É por intuição e
não por razão que vemos o mundo muito mais arrumado, simples, previsível e
coerente, quando na realidade não é. E isto biologicamente tem de ser assim:
ilusório. É apaziguador para o nosso espírito ter a ilusão que controlamos o
nosso futuro porque conhecemos o nosso passado. Estas ilusões reduzem a
ansiedade quando experimentamos por vezes que a vida é incerta e não segura.
São reconfortantes.
É uma sorte
ganharmos quando tivemos de arriscar e arriscámos. Mas muitas vezes ficamos com
a ilusão que tivemos faro e antevisão para antecipar o sucesso. Alguns lances
de sorte podem coroar um político imprudente com uma aura de presciência e
ousadia. E as pessoas sensatas que duvidaram deles passam a ser vistas como
medíocres e fracas.
A intuição está
preparada para saltar para conclusões a partir de pouca evidência. E não está
preparada para conhecer o tamanho dos seus saltos. Para algumas das nossas
crenças mais importantes não temos qualquer tipo de evidência, a não ser o
facto de as pessoas que amamos e nas quais confiamos possuírem estas crenças.
Fazendo um recuo
até aos finais dos anos 1990, quando comecei a interessar-me mais pela
neurociência por causa de António Damásio, dizia-se que nós, seres humanos, comportávamo-nos
como se tivéssemos dois cérebros protagonizados pelo hemisfério direito e
esquerdo. E dizia-se que o hemisfério direito processava a maior parte das
nossas intuições, e o hemisfério esquerdo era o responsável pela nossa
racionalidade.
Hoje sabe-se que
as coisas não são bem assim, mas continuam válidos os aforismos, tal como
aquele do “faz o que eu digo e não o que eu faço” para ilustrar que o que o Eu
faz hora da verdade (O Eu portador da consciência e conhecedor) é o que o nosso
hemisfério direito nos dita, apesar da retórica e dos eufemismos que nos chegam
do hemisfério esquerdo. Isto, claro, se houver um Eu em qualquer lado,
resultante da convergência dos dois hemisférios e que alguns neurocientistas
alegaram poder estar no lobo da ínsula, situado profundamente no fundo do sulco
lateral. Faz parte do sistema límbico e coordena as emoções. Situa-se sobreposta à zona em
que o telencéfalo e o diencéfalo se fundiram aquando do desenvolvimento
embrionário. A ínsula pode ser visível se se afastar o opérculo que
a envolve na zona do sulco lateral, ou se se retirar parte da zona
envolvente. O seu córtex apresenta uma forma triangular com o ápice dirigido
antero-inferiormente para abrir na fossa lateral (límen). Existe
o opérculo frontal, opérculo temporal e opérculo
parietal que correspondem às zonas que cobrem a ínsula.
Os seres humanos são
incorrigivelmente inconsistentes ao fazerem juízos sumários a partir de
informação complexa. Quando é pedida para avaliarmos duas vezes a mesma informação,
é frequente as respostas serem dadas de modo diferente. Assim, como os juízos
que daí resultam não podendo ser fiáveis, também não podem ser previsores
válidos seja do que for. Daí que não nos admiremos que os algoritmos sejam
melhores que o nosso sistema intuitivo, dado que este, devido à sua extrema
dependência contextual, é suscetível de inconsistências alargadas. Algoritmos?
Sim, a prática estatística dominante nas ciências sociais é atribuir pesos a
diferentes previsores segundo um algoritmo – regressão múltipla – que está agora incorporado no software
convencional.
Ainda hoje é usado em
todas as salas de parto o teste de Apgar. O índice de Apgar tem o nome da
médica norte-americana Virgínia Apgar, que o adotou para avaliar o índice de
vitalidade do recém-nascido nos primeiros minutos após o nascimento. Ao aplicar
a pontuação de Apgar , o pessoal das salas de parto tinham uma escala
consistente para determinar quais os bebés que estavam com problemas, e assim
contribuindo para a redução da mortalidade infantil. Até a anestesista Virgínia
Apgar introduzir os seus métodos, os médicos e as parteiras usavam o seu juízo
clínico para determinar se um bebé estava em dificuldades. Assim, diferentes
praticantes usavam diferentes critérios. Sem um procedimento padronizado, os
sinais de perigo eram muitas vezes ignorados e muitos recém-nascidos morriam.
Mas durante praticamente a segunda metade do século XX a hostilidade dos
médicos aos algoritmos foi total. Estavam claramente sob o domínio de uma ilusão:
a ilusão nas suas capacidades e perícia.
A evidência
estatística da inferioridade do “olho clínico” em comparação com as funções
algorítmicas veio a mostrar-se esmagadora, contrariando a experiência
quotidiana dos clínicos acerca da qualidade dos seus juízos. É claro que isto
não significa que seja negligenciável o valor da experiência clínica de muitos
anos confirmada pelas provas dadas. A linha entre aquilo que os clínicos podem
fazer bem e aquilo que de nenhum modo podem fazer não é óbvia. Mas em geral, as
previsões a longo prazo acerca do futuro dos seus pacientes são muito mais
difíceis de fazer.
Hoje em dia já se veem
os proponentes da aplicação de algoritmos à medicina, particularmente aos
diagnósticos clínicos, afirmarem veementemente que não é ético confiar nos
juízos intuitivos dos seres humanos quando estão em causa decisões importantes,
uma vez que já há provas irrefutáveis de que os algoritmos disponíveis cometem
muito menos erros do que as nossas intuições.
O mundo é difícil, a
culpa não é dos especialistas. Os erros de previsão são inevitáveis porque o
mundo é imprevisível. O único erro das pessoas está na elevada confiança na sua
subjetividade. Os especialistas são enganados pela forma como os seus cérebros
operam para que eles tenham como boas as suas crenças. É claro que as pessoas
não são todas iguais quanto ao seu grau de convicção e arrogância. Há aqueles
que pensam que sabem uma grande coisa, e inclusivamente constroem teorias
acerca do mundo. E a sua confiança na coerência do seu esquema mental é de tal
modo que chega a ser retumbante a sua arrogância em relação àqueles que não
veem as coisas à sua maneira. Mas, por outro lado, também há aqueles que são
mais complexos e profundos nos seus pensamentos ao ponto de muitas vezes
ninguém os compreender. São profundamente céticos e nunca acreditam que algo de
importante na História tenha sido determinado por um único acontecimento, ou
por influência de um único homem. São mais dados a reconhecer que a realidade
emerge da interação de muitos agentes e forças diferentes, incluindo o acaso e
a necessidade que acabam por dar origem a grandes e imprevisíveis desfechos.
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