro, suspendeu mesmo a atividade governativa. Em primeiro lugar ameaçou que fazia greve. E com toda a indignação disse que não gostava nada de ser sequestrado. Estava muito chateado e farto de plenários, em vez de governar.

Por esta altura Costa Gomes, falando à população numa manifestação em seu apoio, pela primeira vez pronuncia a palavra "guerra civil". E acrescenta que se oporá com todas a suas forças a uma tal loucura. O Conselho da Revolução demite Otelo do comando da Região Militar de Lisboa e é nomeado, para o  substituir, Vasco Lourenço. E em Rio Maior os agricultores vêm para estrada com tratores e preparam as barricadas.

As Forças Armadas estão dividida. Na Imprensa corre informação e contra-informação. Os rumores e as teorias da conspiração são uma selva de notícias, anunciando golpes e contra-golpes. Uns provenientes da extrema -esquerda, outros provenientes de forças militares conectadas com a extrema-direita. 
No dia 24 de novembro são lançadas então as ações militares da Escola de Tropas Paraquedistas de Tancos. Passada a meia-noite para o dia 25, um dos guardas da casa de armas da BA5, o primeiro-sargento Teodósio, recebe um telefonema a dar conta de um possível golpe de extrema-direita oriundo de Cortegaça. O golpe dos paraquedistas está em marcha. A RTP é ocupada por elementos da Polícia Militar. às 16 horas e 30 minutos do dia 25 é declarado o Estado de Emergência. E às 21:10 o Estado de Sítio.

É então que surge a resposta quando Jaime Neves, a partir da Amadora e comandado por Ramalho Eanes, entra em ação. Em pouco tempo as bases aéreas ficam sob o seu controlo. Ocorreram confrontos entre a força de Comandos liderada por Jaime Neves e a Polícia Militar, o que acabou por soldar-se em três mortos. Segundo a investigadora Maria Manuela Cruzeiro: «os grupos paraquedistas ocuparam as Bases na tentativa de receber apoio do COPCON. A Base Aérea que mais material bélico detinha no dia 25 de novembro era a de Cortegaça, que estava ligada à NATO. Em 26 de novembro a PM é neutralizada. Melo Antunes diz que o PCP é imprescindível à democracia. Em 27 de novembro começam as detenções e os detidos são enviados para o Norte, para Custóias. E Otelo demite-se do COPCOM. 

A posição do PCP no 25 de Novembro é objeto de muita controvérsia. Em diversas obras, foi defendido que "o 25 de novembro tinha sido uma tentativa de golpe por parte do PCP e da esquerda militar e que a direção do PCP, em cima do golpe, teria recuado perante a capacidade de organização militar do Grupo dos 9 e dos setores mais à direita das Forças Armadas". Álvaro Cunhal deu ordem para que o PCP se retirasse de qualquer das movimentações que corriam desde a tarde da véspera. A análise da historiadora Maria Inácia Rezola sobre a participação não tira conclusões sobre a atuação do PCP no golpe, mas aponta para um recuo do PCP e que no fim da tarde do dia 25 "começava a tornar-se óbvia a ausência de uma liderança consensual, de um plano e de uma coordenação das ações dos sublevados".

A esquerda militar havia criado um certo grupo político-militar com ramificações no Conselho da Revolução, COPCON, nos três setores das Forças Armadas e no serviço de inteligência SDCI, liderado por Rosa Coutinho. O PCP, "preparou um plano para resistir a um golpe dos moderados que, segundo previam, ocorreria antes da independência de Angola. No plano civil estaria a Frente de Unidade Revolucionária, o PCP, a Intersindical, a União Democrática Popular, assim como os órgãos de poder popular, e o militar, onde teria um papel a Armada, os paraquedistas e o COPCON. 

No dia da movimentação, o PCP mobilizou as células operárias que liderava, localizadas em múltiplas empresas, onde também estavam contidas a Emissora Nacional e a RTP, e ordenou aos Comités de Defesa da Revolução (CDR) de Lisboa para ficarem vigilantes. O comunicado da Comissão Política do PCP do dia 25 de novembro indicou a sua confiança na vitória da reposição da hierarquia nos quartéis, e não foi um comunicado onde sobre aguardar e analisar a correlação de forças até se tomar uma decisão. No comunicado, é afirmado que "as unidades progressistas perderam posições, apesar de apoiadas corajosamente pelas massas trabalhadoras", e indicou como tática o recuo da esquerda.

Melo Antunes, do Grupo dos Nove, no dia 26 de novembro, disse através de transmissão televisiva "que o PCP é indispensável para construir a democracia portuguesa", posicionando-se contra os setores mais à direita, que pediam a ilegalização do partido. Estes, defendiam a tese 
do recuo, e, acusando o PCP de ter promovido um golpe de Estado, e que teriam recuado no último momento, "abandonando a extrema-esquerda à sua sorte". A retirada do PCP terá sido negociada com Costa Gomes, porque Cunhal percebeu que não podia ganhar.

Em resumo: O 25 de novembro de 1975 é uma data que marca o fim do PREC, com um golpe militar de extrema-esquerda, que independentemente dos apoios que terá tido por parte de certas forças políticas e partidárias, não teve sucesso. Quem deu a ordem para os paraquedistas saírem? É seguro dizer que Costa Gomes, o Presidente da República, mais Melo Antunes, Vasco Lourenço e Ramalho Eanes, em concertação com PS e PPD, conseguiram gerar consensos suficientes para que não se tenha chegado a uma confrontação com derramamento de sangue, ainda que do episódio tenham resultado três mortes, nada comparável com a mortandade de uma guerra civil. E também se pode concluir que o golpe abortado de 25 de novembro de 1975 não pode ser descontextualizado do Processo Revolucionário em Curso desde o 25 de abril de 1974, com o golpe de 11 de março de 1975, e sobretudo agudizado no chamado "Verão Quente" de 1975, durante os sucessivos governos presididos por Vasco Gonçalves, em perfeita sintonia com o Partido Comunista. Até aí, apesar de a Liberdade já não estar em causa, estava garantida, era urgente que se encetassem com firmeza os verdadeiros caminhos rumo à Democracia.

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Fernando Rosas : considera que foi a revolução de 25 de abril que legitimou a democracia e não o contragolpe de 25 de novembro. Do seu ponto de vista é claro que a democracia em Portugal foi conquistada na rua e na revolução, e não foi no 25 de novembro.

Há, a partir de certa altura, uma fuga para a frente no campo da revolução. Uma fuga para a frente que aumenta à medida que vai perdendo terreno. Isso começa com as eleições para a Assembleia Constituinte, que iniciam a sobreposição da legitimidade das urnas sobre a legitimidade revolucionária; na Assembleia de Tancos dão-se grandes mudanças na correlação de forças no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA). O partido comunista convoca o Comité Central (CC) para Alhandra, a célebre reunião, nessa altura secreta, para interpretar a evolução dos acontecimentos.

O golpe de 25 de novembro acabou por se transformar num ensaio de movimento militar a partir do SDCI [Serviço de Detecção e Controlo de Informação]. Otelo, embora pressionado para tomar o comando das operações, não aceitou, e foi para casa. Essa espécie de movimento militar foi frustrado. Ficou-se pela ocupação da RTP, da Emissora Nacional, e de alguns pontos da cidade de Lisboa. O PCP também acabou por se demarcar do golpe, apesar de os militantes das bases estarem preparadas para avançar. Cunhal não era pela tomada do poder de baixo para cima. E, portanto, desmobilizou os militantes que tinham sido convocados para as sedes. Os próprios oficiais da marinha próximos do PCP não saíram. Os fuzileiros, a única força que podia fazer face aos comandos, à última hora não avançaram. 

Hoje sabe-se que o próprio Álvaro Cunhal se encontrou com Melo Antunes. O PCP, como força principal do campo da revolução, e um setor mais à esquerda do documento dos nove, concertaram posições. Assim, o PCP continuou no VI Governo Provisório. A Constituição aprovada em abril de 1976 resultou num fruto desse equilíbrio. As principais conquistas de abril ficaram salvaguardadas. Reforma agrária, nacionalizações, comissões de trabalhadores, controle operário - ficou plasmado na Constituição. A revolução de abril teve força para aguentar a democracia, e mais algumas conquistas mais avançadas do processo revolucionário.

Segundo a opinião de Fernando Roas, a democracia tem a sua matriz na revolução, e não no contragolpe militar de novembro. A essência da democracia é revolucionária e não contrarrevolucionária. Existe democracia apesar da revolução ou existe democracia por causa da revolução? Essa é a questão que Fernando Rosas coloca. No momento em que a extrema-direita emerge por toda a Europa e em muitos locais do mundo a estabelecer um novo discurso de legitimidade histórica, naturalmente vai inventar que a democracia surge do contragolpe do 25 de novembro, assevera.
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Segundo Jaime Nogueira Pinto: «Têm-se escrito muitos disparates sobre esse período. Tenta-se basear as coisas em documentos oficiais. O que é sempre limitado nessas coisas, por exemplo, em relação ao Holocausto nunca se encontrou uma ordem escrita para a chamada "solução final". Essas coisas nunca se escrevem em documentos oficiais.» Importantes foram as cinco companhias de comandos (260 homens), duas delas formadas por antigos comandos na reserva que foram convocados pela Associação de Comandos. E também os oficiais da Força Aérea. No Verão de 1975 tinha-se gerado uma aliança desde o Partido Socialista até pessoas de extrema-direita contra o PCP.

A famosa não intervenção dos fuzileiros que teve mão do PCP derivou da posição da União Soviética. O embaixador soviético em Portugal garantiu a Frank Carlucci, o embaixador americano em Portugal, que a União Soviética não queria pôr em causa a divisão das áreas de influência desde 1945. O mundo era bipolar, havia controlo. Os fuzileiros não saíram, porque Álvaro Cunhal sabia que se fossem para a guerra civil, perderiam. Franco morrera a 20 de novembro de 1975, e qualquer guerra civil em Portugal significaria que a transição para a democracia em Espanha poderia ficar comprometida. Se Portugal fosse uma espécie de Cuba na Europa, como Kissinger chegou a insinuar, a Espanha corria o risco de perpetuar o regime de um Estado autoritário. 


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