segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Nacionalismos e migrações forçadas


          Os séculos XIX e XX foram marcados pela expansão do nacionalismo. O nacionalismo estimulou novos projetos políticos com rearranjos de estados que anteriormente estavam organizados segundo a lógica dos impérios. Isto teve impacto sobre preconceitos étnicos associados a pressupostos religiosos e rácicos. Para além da identidade nacional se estruturar à volta de uma língua, a identidade religiosa ganhou uma importância renovada.
          Assim, a reestruturação das fronteiras centrou o debate político na disputa dos territórios, sobretudo na Europa Central e de Leste. Veio a Primeira Guerra Mundial, por via da qual se desintegraram os três impérios: Otomano, Austríaco e Russo, todos eles multiétnicos por natureza. E depois veio a Segunda Guerra Mundial, em que a supremacia racial da Alemanha teve como oposição a virtude da classe operária soviética.
          A participação do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, aliado aos alemães e aos austro-húngaros contra os russos, foi o golpe fatal nas relações precárias entre comunidades. A derrota otomana fez dos arménios o bode expiatório, justificando a limpeza étnica, a mobilização da população turca e o envolvimento dos curdos em ações criminosas. Várias centenas de milhar de curdos foram deportados após a remoção dos arménios. O genocídio da população arménia na Anatólia foi o resultado mais desastroso de um século de migrações forçadas, massacres e limpezas étnicas, desencadeado pelo projeto político dos Jovens Turcos de reservar a Anatólia e a Trácia Oriental para a sua própria nação.
          Na segunda Guerra Mundial o nacionalismo russo revelou-se a mais eficaz das armas ideológicas no que diz respeito à mobilização da população contra a invasão alemã nazi. E o internacionalismo serviu para alargar a influência da União Soviética e criar uma comunidade de interesses entre os agentes orgânicos da classe operária. Durante algum tempo a divisão de classes revelou-se mais inclusiva do que a divisão racial, divisão que o sistema soviético recusava. No sistema fascista-nazi os ciganos encontravam-se no fundo da escala; os negros eram considerados de pouco valor; os judeus eram visados como inimigo interno; e os eslavos eram rotulados como raça inferior.
          A deportação das minorias nacionais na Europa não parou com o final da Segunda Guerra Mundial. É verdade que a base do conflito surgira com as invasões nazis, os massacres, as deportações e a colonização de territórios conquistados pelos alemães. Os horrores da guerra e as suas bases raciais haviam deixado memórias bem claras nos territórios ocupados, mas a paz poderia ter sarado as feridas e imposto métodos civis para a integração das minorias. Contudo, não foi isso que aconteceu. Estima-se que 12 milhões de alemães tenham sido desenraizados entre 1945 e 1948, com provavelmente 500.000 a morrer durante o processo. A lealdade nacional tornara-se uma questão crucial após a guerra. O conceito de Estado-Nação tornou-se fulcral, mesmo nos países da chamada cortina de ferro.
          A reconstituição da Jugoslávia após a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança de Tito, um croata comunista, adiou grandes erupções de vingança étnica e nacional, até que rebentou depois da queda do Muro de Berlim. Foi a guerra entre sérvios, croatas e bósnios muçulmanos ou albaneses entre 1991 e 1995.
          Enfim, podiam ser dados muitos mais exemplos para dizer que o racismo precedeu a teoria das raças, mas a inclusão numa estrutura científica de preconceitos novos e antigos relacionados com a descendência étnica acentuou a ação discriminatória, uma vez que cristalizou os preconceitos étnicos, atribuindo-lhes um estatuto de conhecimento superior. O nacionalismo trouxe consigo a fusão de nação e de raça, com a identidade coletiva a ser baseada na ideia de uma língua e de uma descendência partilhadas. O preconceito quanto à descendência foi visível na África colonial, levando a várias formas de discriminação e de segregação. Embora as teorias de raças garantissem uma estrutura científica às classificações da humanidade, a religião confundiu-se com as perceções de descendência nas formas de ódio étnico. A violência das limpezas étnicas atingiu níveis sem precedentes no século XX, com formas nunca vistas de escravatura e de genocídio que se espalharam da Europa para outros continentes onde já se vislumbravam dinâmicas específicas de conflito étnico.
         Felizmente que agora na maior parte do mundo prevalece o comportamento antirracista. Mas tal como o que se diz para a democracia, neste mundo humano nada está garantido para todo o sempre. É preciso dizer que o racismo não desapareceu. Agora já não são as diferenças físicas, mas são as diferenças culturais que estão em causa. São os atrasos culturais e as inerentes incapacidades de adaptação que são invocadas como argumento contra as atuais imigrações para a Europa. Agora os imigrantes são acusados de oportunismo por quererem desfrutar benefícios de assistência social superior àqueles a que alguma vez conseguiram criar.

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