O Ocidente, durante séculos, construiu a sua força sobre uma racionalidade instrumental e hierárquica, herdeira do pensamento grego (logos), temperada pela teologia cristã (moral teleológica) e refinada pela ciência iluminista. Essa racionalidade - cartesiana - permitiu à Europa dominar o mundo. Entretanto, com as duas guerras mundiais [1914-1919; 1939-1945] o Ocidente entrou num movimento de autoflagelação. O horror das duas guerras, e do Holocausto, gerou uma reação ética centrada na pessoa. Eram os Direitos Humanos supervisionados pela Organização da Nações Unidas. As democracias liberais passaram a medir a sua legitimidade, não pela eficácia estratégica, mas pela empatia e pela expressão moral. Esse movimento produziu o que poderíamos chamar de Estado Social: uma ideologia de bem-estar, de psicologia aplicada, de comunicação afetiva e de culto da autenticidade.
Tudo isso gerou uma ideia de política que se traduziu na incapacidade de tomar decisões depois de se ter implantado a CEE, hoje com o nome de União Europeia. Hoje a racionalidade é diferente, com o aproximar da hegemonia a Oriente por parte da China. Mais paciente, mais hierárquica, planificando a economia em tempos longos, em suma, levou a que Deng Xiaoping tenha virado a página do maoismo para de novo para o confucionismo. E assim preparou o caminho para que hoje Xi Jinping se dê ao luxo de disputar a hegemonia do poder mundial com Donald Trump e Vladimir Putin. O seu poder é visto como parte de uma ordem cósmica; não é para ser questionado, mas para ser exercido sabiamente, em que a História é uma espiral, não uma linha de progresso. O futuro pertence a quem sabe esperar.
A estabilidade social é mais importante que a autodeterminação individual. Xi Jinping compreendeu que a China podia usar as próprias virtudes liberais do Ocidente pela via do comércio livre em circulação pelo mundo, e foi assim que abriu canais de infiltração gradual para Ocidente. Em vez de entrar em choque direto, foi entrando lentamente e absorvendo. Xi Jinping adopta a este tempo a “Arte da Guerra” de Sun Tzu: vencer sem lutar nem guerrear.
Enquanto isso, o Ocidente enfraqueceu a sua musculatura estratégica ao moralizar o poder. Seja pelo discurso do trauma, seja pela igualdade afetiva e empática. É um humanismo bonito, mas inoperante na lógica das potências. Ao mesmo tempo, essa cultura emocional é altamente instável: muda ao ritmo das redes sociais, das indignações mediáticas e da emoção pública. A consequência é que a política tornou-se refém do humor coletivo, algo que Confúcio teria considerado impensável. Xi entende que a vitória não virá de uma guerra frontal (seria contraproducente), mas de uma erosão sistemática da confiança do Ocidente em si mesmo. Incentiva divisões ideológicas internas espartilhadas por geografias que já se desatualizaram em espetros como: esquerda/direita volver; globalismo/nacionalismo; capitalismo/socialismo; liberalismo/marxismo. Em suma, Xi não precisa invadir, basta-lhe esperar que o Ocidente, emocionalmente fragmentado, se desgaste a si mesmo.
Desde a Segunda Guerra Mundial, o Ocidente - sobretudo a Europa e, depois, os Estados Unidos - passou a legitimar o poder político através da emoção moral. O trauma das guerras levou à crença de que a paz só seria possível se o poder fosse controlado pela emoção. Daí o surgimento de toda uma gramática política: direitos humanos, igualdade, diversidade, justiça social, inclusão. Tudo isso é nobre e civilizado. Mas, em termos geopolíticos, tem um preço: a incapacidade de decidir. Cada decisão tem de passar pelo filtro da opinião pública. As decisões mais certas são as racionais. Mas são as que mais doem no corpo da cidadania. Ora, particularmente na Europa, os governantes preferiram o "bem-estar" dos cidadãos em detrimento do "tem-de-ser e o que tem-de-ser tem muita força".
A União Europeia tem sido paradigmática na aversão ao risco, seguindo a via do consenso, da unanimidade, não a via da eficácia, da impopularidade. E os EUA, por sua vez, alternam entre moralismo democrático (Democratas) e populismo ressentido (Republicanos), sem uma coerência estratégica que sobreviva mais do que quatro anos. Xi Jinping não precisa justificar nada: a moral não é um critério político. O seu cálculo é estritamente confuciano. Cada movimento é uma peça num jogo de harmonia e poder a longo prazo. Por isso, ele pode cometer ações que o Ocidente considera “inaceitáveis” (como repressões internas ou expansão no Mar do Sul da China) sem perder legitimidade interna. A China procura influência através de projetos duradouros, ofertas económicas e redes de dependência (construção de infraestruturas, financiamento de portos, corredores e centros logísticos). A lógica é não confrontar frontalmente, mas criar interdependência e ganhos legítimos que depois se transformam em alavancas políticas. Isto é exatamente o papel do Belt & Road: investimento e ligação material que geram influência estratégica a longo prazo.
O Ocidente, por contraste, tende a reagir de forma episódica e moral: sanções pontuais, declarações de condenação, ajuda condicionada a reformas. Resultado prático: ganhos morais mas pouca capacidade de construir lealdades duradouras quando comparados com contratos de desenvolvimento e infraestrutura que chegam hoje. E ficam. O que explica porque muitos países do Sul preferem a previsibilidade chinesa. A China combina diplomacia coerciva e presença naval/paramilitar em zonas sensíveis como o Mar do Sul da China, apoiada por legislação, guardas costeiras e projeção gradual de força. O facto consumado sem guerra aberta. As frequentes e intensas operações navais contra os navios de outros Estados é um exemplo dessa estratégia de pressão sustentada. O Ocidente, e sobretudo as democracias, respondem com patrulhas, alegações jurídicas, sanções e alianças reativas - úteis, mas muitas vezes insuficientes para contrariar um processo de erosão lenta quando falta um horizonte estratégico unitário e persistente.
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