segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Há aqueles que pensam que poderiam parar as migrações


          Há aqueles que pensam que poderiam parar as migrações. No outono de 2014, a Itália terminou a sua operação de salvamento no Mediterrâneo – uma missão naval sem restrições designada por “Operação Mare Nostrum", que salvou do afogamento mais de 100.000 migrantes nesse ano. Mas os italianos não compreendiam porque deveriam continuar com a Mare Nostrum sozinhos. As pessoas que partem da Líbia e atravessam o Mediterrâneo querem vir para a Europa e não apenas para a Itália. Por isso a Itália esperava que o resto da Europa a ajudasse a salvar as vidas dessas pessoas. Mas o resto da Europa, pelos vistos, não queria ajudar. A ideia na mente dos europeus era que mais salvamentos incentivavam mais migrantes a arriscar a viagem. E isso conduzia assim a mais mortes trágicas e desnecessárias.



          Angela Merkel, no seu discurso em Potsdam, 2010, admitiu que falhara a integração dos imigrantes que até àquela data tinham chegado à Alemanha. Em 2010 a Alemanha tinha perto de 50.000 pedidos de asilo. Então se o multiculturalismo não tinha funcionado com aquele número, como poderia funcionar com um número de entradas trinta vezes superior em 2015?
          Por toda a Europa, a vaga de migração de 2015 acumulou ainda um maior número de pessoas num modelo que todos os líderes políticos da altura tinham já admitido ter sido um fracasso. Em determinada altura da crise Merkel perguntara a Benjamin Netanyahu como é que Israel conseguira absorver tanta gente e manter um país assinalavelmente unido? O primeiro-ministro de Israel poderia ter outras respostas para dar, mas por razões de ordem diplomática deu a seguinte resposta: Israel tinha a vantagem de quase todos os chegados ao país ao longo de décadas terem na sua herança um elo comum – a herança judaica. Ao passo que a Alemanha teria de reconhecer que nem todas as pessoas que deixaram entrar, durante 2015, eram luteranas.
          Em 2015, o presidente da câmara da cidade de Gosler, na Baixa Saxónia, disse a Merkel que a sua cidade acolheria migrantes de “braços abertos”. Gosler estava a envelhecer ano após ano e a perder população. Na última década a população havia passado de 50.000 para 4.000. Os migrantes, disse ele, “iriam dar um futuro à cidade”. Para ele, era uma política sensata substituir em grande parte a população de Goslar por uma população totalmente diferente.


          Foi para mim uma surpresa ter descoberto este livro “Late Antiquity” de Peter Brown, 1971, em que é apresentada uma visão muito mais confortável do fim do império romano do ocidente. Este autor define um novo período – “Antiguidade Tardia” – que vai de 200 d.C. a 711 d.C., caracterizado não pela dissolução de metade do império romano, mas por um vibrante debate religioso e cultural. Teve um impacto marcante entre os historiadores, uma vez que “declínio” foi substituído por “transformação” e “acomodação”. Isto sugere que Roma continuou a viver algo diferente, mas não necessariamente para pior. Com a palavra “acomodação” Peter Brown explica como povos de fora do império vieram viver dentro dele e governá-lo. Vagas de povos germânicos, amantes da liberdade, que trouxeram uma infusão de sangue novo, germânico, a um império decadente. Devastaram Roma, é verdade, mas eram gigantes do Norte que traziam uma vida nova para uma Itália moribunda. Tenho para mim que com a queda do império romano do ocidente se foi a Arte e a Filosofia, bem como os esgotos decentes e a água potável. A Roma Antiga tinha 12 aquedutos trazendo água para a cidade através de canais com mais de 100 quilómetros de comprimento. Quanto à Arte Arquitetónica é quase impossível beneficiar o inventário, e muito difícil não ficar impressionado. Por exemplo, as 16 colunas que formam o pórtico do Panteão são monólitos maciços, cada um com 14 metros de altura, laboriosamente extraídos de uma pedreira no leste do Egito, e deslocadas à força de braços para o Nilo, e daí trazidos por via marítima para a capital do império.


          Mas a surpresa ainda foi maior quando li declarações de Fredrik Reinfeldt, na imagem acima, primeiro-ministro sueco de 2006 a 2014, e líder do Partido Moderado entre 2003 e 2015: “. . . temos de dissolver o povo e eleger outro, porque apenas surge barbárie do interior de países como o nosso, enquanto do exterior apenas surgem coisas boas”. Na última metade do século XX, quando se estabeleceu uma nova Europa ocidental pacífica, as opiniões sobre os invasores suavizaram-se gradualmente e tornaram-se mais positivas. E alguns historiadores, como é o caso de Peter Brown, foram muito mais longe afirmando que os povos germânicos beneficiaram de uma mudança na política militar romana que optou por acomodá-los no império através de uma engenhosa tática. Em troca dos ataques sistemáticos que os “bárbaros” faziam ao longo das linhas fronteiriças do Reno e Danúbio, guardavam as suas energias para apoiar o poder romano nas várias frentes, tanto a oriente como a ocidente. Com efeito, tornaram-se a força de defesa romana. Roma realmente caiu, mas só porque tinha voluntariamente delegado o seu próprio poder, não porque tivesse sido invadida com êxito. Mas no final o que se verificou foi que, com a compra de apoio militar vindo do estrangeiro, Roma perdeu o controlo do império. Em 476, o pequeno imperador Rómulo Augústulo foi deposto, passando o Ocidente a partir daí a ser governado por reis germânicos independentes. Isto porque os godos já por ali andavam há cerca de 75 anos.

Ora, estou convencido que, pelo menos, uma das causas do recrudescimento da extrema-direita xenófoba na Europa se relaciona com o medo crescente que a população europeia está a exprimir perante dois fenómenos simultâneos: o fluxo crescente e maciço para dentro da Europa de pessoas provenientes do mundo islâmico; e o aumento de atentados terroristas mesmo que perpetrados maioritariamente por homens jovens de gente muçulmana a viver há muito tempo na Europa. O medo tem a ver com a tendência de a longo prazo os valores e os costumes que os europeus mais prezam, pelo menos aqueles que resultaram a seguir à Segunda Guerra Mundial, virem a ser dissolvidos e substituídos por outros que representam um atraso civilizacional de vários séculos.

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