domingo, 25 de novembro de 2018

O paraíso perdido (3)


          Entretanto na Alemanha dos festejos passou-se ao medo e os xenófobos passaram a fazer mais barulho. Em fevereiro de 2017 Merkel é obrigada a ceder e em setembro a popularidade de Merkel começa a baixar e a AfD a subir. Em junho de 2018 com Merkel mais fragilizada do que nunca depois de seis meses para formar governo, o ministro do interior ameaça agir unilateralmente para restringir o acesso à imigração. Merkel acaba por ceder comprometendo-se com a criação de centros de trânsito para os migrantes em território alemão. Os ataques de Paris haviam acelerado um processo de rápida inversão do que estava já em andamento. Tal como na Grão Bretanha e outros países europeus os franceses tinham semelhantes razões para estarem céticos em relação à retórica que se havia instalado. 
          No verão de 2016 a cidade de Nice apenas passou pelo primeiro de um conjunto de ataques quase diários. Alguns destes ataques foram levados a cabo por pessoas que tinham chegado à Europa durante os anos da recente vaga de imigração. Outros ataques, como o de Munique, foram realizados por indivíduos que tinham nascido na Europa. As pessoas ficavam atrapalhadas quando se perguntava porque estava isso a acontecer. O falhanço da integração era apenas uma parte da resposta. E por outro lado os migrantes mais recentes não explicavam tudo.
          O medo estava-se espalhando, e quantos mais refugiados entrassem num país mais esse medo crescia. Mas por outro lado também se tinha medo de cair ou ser acusado de racismo. E as autoridades ficaram à nora, sem saber o que fazer. Inclusivamente a Noruega passou a oferecer lições aos migrantes, como tratar as mulheres. Estas lições destinavam-se a contrariar o crescente problema das violações na Noruega, explicando aos refugiados que, por exemplo, se uma mulher lhes sorrisse ou se vestisse de forma a mostrar a pele, isso não queria dizer que eles pudessem violá-la. E na Alemanha, ao longo de 2016, a onda de violações e agressões também se espalhou. Mas o medo das consequências de identificar os agressores sobrepôs-se ao empenhamento da polícia no seu dever de não ocultar a identificação dos culpados.
          Agora, com a política de inversão, era sobre a Grécia e sobre os países de receção que pesavam os efeitos dessa inversão. Nem os podiam deslocar para norte, nem os podiam mandar de volta para casa. E o que tinha a dizer Merkel por toda esta confusão ? O que ela disse numa breve palestra enquanto recebia um doutoramento honoris causa pela universidade de Berna, foi que os europeus tinham responsabilidades relativamente aos refugiados. Mas, e então, levantou-se alguém da assistência, “em que posição fica a responsabilidade dos europeus na proteção dos outros europeus?” Merkel, invocando europeus que se tinham ido juntar ao Daesh, os europeus não podiam dizer que nada tinham a ver com eles. Não fora isso que lhe fora perguntado, mas a chanceler continuou: “o medo é mau conselheiro, tanto na vida pessoal, como na vida social.”
          O campo de refugiados da ilha grega de Lesbos é o maior da Europa. É um lugar onde não faltam agressões nem violações. São perto de oito mil pessoas num espaço insuficiente para tanta gente que chega a Mória, onde outrora estava instalada uma base militar. Semanas depois da chegada são chamadas para registo oficial. Mas a etapa seguinte pode demorar meses. Os que chegaram agora só lá para abril terão a entrevista de admissibilidade. E depois, só se passarem é que seguem para a entrevista principal, a de elegibilidade. Se tudo correr bem então é pedida a ajuda internacional. Caso contrário entram na fase de recurso. Se a pessoa for rejeitada, a pessoa é detida e deportada. Ainda pode recorrer, a um tribunal superior, muito difícil de alcançar e caro.
          Há uma casa de banho para cada trinta pessoas, alguns a viver em tendas de lona com paletes cobertas com mantas a fazer de chão. É difícil entrar na parte oficial do campo de Mória. Os jornalistas não têm autorização para entrar nas casas de banho e nos duches, onde as mulheres têm medo de ir porque podem ser violadas. Este centro de registo numa base militar sob a responsabilidade do governo grego e financiado com fundos europeus, não foi planeado para reter refugiados tantos meses, podendo chegar a um ano. Foi planeado para ser um abrigo transitório onde os refugiados não permaneceriam mais de uma semana. À volta do campo há rulotes junto ao muro da base, onde se pode ler “bem-vindo à prisão”, e comerciantes vendem fruta e outras coisas, que regressam a casa ao fim do dia e voltam no dia seguinte.

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