quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Narrativas falaciosas


          São as histórias falaciosas do passado que muitas vezes moldam as nossas perspetivas do mundo e as nossas expectativas para o futuro. E isto acontece porque nós somos muito sensíveis ao sentido que o mundo e a vida tem de ter. E para tal somos muitas vezes forçados a fazer entorses e enviesamentos aos factos e aos pensamentos para que as coisas se expliquem dentro de um quadro paradigmático de mundivisão. E assim, as histórias explicativas têm de ser simples e mais concretas do que abstratas.
          A mente humana não lida bem com não-explicações. A mente que constrói narrativas acerca do passado é um órgão de criação de sentido. Quando ocorre um acontecimento imprevisto, ajustamos de imediato a nossa perspetiva do mundo, para que se acomode à surpresa. Sabe-se que as nossas memórias estão constantemente a serem revistas e refeitas, e é por isso que não podemos acreditar cem por cento nelas. Essa é uma das limitações da nossa mente, entre outras, claro. Somos imperfeitos a reconstruir estados passados de conhecimento. E é por isso que damos conta de nos enganarmos a nós próprios o tempo todo, pois passamos a vida a acreditar em relatos como verdadeiros, quando na realidade são falsos. Tudo o que contribua para relatos coerentes, nós gostamos. Daí que quando todos foram ultrapassados pela imprevisibilidade dos acontecimentos, há sempre alguém que diz: “Eu bem sabia!”
          O enviesamento da perceção retrospetiva tem efeitos perniciosos nas avaliações dos decisores. Leva os observadores a avaliarem a qualidade de uma decisão, não segundo a solidez do processo, ma por o resultado ter sido bom ou mau. É o que acontece com os médicos, ou os corretores de bolsa, especialmente ingrata porque tomam decisões pelos outros. É por isso que se diz que para o mesmo doente o médico tanto pode ser deus se tudo correr bem, como ser o diabo se tudo correr mal.
          O que conta é o resultado, não se as práticas e as decisões foram boas. As ações que pareciam prudentes, devido ao enviesamento de resultados, recebem uma perceção retrospetiva de irresponsável e negligente. A confiança subjetiva dos corretores é uma sensação, não um juízo. É por confiarem demasiado nas suas intuições e subjetividades que os apelidados gurus falham mais do que acertam. Sabemos que as pessoas conseguem manter uma fé inabalável em qualquer proposição, por muito absurda que seja, quando é defendida por uma comunidade de adeptos, ou fãs. Não é surpreendente, por conseguinte, que uma grande quantidade de indivíduos engajados no mundo das Seitas, de que as seitas religiosas são apenas uma parte, acreditem eles próprios fazerem parte daquilo que biblicamente ficou conhecido como “povo eleito”.
          Uma narrativa, desde que apelativa e coerente nos raciocínios, é suscetível de provocar em nós a ilusão de inevitabilidade. O que contribui para o chamado efeito de aura: as pessoas boas só fazem coisas boas; e as pessoas más só fazem coisas más. O efeito de aura ajuda a manter as narrativas explicativas simples e coerentes. É a nossa tendência para construir e acreditar em narrativas coerentes do passado e dos gurus.

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