sábado, 8 de setembro de 2018

As crises identitárias


As crises identitárias, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, estão relacionadas com duas coisas. Primeiro, com o aparecimento do "outro" no nosso país e com o medo de que o "outro" transforme a nossa sociedade. Essa crise identitária existe quer na Europa, quer nos Estados Unidos, e não parece que vá passar de um momento para o outro. O segundo aspeto relaciona-se com a mobilidade social. As pessoas perguntam-se se a entrada em massa de imigrantes não condiciona o seu acesso à riqueza, o acesso dos seus filhos a uma boa vida. Até há pouco tempo, os nossos valores políticos maioritários, na Europa e nos Estados Unidos, eram a ideia de que somos povos hospitaleiros, que temos de abrir as portas a outros. Mas a crise dos migrantes veio alterar essa ideia. Da ideia de que somos povos hospitaleiros, porque somos cosmopolitas e internacionalistas, passámos à ideia de que temos de proteger o nosso país contra a mudança.

Agora, se os imigrantes fizerem um esforço sincero para se integrarem – e, em especial, para adotarem o valor da tolerância –, o país de acolhimento tem o dever de os tratar como cidadãos de pleno direito. Se os imigrantes de terceira geração não são vistos e tratados como cidadãos de pleno direito, isto significa que o país de acolhimento não está a cumprir as suas obrigações. Por exemplo, uma adolescente nascida em França, depois dos seus avós terem imigrado para lá vindos da Argélia, ela fala francês e não árabe, e nunca na vida visitou a Argélia, é impossível que agora alguém lhe diga que não pertence a esta terra e que deve “voltar” para um sítio onde nunca viveu.

Ninguém te dúvidas acerca das diferenças culturais que existem, por exemplo, entre europeus, árabes e africanos ou magrebinos. Mas também é verdade que a maior parte das lideranças europeias ocidentais dos últimos trinta anos envidaram esforços para a construção de um sistema multicultural próspero.

O que se passou então para que muitas dessas mesmas pessoas considerem que agora a Europa corre o risco de colapsar se não for capaz de solucionar o atual problema das migrações? Por irónico que possa parecer, foi precisamente o sucesso europeu no que respeita ao clima de acolhimento que fez atrair tantos imigrantes, o que por um círculo vicioso e não virtuoso teria inevitavelmente que levar a uma crise identitária. Neste momento em que escrevo, os europeus estão divididos entre aqueles mais a leste que acham que a Europa tem de se fechar às migrações se quiser evitar a catástrofe; e aqueles mais a ocidente que acham que a Europa não pode fechar a porta aos imigrantes, se não quiser trair os ideais multiculturais e tolerantes que tanto trabalho deu a edificar. E, por outro lado, fazem questão de lembrar que que não se pode querer ter o melhor de dois mundos: aceitar temporariamente trabalhadores estrangeiros só para lhes explorar a força e talento para o trabalho barato, e com isso criar um submundo de tráfico humano (trabalhadores ilegais e outras coisas mais); e depois dizerem que não querem mais estrangeiros. Seria bom que os europeus começassem por se entender todos. Enquanto isso não acontecer, dificilmente se conseguirá ter uma política clara acerca da imigração.

Agora vejamos esta questão: o acolhimento de imigrantes deve ser entendido como um dever (obrigação) ou um favor? Porquê acusar as pessoas de racismo só porque acham que já não há condições para receber mais estrangeiros? Se os suecos agora já não querem mais sírios a entrar no seu país, estão no direito de lhes recusar a entrada, ou não? E se o número de extremistas ultrapassar um determinado limiar que transforme por completo a natureza de uma determinada sociedade ou comunidade?

A boa integração do imigrante num pais de acolhimento ainda que se compreenda que se desenvolva gradualmente, e não de um dia para o outro, exige de ambas as partes alguns deveres tais como o dever de o imigrante se esforçar por assimilar aspetos da cultura local que tenham importância na saudável convivência, como os valores da tolerância e os valores da liberdade, desde que esta não colida com os mesmos direitos das outras pessoas. Assim, não poder ser tolerada, por exemplo, a misoginia, a homofobia, o antissemitismo, e por aí adiante. Os imigrantes que receberam autorização para entrar na Suécia deviam sentir-se extremamente gratos por tudo o que receberam e não aparecerem agora com uma lista de exigências como se fossem donos de tudo. O que parece mais sensato a determinados imigrantes que têm problemas com certas idiossincrasias de um país, é procurar outro país.

Sem comentários:

Enviar um comentário