sábado, 8 de setembro de 2018

Donald Trump, O método no caos



Neste livro Tiago Moreira de Sá e Diana Soller explicam a importância que uma dada comunidade teve para a eleição de Trump, e analisam a influência dessa comunidade numa nova visão do mundo a partir de Washington. O contexto social americano, as narrativas históricas dos Estados Unidos e os discursos e políticas de Trump permitem-nos ir além da personalidade do homem, para compreender aquilo a que se chamou method in madness. Assim, apesar da intempestividade da sua personalidade, dos desvios próprios dos debates internos e dos fatores inesperados que surgem no desempenho das suas funções, é possível traçar uma política externa, uma grande estratégia e até uma visão da ordem internacional com uma racionalidade própria.

Os Estados Unidos, até Obama, eram globalistas no sentido económico, mas também no sentido político, tinham alianças permanentes e preferência por certos Estados em relação a outros por razões ideológicas. Para um populista nacionalista como Trump, nada disso faz sentido. Porque, segundo Trump — e isto foi uma mensagem muito veiculada durante a campanha —, o estrangeiro, seja o que está nos Estados Unidos, seja o que está fora, fez batota com os americanos. Usou as instituições que os americanos criaram para tirar proveitos para si próprio sem dar nada em troca e até prejudicando a América. Isso não é verdade, mas ressoou de uma maneira muito profunda no eleitorado americano. Por isso é que o slogan de campanha era "América primeiro", subentendendo-se que todos os outros — internos e externos — estão depois. Esta é a mudança mais profunda nos EUA.


Há, de facto, uma dose de imprevisibilidade e impreparação, uma vez que ele não é um político profissional. Mas há muito mais racionalidade do que geralmente se diz. Antes de Trump ter sido eleito, durante as eleições primárias do Partido Republicano, ninguém acreditava que ele chegasse ao fim desse processo. Mas chegou e ganhou. Depois, disseram que nunca chegaria a Presidente, mas chegou. Depois, disseram que seria destituído. Não foi, e não é provável que venha a ser. Estas reações são, sobretudo, emocionais. É uma análise baseada na vontade e no desejo, e não em querer compreender.


Quem está com ele são as populações brancas, de rendimento e escolaridade baixos, uma comunidade ressentida porque sempre houve um certo desprezo por ela. É a esta gente que um autor chamou “os jacksonianos”. Os jacksonianos são individualistas, desconfiados do Governo federal, e consideram que o Governo não tem que se meter nas vidas deles. A crise económica de 2008 fez com que as classes-média e média-baixa enfrentassem uma crise de emprego, de valores e de identidade. Por outro lado, essa comunidade foi-se estendendo por áreas geográficas onde não costumava estar. Hoje em dia estão noutros estados — por exemplo, nas cinturas fabris do Ohio e do Illinois —, onde têm uma nova influência.


Agora a comunidade popular alargou-se. Uma grande parte da classe média, que estava bem na vida e que até era preconceituosa em relação à América jacksoniana, passou a identificar-se com os mesmos problemas. Este fenómeno é profundamente moral, e quando nós entramos numa conceção moral da política, o mensageiro não é tão importante como a mensagem. A mensagem, sendo moral, é um absoluto, algo em que as pessoas acreditam absolutamente. E é por isso que se vão esbatendo aquelas distinções entre notícias verdadeiras e fake news, a verdade e a mentira, ou o bem e o mal.


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