O pedigree do
animal político que hoje é a Europa recebe contributos de muitos lados. Mas os
seus contornos não se delimitam apenas entre a Muralha de Adriano na Escócia e o
Muro das Lamentações na Judeia. Também se descobrem conexões com a Grande
Muralha da China.
A Grande Muralha
da China, concluída por volta de 220 a.C., tinha como objetivo proteger o novo
império chinês de Shih Huang-ti das tribos guerreiras de nómadas saqueadores da
Mongólia. Afastados do novo império, um
local seguro, viraram-se para o ocidente, onde povos que acabaram por dominar a
Europa após o fim do Império Romano no Ocidente, foram empurrados por eles. Se
não fosse a Grande Muralha da China, no exterior da qual eles se unificaram e
aumentaram o seu poder com astúcia e técnica militar, em vez de migrarem para
ocidente com a consequente pressão demográfica, teriam preferencialmente penetrado
para o sul da China e aí dominado. Ainda assim, eles conseguiram irromper para
sul no século I desta era, apesar de os Han os terem expulsado com elevados
custos de destruição.
Os Hsiung-nu para
além de nómadas dedicados à pastorícia, eram exímios domadores de cavalos que pastavam
onde encontrassem boa erva. Por isso, eles sabiam tudo o que era preciso saber
sobre cavalos. Montados sobre eles fincados sobre estribos, disparavam flechas
mortíferas com arcos pequenos e poderosos, feitos de camadas de ossos de
animais, à quais juntavam madeira para obter flexibilidade. Entravam de
rompante numa aldeia, matavam todas as pessoas que encontravam e voltavam a
desaparecer, levando tudo o que pudessem transportar a cavalo, sobretudo
reservas de comida e ouro.
Assim, pouco havia
que estorvasse os nómadas a correr a cavalo na vasta estepe vazia da Ásia
Central. Até que chegaram aos territórios em redor do mar Negro. Aqui chegados,
os Hsiung-nu, agora chamados Hunos, encontraram outros povos nómadas, que não
tardaram a desalojá-los empurrando-os ainda mais para ocidente, principalmente Godos
e Vândalos. Mas os Hunos não se ficando por aí, chegaram em 400 às portas de
Viena, desalojando novamente os Godos. Então os Godos dividem-se em dois
grupos: um deles, os Ostrogodos, forçaram os povos germânicos nativos a fugir
para sul; e os outros, os Visigodos, vendo Roma enfraquecida, arriscaram atacá-la.
Em 410, comandados por Alarico, foram bem-sucedidos. Roma era devastada e
saqueada. Em 402 já a capital do Império havia sido mudada para Ravena, que por
sua vez também foi tomada em 493, desta feita por Ostrogodos.
Hoje a palavra “vandalismo”,
sinónimo de profanação, ou destruição propositada, deve-se aos Vândalos, que
continuaram para ocidente pilhando tudo o que encontravam pelo caminho. Depois
atravessaram para África e apoderaram-se da cidade nova de Cartago, o grande centro
do Império Romano do Norte de África. E não ficando por aqui, a seguir voltaram
a atravessar o Mediterrâneo até Itália, sendo Roma novamente saqueada em 455.
É claro que aquela
energia febril das hordas hunas não podia durar para sempre. Em 451, os Hunos
comandados por Átila, depois de terem invadido a Gália, acabaram por ser
derrotados por uma coligação de Romanos e Visigodos. Passado um ano Átila morre
de atentado, e em breve os Hunos desapareciam das páginas da história.
Constantino havia
adotado o cristianismo como religião oficial de Roma. Mas Constantino também
fundou Constantinopla, que a partir do século V passou a dominar o que restava
ainda de interessante no império. Ainda assim, com o passar do tempo, o
cristianismo impôs-se no ocidente com o papa em Roma, e a Igreja como sua
instituição.
Entretanto
Agostinho nasce em Tagaste, norte de África, onde hoje é Argélia, corria o ano
de 354. Os pais investiram todos os seus recursos financeiros numa formação
intelectual esmerada. Mónica, a mãe de Agostinho, era uma cristã muito devota,
mas o pai não. Ela tanto se esforçou que Agostinho acabou por se converter, e a
reconhecer as características sobre-humanas de Cristo. Em 410 Roma foi
saqueada, e os pagãos acusaram o cristianismo como a sua causa. Agostinho
escreveu muita coisa, nomeadamente a Cidade de Deus, como resposta à acusação
de o cristianismo ter sido culpado pela entrega de Roma nas mãos dos bárbaros. Em
430 morre em Hipona, sem antes ver um exército vândalo à portas da cidade preparando-se
para entrar. A partir daí, todos os cristãos aderiram a um novo modo de vida,
não parecendo lamentar o que tinham perdido. Pouco se interessavam pelo corpo e
pelo bem-estar material. O importante era a saúde da alma. Conquistar fortuna
era perder reputação. A arte e a filosofia deixaram pura e simplesmente de
existir, era preciso proteger a família e isso roubava tempo. Não havia tempo
para ler, mesmo que se soubesse, a vida tornara-se difícil. E o latim, que era
entendido em toda a parte, passou a ser substituído por outras línguas não
letradas.
Ora, os Romanos
dos primeiros séculos da atual era passavam mais tempo nos banhos e nos
ginásios do que nas igrejas, ou bibliotecas. Obcecados pela saúde, iam para as
termas e faziam dietas esquisitas. Mas também se entusiasmavam com as viagens, e
os espetáculos nos teatros e nos circos. E gostavam da fama. E eram gananciosos
corruptos. Acima de tudo, os Romanos preocupavam-se com o sucesso, o qual
interpretavam como sendo viver para o bem-estar do presente e não pensar no
amanhã. Roma, nesses tempos áureos albergara cerca de um milhão de pessoas. Mas
em 550, já não tinha mais de 50.000.
Enfim, a Europa
mudara radicalmente, e hoje já não tem o cristianismo como religião de Estado.
Os Visigodos duraram cerca de duzentos anos numa faixa de terra no sudoeste de
França e em quase toda a Península Ibérica, exceto o País Basco. Até que
entraram em cena outros protagonistas, outras hordas não menos energéticas e
febris. Vinham aparelhados com uma doutrina religiosa que ainda haveria de dar
muito que falar mais de mil e trezentos anos depois.
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