sexta-feira, 23 de novembro de 2018

O terramoto político de Roma com epicentro na Grande Muralha da China


          O pedigree do animal político que hoje é a Europa recebe contributos de muitos lados. Mas os seus contornos não se delimitam apenas entre a Muralha de Adriano na Escócia e o Muro das Lamentações na Judeia. Também se descobrem conexões com a Grande Muralha da China.
          A Grande Muralha da China, concluída por volta de 220 a.C., tinha como objetivo proteger o novo império chinês de Shih Huang-ti das tribos guerreiras de nómadas saqueadores da Mongólia.  Afastados do novo império, um local seguro, viraram-se para o ocidente, onde povos que acabaram por dominar a Europa após o fim do Império Romano no Ocidente, foram empurrados por eles. Se não fosse a Grande Muralha da China, no exterior da qual eles se unificaram e aumentaram o seu poder com astúcia e técnica militar, em vez de migrarem para ocidente com a consequente pressão demográfica, teriam preferencialmente penetrado para o sul da China e aí dominado. Ainda assim, eles conseguiram irromper para sul no século I desta era, apesar de os Han os terem expulsado com elevados custos de destruição.
          Os Hsiung-nu para além de nómadas dedicados à pastorícia, eram exímios domadores de cavalos que pastavam onde encontrassem boa erva. Por isso, eles sabiam tudo o que era preciso saber sobre cavalos. Montados sobre eles fincados sobre estribos, disparavam flechas mortíferas com arcos pequenos e poderosos, feitos de camadas de ossos de animais, à quais juntavam madeira para obter flexibilidade. Entravam de rompante numa aldeia, matavam todas as pessoas que encontravam e voltavam a desaparecer, levando tudo o que pudessem transportar a cavalo, sobretudo reservas de comida e ouro.
          Assim, pouco havia que estorvasse os nómadas a correr a cavalo na vasta estepe vazia da Ásia Central. Até que chegaram aos territórios em redor do mar Negro. Aqui chegados, os Hsiung-nu, agora chamados Hunos, encontraram outros povos nómadas, que não tardaram a desalojá-los empurrando-os ainda mais para ocidente, principalmente Godos e Vândalos. Mas os Hunos não se ficando por aí, chegaram em 400 às portas de Viena, desalojando novamente os Godos. Então os Godos dividem-se em dois grupos: um deles, os Ostrogodos, forçaram os povos germânicos nativos a fugir para sul; e os outros, os Visigodos, vendo Roma enfraquecida, arriscaram atacá-la. Em 410, comandados por Alarico, foram bem-sucedidos. Roma era devastada e saqueada. Em 402 já a capital do Império havia sido mudada para Ravena, que por sua vez também foi tomada em 493, desta feita por Ostrogodos.
          Hoje a palavra “vandalismo”, sinónimo de profanação, ou destruição propositada, deve-se aos Vândalos, que continuaram para ocidente pilhando tudo o que encontravam pelo caminho. Depois atravessaram para África e apoderaram-se da cidade nova de Cartago, o grande centro do Império Romano do Norte de África. E não ficando por aqui, a seguir voltaram a atravessar o Mediterrâneo até Itália, sendo Roma novamente saqueada em 455.
          É claro que aquela energia febril das hordas hunas não podia durar para sempre. Em 451, os Hunos comandados por Átila, depois de terem invadido a Gália, acabaram por ser derrotados por uma coligação de Romanos e Visigodos. Passado um ano Átila morre de atentado, e em breve os Hunos desapareciam das páginas da história.
          Constantino havia adotado o cristianismo como religião oficial de Roma. Mas Constantino também fundou Constantinopla, que a partir do século V passou a dominar o que restava ainda de interessante no império. Ainda assim, com o passar do tempo, o cristianismo impôs-se no ocidente com o papa em Roma, e a Igreja como sua instituição.
          Entretanto Agostinho nasce em Tagaste, norte de África, onde hoje é Argélia, corria o ano de 354. Os pais investiram todos os seus recursos financeiros numa formação intelectual esmerada. Mónica, a mãe de Agostinho, era uma cristã muito devota, mas o pai não. Ela tanto se esforçou que Agostinho acabou por se converter, e a reconhecer as características sobre-humanas de Cristo. Em 410 Roma foi saqueada, e os pagãos acusaram o cristianismo como a sua causa. Agostinho escreveu muita coisa, nomeadamente a Cidade de Deus, como resposta à acusação de o cristianismo ter sido culpado pela entrega de Roma nas mãos dos bárbaros. Em 430 morre em Hipona, sem antes ver um exército vândalo à portas da cidade preparando-se para entrar. A partir daí, todos os cristãos aderiram a um novo modo de vida, não parecendo lamentar o que tinham perdido. Pouco se interessavam pelo corpo e pelo bem-estar material. O importante era a saúde da alma. Conquistar fortuna era perder reputação. A arte e a filosofia deixaram pura e simplesmente de existir, era preciso proteger a família e isso roubava tempo. Não havia tempo para ler, mesmo que se soubesse, a vida tornara-se difícil. E o latim, que era entendido em toda a parte, passou a ser substituído por outras línguas não letradas.
          Ora, os Romanos dos primeiros séculos da atual era passavam mais tempo nos banhos e nos ginásios do que nas igrejas, ou bibliotecas. Obcecados pela saúde, iam para as termas e faziam dietas esquisitas. Mas também se entusiasmavam com as viagens, e os espetáculos nos teatros e nos circos. E gostavam da fama. E eram gananciosos corruptos. Acima de tudo, os Romanos preocupavam-se com o sucesso, o qual interpretavam como sendo viver para o bem-estar do presente e não pensar no amanhã. Roma, nesses tempos áureos albergara cerca de um milhão de pessoas. Mas em 550, já não tinha mais de 50.000.
          Enfim, a Europa mudara radicalmente, e hoje já não tem o cristianismo como religião de Estado. Os Visigodos duraram cerca de duzentos anos numa faixa de terra no sudoeste de França e em quase toda a Península Ibérica, exceto o País Basco. Até que entraram em cena outros protagonistas, outras hordas não menos energéticas e febris. Vinham aparelhados com uma doutrina religiosa que ainda haveria de dar muito que falar mais de mil e trezentos anos depois.

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